Entrelinhas

Lobo Antunes: a literatura de flashback

 

 

Ana Carolina Correia

 Em 1997, o escritor português António Lobo Antunes publicava O Esplendor de Portugal, livro sobre a vida de uma família de portugueses que vivia do plantio de algodão em Angola. A história, contada através de flashbacks, narra a vida de uma família desestruturada: pai alcoólatra, um filho bastardo e mestiço, outro internado em um hospício, uma filha inconsequente e uma mãe fragilizada e cansada diante dos rumos que sua vida toma. Como pano de fundo, Lobo Antunes descreve  Angola em guerra, paupérrima e cruel.

Há um ano e meio, Alice Eugenia Santos Vieira, aluna da Faculdade de Letras (FL) da UFRJ, se encantou pela literatura de Lobo Antunes. Ao se deparar com a necessidade de redigir um trabalho para a disciplina de Literatura Portuguesa III logo pensou no autor lusitano. Orientada pela professora Luci Ruas Pereira, Alice encontrou em O Esplendor de Portugal o trabalho que tanto queria.

A qualidade do trabalho lhe rendeu a indicação para se apresentar na edição de 2010 da Jornada de Iniciação Científica, na última semana. Com o título “Morte, Memória e Testemunho em O Esplendor de Portugal”, a aluna apresentou as diversas facetas do romance de Lobo Antunes, principalmente, na construção da narrativa através dos flashbacks.  Em conversa com o Olhar Virtual, a estudante conta suas reflexões à cerca das ideias da obra do escritor lusitano.  

Olhar Virtual: Como surgiu o interesse por O Esplendor de Portugal?

Alice Vieira: Isso é engraçado. Quando entrei na faculdade, eu não tinha muita noção de Literatura Portuguesa. Mas eu vi um menino no ônibus lendo Os Cus de Judas (romance escrito por Lobo Antunes em 1979), e achei o nome curioso, estiquei o pescoço para ver e gravei o nome do autor. Quando fui cursar Literatura Portuguesa III, fiz um trabalho sobre esse livro e a minha orientadora me chamou para participar de pesquisa na área. Ela me questionou sobre qual autor gostaria de trabalhar e, ao mencionar o Lobo Antunes, ela me indicou O Esplendor de Portugal. Então eu me apaixonei.

Olhar Virtual: Quais são suas reflexões sobre a obra?

Alice Vieira: A ideia da morte é muito presente no livro. Mas, como cito no trabalho, a ideia de memória fragmentada é o que se vê de mais forte em várias personagens no texto. É possível enxergar a construção do próprio pensamento no modo como o autor escreve. Como quando o narrador  lembra coisas de parte das conversas e nem sempre do contexto inteiro. E essa fragmentação se aplica no texto: juntando um pedacinho aqui, outro fragmento de lembrança dali, se constrói a história, nem sempre concreta. Talvez nem mesmo uma história real, já que muitas vezes as personagens acabam idealizando o ocorrido.

Olhar Virtual: Você acredita que as temáticas abordadas no livro, entre elas o alcoolismo e a infidelidade, possuem respaldo na realidade?

Alice Vieira: É claro! Ele contempla a questão dos casamentos de fachada, com homens que traem suas mulheres, e mulheres que só ficam com os homens por causa de status e poder. A questão de “raça”, que também é bastante retratada no livro, também é real; é claro que, por exemplo, ao chegar em um país desenvolvido, o imigrante é tratado de modo diferenciado. Como na relação entre México e Estados Unidos, que, mesmo tão próximos, são tão distantes. Exatamente do mesmo modo que a Angola e Portugal de Lobo Antunes. Para usar um termo do próprio livro “os brancos de Angola são os pretos de Portugal”. Na minha opinião, nós, do terceiro mundo, ainda somos, sim, “os pretos” do primeiro.

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