De Olho na Mídia

Jornalista dublê de investigador policial?

 

Júlia de Marins

Ilustração: João Rezende

A reportagem “Arma ilegal cruza fronteira via serviços de motoboys”, publicada pela Folha de S. Paulo, no último dia 28, denuncia a facilidade com que uma arma comprada ilegalmente no Paraguai entra no Brasil. Para comprovar o fato, o repórter da Folha foi até território paraguaio e comprou um revólver calibre 38 e munição nos fundos de uma pequena loja. Ao solicitar o serviço de entrega para o lado brasileiro, a equipe do jornal flagrou como o motoboy encarregado cruzou, sem qualquer tipo de impedimento, a Ponte da Amizade, fronteira que liga a Ciudad del Este a Foz Iguaçu, no Paraná. Após o término da produção da matéria, a arma foi entregue e toda a ação foi relatada à polícia. No entanto, a atitude ilegal pode ser justificada pela apuração da reportagem? Os recursos utilizados para o flagrante estão dentro dos conceitos de ética? Até que ponto uma atitude tão arriscada é necessária para provar um fato?

De acordo com Nilo Sérgio Gomes, jornalista e professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), a forma como o jornalista agiu não deve ser considerada falta de ética, mas é preciso que um repórter tenha sempre bom-senso para saber até que ponto deve se aprofundar numa investigação arriscada.

Para ele, a Folha buscou um meio de comprovar o que seria denunciado e não teria outra maneira de fazê-lo se não a própria compra ilegal. “O repórter percebeu que havia irregularidades passando despercebidas na fronteira e provou isso através da compra do revólver”, apontou o professor.

Gomes aborda ainda a diferença entre o dever de um jornalista e o de um policial, ressaltando que nunca deve haver uma mistura dos dois. Segundo ele, “o jornalista trabalha para produzir notícias, elaborar conteúdos de informações jornalísticas, investiganto e apurando matérias em condições adversas. No entanto, nunca deve exercer o papel de policial e nem de alcaguete (informante), pois sua função é apenas informar à sociedade”.

Código de ética

A partir de trechos do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o professor também debateu sobre os recursos utilizados pelo repórter e que são frequentes em investigações para matérias mais complexas e de grande impacto para o público. Gomes afirmou que, assim como diz o Código, “o profissional deve apurar informações de interesse público sem ferir a legalidade e sem ferir também o direito de outras pessoas de saberem que estão ao lado de um jornalista”. Sendo assim, “o repórter não precisa mentir e nem se esconder para obter a informação que precisa, pois há outros meios. E eu posso afirmar isso porque tenho 40 anos de profissão como jornalista”.

Quanto ao caso específico da matéria da Folha, “não perguntaram se ele era repórter. Ele chegou e comprou uma arma. Não era necessário avisar que era jornalista e que estava fazendo uma reportagem, porque ele estragaria a matéria. Além do mais, ali nem mesmo interessava quem era o comprador, o que torna o fato ainda mais grave”, disse o professor.

Nilo Sérgio Gomes acredita que “fazer jornalismo não é expor a vida de ninguém, não é mentir, mas buscar todas as formas possíveis de informar a sociedade e aprofundar sua consciência e deixar que ela própria seja capaz de julgar”. Segundo ele, o jornalista deve ser sempre verdadeiro e sensível em relação às pessoas e às informações que divulga. “É aquela velha discussão: eu sou fotógrafo, estou com uma câmera na beira de uma estrada e adiante há uma ponte onde está uma pessoa querendo se suicidar. O que eu faço? Dirijo-me àquela pessoa para convencê-la a não se jogar ou fico esperando para bater a foto que será a primeira página amanhã? Eu vou me dirigir ao indivíduo e tentar convencê-lo a não pular e fazer uma bela matéria enaltecendo a vida e o poder de persuasão. Afinal, primeiro vem o direito à vida”.