Ponto de Vista
19.04.2005
Trabalho escravo no Brasil
Diego do Carmo


Em pleno século XXI, a prática do trabalho escravo é uma realidade que assola milhares de brasileiros no campo e na cidade. Na busca por melhores condições de vida, trabalhadores de diversas partes do país se iludem com promessas enganosas de bons salários e emigram, deixando de lado sua família e amigos.
Segundo o Padre Ricardo Rezende Figueira, antropólogo e pesquisador do GPTEC (Grupo de Pesquisa Trabalho Escravo Contemporâneo), do CFCH/UFRJ, um dos maiores nomes da militância contra o trabalho escravo no Brasil, a escravidão por dívida e a emigração são as duas principais características do escravismo no Brasil.
“O trabalhador está no seu lugar de origem e recebe uma proposta para trabalhar em outro local, com promessas de bons salários. Os moradores dos bolsões de pobreza, pessoas com dificuldade, são facilmente seduzidos. No entanto, todos os custos com transporte, hospedagem e alimentação são revertidos em dívida e pagos com o próprio trabalho. Longe de seu local de origem, essas pessoas ficam mais vulneráveis aos abusos dos patrões e tornam-se mais facilmente vítimas. O trabalhador quase sempre atua em outro estado. Quando não, nunca na mesma cidade”.
Se na área rural a maioria dos escravizados é de outros estados e municípios, na área urbana eles podem vir de fora do país. Africanos, asiáticos, latinos, principalmente, bolivianos e peruanos, estão entre os estrangeiros aliciados em áreas metropolitanas no Brasil. Além de estarem fragilizados, por se encontrarem fora de seu território, a situação irregular de imigrantes os deixa mais imobilizados dentro da dinâmica do trabalho escravo; caso denunciem que são vítimas do crime, acabam sendo expulsos do país.
“Nos Estados Unidos, a justiça do trabalho ou criminal sendo informadas dessas denúncias não comunicam ao departamento de migração sobre a situação irregular dos imigrantes. Isso significa que não serão necessariamente expulsos como no caso brasileiro. O trabalhador estrangeiro sente-se mais seguro para denunciar”, afirma Ricardo.
Outro aspecto do trabalho escravo no Brasil observado por Figueira é uma aparência de “legalidade” que existe por trás da prática.
“Existe para a vítima uma ‘legalidade’, a da dívida, que ele é forçado a acreditar que tem com o patrão. Ele só denuncia quando acha que houve alguma coisa que ultrapassou os limites do admissível. Se fugir, se sente um criminoso. E o pior é que essa visão é compartilhada, muitas vezes, por autoridades”.
Apesar das dificuldades que existem para o combate ao trabalho escravo no país, os últimos 30 anos trouxeram avanços consideráveis para o seu êxito. Segundo Ricardo Rezende, nesse período o número de informações sobre os escravizados aumentou, mesmo ainda sendo incompleto. Hoje, a fiscalização é maior, as Delegacias Regionais do Trabalho, em geral, deixaram de ser coniventes e a criação do Grupo Especial de Fiscalização Móvel, do Ministério do Trabalho, realiza um trabalho importante para a erradicação dessa prática.
“Na década de 70, apenas a Comissão Pastoral da Terra combatia o escravismo. Hoje, a fiscalização é maior, a sociedade e um conjunto de organizações participam desse embate e temos um conhecimento maior sobre o assunto. Porém, ainda falta muito a ser feito. Precisamos de mais informações e a fiscalização das denúncias ainda é muito lenta”, afirma o padre.
Dentre as principais medidas, que vem sendo feitas para a erradicação do escravismo no Brasil, destaca-se a Campanha Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, que vem realizando uma série de encontros e seminários nos estados da federação, principalmente no Piauí onde a iniciativa encontra-se em estágio mais avançado. Entre as organizações que se destacam aí se encontram a Comissão Pastoral da Terra e a Organização Internacional do Trabalho. Além dela, existe uma ação do Ministério Público do Trabalho que visa à aplicação de multas por danos morais coletivos aos escravocratas. Entretanto, a medida que é mais aguardada não só por Ricardo, mas por todos que militam contra o trabalho escravo é a aprovação do Projeto de Emenda Constitucional (PEC) Ademir Andrade, que prevê a perda da terra para quem utilizar a mão-de-obra escrava. Esse projeto de emenda constitucional, que leva o nome do senador, foi aprovado no Senado há uma década, mas ficou anos em tramitação na Câmara. Hoje, depois de sofrer uma série de modificações nesta casa, ainda precisa ser votado não apenas na Câmara, mas novamente no Senado.
“Voltamos, à estaca zero, à 1992. A bancada ruralista impede a aprovação da PEC. E sabemos que a escravidão só vai acabar quando o bolso de quem a faz for atingido”.

 

* Pisando fora da própria sombra. A escravidão por dívida no Brasil contemporâneo do Padre Ricardo Rezende Figueira, lançado no ano passado e indicado ao prêmio Jabuti.



Notícias anteriores:

• 12/04/2005 - Até que ponto o entretenimento ameniza o sofrimento
• 05/04/2005 - Saúde em Crise
• 29/03/2005 - Ecos de um Brasil ultrapassado