Edição 274 03 de novembro de 2009
Mesmo os brasileiros menos atentos já perceberam que as desigualdades sociais se constituem em um poderoso entrave ao desenvolvimento do país. Em um ranking mundial, que inclui 126 nações, o Brasil aparece com a décima pior distribuição de renda, atrás de países menos desenvolvidos, como o Haiti, por exemplo. Ainda que alguns programas sociais venham se esforçando para reparar a exclusão social histórica de parcelas da população, uma pesquisa, realizada há 2 anos pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), mostrou que 75,4% da riqueza do país continuam concentrados com os 10% mais ricos.
Sanar as crônicas desigualdades sociais brasileiras requer investimentos em Educação. Essa é a opinião de Ranulfo Vidigal, mestrando do Instituto de Economia (IE) da UFRJ e presidente do Centro de Informações da Cidade de Campos (Cidac). Em artigo publicado no jornal Valor Mercantil, no dia 29 de outubro, além de criticar a média de escolaridade do brasileiro, que gira em torno dos 7 anos, Vidigal defende uma reestruturação do ensino que permita formar uma mão de obra qualificada para atender às demandas dos setores produtivos do país.
Em entrevista ao Olhar Virtual, Ranulfo comenta a relação entre investimentos na Educação e a diminuição das desigualdades sociais, conjeturando sobre o caminho que o Brasil deve seguir para superar a má distribuição de renda. Confira.
Olhar Virtual: Em artigo publicado no jornal Valor Mercantil, no dia 29 de outubro, o senhor defende maiores investimentos em Educação para que o Brasil reduza as desigualdades sociais. Qual a relação entre os dois processos?
Ranulfo Vidigal: Se olharmos na literatura os processos de catching up verificados pelo mundo, veremos que os exemplos mais recentes estão na Ásia. A Coreia do Sul, por exemplo, investiu maciçamente em Educação. Eu diria que 90% dos jovens em idade escolar frequentam o Ensino Médio na Coreia, enquanto no Brasil esse número cai para 50%. Lá, 30% estão no Ensino Superior. No Brasil, saem das universidades apenas 7%. A Coreia experimentou um processo rápido que associou avanços tecnológicos com Educação. Houve, então, redução de desigualdade social.
Além disso, existem as novas regras de empregabilidade: aquele indivíduo que consegue pensar, que consegue fazer projeções sobre o que lê, com escolarização mais avançada, exercerá melhor sua cidadania. É um conjunto de ações que tem a raiz na Educação.
No Brasil, precisamos ganhar produtividade: a gente tem quantidade, mas não tem qualidade. Um fato digno de atenção é a expansão do Ensino Superior. O local que recebe uma nova universidade muda de patamar no período de uma década. Chegam pessoas de fora com outras experiências e se unificam com quem está. Isso gera uma troca de saberes muito importante. Percebo isso com a chegada da Uenf (Universidade Estadual do Norte Fluminense) em Campos. Campos era uma cidade completamente diferente antes dela. Hoje, a cidade contabiliza 30 mil universitários. O primeiro movimento foi da construção civil; depois, cresceu a consciência, passamos a cobrar mais do poder público; cresceu a possibilidade de unir pesquisa aplicada com o setor empresarial. A chegada do saber qualificado é muito importante porque aumenta o patamar médio da sociedade.
Olhar Virtual: No mesmo artigo, o senhor enfatiza que faltam 15 anos para o Brasil chegar ao nível de desigualdade verificado nos Estados Unidos. Essa é uma boa comparação?
Ranulfo Vidigal: Eu fiz essa comparação propositadamente, porque acho que a distribuição de renda nos Estados Unidos é ruim. Eu quis ressaltar que ainda estamos longe do ruim.
Olhar Virtual: Em sua opinião, o ensino brasileiro precisa ser reestruturado para que possa então reduzir as desigualdades?
Ranulfo Vidigal: A universidade é o lugar da formação da elite. A pós-graduação forma a elite da elite. Os investimentos feitos em Educação no Brasil têm caminhado nessa direção. Mas onde se precisa de mão de obra qualificada, no segmento industrial, há um gap entre qualidade de mão de obra e capacidade de escolarização dos trabalhadores. Falta saber técnico. Ele pode ser muito melhorado e expandido, principalmente através de escolas técnicas. Existem áreas novas específicas, como a criada com a descoberta do pré-sal, por exemplo, e que estão gerando demandas. Ao mesmo tempo em que faltam técnicos nessa área, sobram advogados. Temos que fazer uma adequação entre mercado de trabalho e mão de obra.
Olhar Virtual: A expansão do ensino deve acontecer através da iniciativa pública ou da privada?
Ranulfo Vidigal: O equívoco do setor de ensino privado é sempre buscar o mais fácil, porque dá lucro. O sistema público é mais bem planejado e, ao avaliar as tendências, acaba conseguindo antever os melhores caminhos a seguir. Só uma intervenção pública pode resolver o problema brasileiro. O ideal são investimentos em universidades públicas e em escolas técnicas.
Olhar Virtual: A Educação gera efetivamente renda?
Ranulfo Vidigal: A Educação gera oportunidades. Estudos mostram que um trabalhador de nível médio tem faixa salarial em torno de 1,5 salário mínino, enquanto um de Ensino Superior ganha de oito a dez, em média. Mais Educação gera produtividade, e quanto maior é a produtividade, maior serão os salários.
Olhar Virtual: Como o senhor avalia o fomento governamental dado à Educação, através de programas como o Bolsa Família e o Crédito Educativo?
Ranulfo Vidigal: O Bolsa Família é um programa que reduziu a indigência no Brasil, mas ele não foi criado para distribuir renda. Já o Crédito Educativo é um instrumento muito importante porque leva em conta a hierarquização de nossa sociedade, em que uma minoria pode estudar em Londres e uma maioria tem que disputar vagas para estudar.
Olhar Virtual: Durante muitas décadas, a Educação não era encarada no Brasil como investimento, mas como gasto. O senhor acredita que essa mentalidade venha mudando?
Ranulfo Vidigal: De certa forma sim. Mas, quando saímos das grandes e médias cidades e vamos analisar os grotões brasileiros, vemos que a Educação ainda se baseia muito na troca de favores. Para se ter noção, ainda existem professores que não possuem sequer o nível básico e dão aulas para crianças. A qualificação nas cidades grandes é infinitamente maior do que no interior. Reverter esse processo depende de uma conscientização da sociedade. Quem cobra a qualidade é a sociedade.
De qualquer forma, as elites estão mais conscientes hoje. Até porque o empregado qualificado produz mais. Se produz mais, ganha mais; se ganha mais, maior será o mercado consumidor. O mercado consumidor mais aquecido é efeito multiplicador sobre renda e emprego. As lideranças das grandes indústrias entendem que a Educação é interessante.