Edição 276 17 de novembro de 2009
Desde que surgiu, a internet é vista como um campo vasto de possibilidades através da queda de barreiras geográficas, em que o conhecimento gerado em um determinado quadrante do planeta pode chegar a outro em curto espaço de tempo. No entanto, se depender do deputado Eduardo Gomes (PSDB-TO), presidente da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, esta terra sem fronteiras não será uma terra sem leis.
O parlamentar foi o responsável pela realização, no último dia 11, de audiência pública que visa à criação de um espaço para o debate sobre a propriedade dos veículos de comunicação digital no Brasil. A Constituição Federal define, em seu artigo 222, que “pelo menos 75% do capital total e do capital votante das empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens deverão pertencer, direta ou indiretamente, a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos”, sem citar, entretanto, as páginas de notícia da internet e demais plataformas digitais.
Muitos portais de notícias e serviços que atendem à demanda de internautas brasileiros – com conteúdos voltados a esse público, notícias de seus interesses e na língua portuguesa - pertencem a grandes empresas de telefonia internacionais ou brasileiras, cuja maior parte de seus acionistas é composta por estrangeiros. Apoiado pela Associação Nacional e Jornais (ANJ) – grupo composto pelos proprietários dos grandes jornais do país –, pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) – composta pelas maiores emissoras de rádio e TV brasileiras - e pela Associação Brasileira de Internet (Abranet), o requerimento da reunião realizada na Câmara dos Deputados surgiu devido à necessidade de se debater se é necessária ou não a adequação da legislação atual à rede mundial de computadores. Ou seja, se as empresas que financiam os portais de notícias devem ser majoritariamente compostas por capital nacional.
Internet: uma lógica diferente
Em entrevista ao Olhar Virtual, a professora Ivana Bentes, diretora da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO/UFRJ), acredita que, por ser um lugar sem fronteiras territoriais, a internet segue uma lógica completamente diferente da radiofusão.
Os defensores da abrangência do artigo 222 à realidade das novas tecnologias de informação alegam que a importância de limitar a participação dos estrangeiros está na necessidade de preservar a soberania e a cultura nacionais. Segundo essa linha de pensamento, os grandes debates do país poderiam ser pautados por interesses externos e valores culturais sufocados. No entanto, Bentes rebate: “Prefiro falar de autonomia e codependência a utilizar os termos soberania e cultura. Este nacionalismo engessado funcionava na economia não-globalizada. Isto é uma questão que está sendo cada vez mais colocada em xeque. Mesmo o Ministério da Cultura e o governo brasileiro, hoje, trabalham com essa ideia de que o país está inserido em um contexto transnacional”.
Para a docente, o principal ponto em relação aos meios de comunicação transcende a questão do capital. “Claro que acho que deve haver uma preocupação com as questões da autonomia do país, em relação ao oferecimento dos serviços. Porém, acredito ser muito mais importante do que definir a entrada do capital estrangeiro, ou não, assegurar, por exemplo, o acesso através de serviços públicos e gratuitos. Ou seja, criar uma estrutura pública de acesso à internet, ao provedores e ao telefone”, argumenta.
Monopólio nacional: ausência de apoio à produção independente
Caso seja possível aplicar a legislação nacional à internet, os mesmos empresários que controlam os conteúdos impresso e radiofônico poderão dominar a rede, ocasionando um monopólio no campo da informação. “O que adianta a gente ter soberania se as empresas brasileiras, na radiofusão e na própria internet, barram a produção de conteúdos independentes? A produção audiovisual brasileira, por exemplo, não entra na nossa televisão. Então, qual é a função de ficarmos defendendo um monopólio nacional quando este justamente não funciona de uma maneira plural, aberta?”, questiona.
Ivana Bentes acredita que melhor do que a recusa do dinheiro proveniente de transnacionais seria saber lidar com ele. “Poderia ser pedida uma contrapartida, uma exigência de cotas para a produção brasileira, para assegurar que uma parte do conteúdo da produção brasileira seja veiculada por empresas de telefonia de capital transnacional ou qualquer companhia de capital estrangeiro. Considero o posicionamento muito mais político do que simplesmente barrar a entrada deste, que se move e poderia beneficiar a própria produção independente nacional“, conclui.