Edição 245 14 de abril de 2009
Na edição 242 de 24 de março, o Olhar Virtual entrevistou um estudante do Diretório Central dos Estudantes Mário Prata (DCE-UFRJ) e uma professora do Colégio de Aplicação (CAp) da UFRJ acerca do projeto de lei n° 188/2007, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que restringe a meia-entrada de discentes e idosos em atividades culturais. O projeto propõe que, em cinemas, a meia-entrada seja permitida apenas nos feriados e finais de semana; já em outros eventos, como peças teatrais e shows, o privilégio seria restrito de domingo à quinta-feira.
Na ocasião, os entrevistados destacaram que a lei, se aprovada, dificultaria o acesso dos universitários a atividades culturais imprescindíveis à sua formação profissional e individual. Durante a entrevista, eles defenderam também a meia-entrada como uma conquista histórica da classe estudantil que não pode ser anulada.
A opinião de muitos produtores culturais, entretanto, colide com essa quando a polêmica é abordada. Diogo Vivela, ator e produtor teatral, por exemplo, já recorreu à mídia em alguns momentos para manifestar seu descontentamento em relação à meia-entrada. José Henrique Moreira, professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e também produtor teatral, tem opinião consonante com a de Diogo: para ele, a meia-entrada indiscriminada e não-regulamentada traz sérios prejuízos à produção teatral.
Como forma de preservar a multiplicidade de pensamentos e de refletir a pluralidade de opiniões existentes no âmbito da universidade, o Olhar Virtual retorna a essa discussão, trazendo, nesta semana, uma entrevista com José Henrique. Na conversa, o professor destaca quais são as causas e consequências do “meio-preço” sobre o Teatro brasileiro.
Olhar Virtual: Que tipos de prejuízos a meia-entrada indiscriminada traz ao Teatro brasileiro?
O Teatro é um sistema de produção quase artesanal, em que cada produto é oferecido com exclusividade a um público numericamente restrito e absolutamente localizado. Uma peça de teatro, que resulta do investimento financeiro de um produtor e do trabalho de dezenas de profissionais, é um negócio de pequeno alcance de consumo, em comparação com outros produtos culturais de ampla distribuição, como filmes, CDs e livros. Mas as leis de meia-entrada (que prefiro chamar de "meio-preço") não diferem produto nem condições de produção, igualando nesse aspecto os espetáculos teatrais a outros tipos de obras sustentadas por indústrias poderosas, como o Cinema e a Música Popular.
Não vou entrar no mérito dessas áreas, que provavelmente também sofrem com a "meia-entrada-liberou-geral", mas, no caso do Teatro, há que se estabelecer algum limite à bandalheira que hoje acontece, porque não existe alternativa à receita de bilheteria, já que uma peça não pode, como um filme ou uma canção, ser lançada em DVD ou CD após a temporada ou turnê, para arrecadação extra. O dinheiro do borderô é a única esperança de continuidade do projeto, que hoje sucumbe mesmo nos casos de sucesso.
Olhar Virtual: Como o senhor avalia o projeto de lei n° 188/2007, de autoria do senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), que propõe restrições ao direito da meia-entrada?
Ainda não li o projeto, então não posso opinar detalhadamente. Mas a pergunta já é distorcida ao se referir a um suposto "direito", como se o abatimento nos ingressos fosse, na área cultural, o equivalente ao acesso à Saúde ou à Educação. Não é; portanto, não se trata de "restringir" nada. Há, com certeza, um viés político-partidário nessa questão, que não me interessa discutir aqui.
Olhar Virtual: Uma das propostas da lei é concentrar a emissão de carteirinhas nas mãos da União Nacional dos Estudantes – a UNE. Esse tipo de medida, na sua opinião, ajuda a evitar fraudes?
Não se a UNE estiver responsável por isso, porque não é uma instituição que mereça a minha confiança. Evitar fraudes é um dever de todos, em qualquer circunstância, mas a criação de mecanismos fiscalizatórios representa, no Brasil, somente a abertura de mais caminhos fraudulentos.
Só um sistema extremamente complexo, com a vinculação do status de "estudante" ao CPF, por exemplo, e com consulta instantânea pelo bilheteiro, poderia resolver a questão. Isso, é claro, se não houvesse o cadastramento de CPFs falsos.
Em todos os casos, portanto, o melhor é que a iniciativa e os critérios de descontos no preço dos ingressos permaneçam no âmbito das duas únicas partes interessadas: o produtor e o público. Em minhas produções, por exemplo, sempre faço convênios com as chamadas "associações de espectadores" (Starpalco, Câmara de Arte etc.), que me pagam um cachê para permitir a entrada de seus associados. É um risco que corro, porque posso ter a plateia lotada de "gratuidades" (na verdade, ingressos a preço muito reduzido), mas assumi esse risco voluntariamente e não porque alguma lei me obrigou a isso.
Olhar Virtual: Esse tipo de lei não pode, em última instância, afastar os jovens universitários do convívio cultural? Por quê?
Não. O estímulo ao consumo cultural não pode se escorar numa redução indiscriminada do preço dos ingressos que inviabilize a produção. Os produtos mais "comerciais", como shows de rock, simplesmente dobram seus preços e resolvem a equação financeira "na marra", mas a produção cultural de menor poder econômico, como o Teatro, fica refém de uma política generalizante.
A aproximação entre estudantes e Cultura exige ações de difusão tanto dentro das universidades, como dentro das empresas para os trabalhadores. Eu prefiro vender, pela meia-entrada, uma casa cheia a uma empresa que leve seus empregados ou a uma universidade que leve seus alunos. Assim é negócio, e não coerção.
A maior parte da "política cultural" do Estado brasileiro tem se baseado no estímulo à produção, através de leis de renúncia fiscal, e não no incentivo ao consumo. O mesmo dinheiro poderia ser aplicado nas duas pontas da cadeia produtiva. Mas as leis de meia-entrada não preveem nenhuma compensação aos produtores ou controle de uso, quando até as vans, que são o sintoma do descalabro na política de transportes públicos, exibem na porta a restrição ao número de gratuidades por veículo.
Olhar Virtual: Como a meia-entrada deveria existir então?
Qualquer redução no valor de um serviço envolve a concordância das partes envolvidas. É possível manter a meia-entrada? É, mas será necessário estabelecer relações entre esse mecanismo e os demais que envolvem a atividade cultural, como as leis de incentivo e o investimento direto do Estado na Cultura. E também estimular a negociação entre as partes diretamente envolvidas, a fim de que se estabeleçam acordos de funcionamento do sistema respeitando os limites que garantam a continuidade da produção. Por que a UNE não faz uma proposta direta aos produtores? Porque é mais fácil gritar palavras de ordem em Brasília ou nas Assembleias Legislativas do que sentar à mesa e fazer negócios com gente séria. Eu sou um produtor e estou sempre à disposição de quem queira trazer público aos meus espetáculos, mas cansei de ver, do outro lado da bilheteria, gente que passa diretamente de estudante à terceira idade sem atravessar as responsabilidades da vida adulta.