Edição 260 28 de julho de 2009
Quando foi criada, em 1937, a União Nacional dos Estudantes (UNE) tinha a missão de representar e de lutar pelos direitos dos estudantes do ensino superior. Na prática, ela foi além: protagonizou as principais lutas sociais do povo brasileiro.
Em 1939, mesmo sem dispor dos recursos financeiros necessários, a UNE passava a congregar as atividades das organizações estudantis de todo o país. Na década de 1940, a entidade se notabilizou por defender o fim do Estado Novo e por se posicionar contrariamente ao Nazifascismo. Nos anos de 1960, promoveu, mesmo na clandestinidade, atos públicos de repúdio à ditadura militar brasileira. Foi também um dos atores principais da campanha pelas Diretas Já, em 1984.
Em 1992, mais uma vez a UNE ganhou visibilidade nacional ao organizar o movimento dos “caras pintadas”, no qual reuniu milhares de estudantes que exigiam, através de passeatas realizadas em diversas partes do Brasil, o impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello.
Nos últimos anos, entretanto, a UNE, órgão por onde já passaram importantes nomes da política nacional, como José Serra e José Dirceu, parece estar perdendo força. Algumas entidades estudantis independentes, como a Coordenação Nacional de Luta dos Estudantes (Conlute), por exemplo, questionam a legitimidade da organização. A principal crítica é a de que a União Nacional dos Estudantes estaria por demais próxima ao governo federal, perdendo, assim, a capacidade de representar, de fato, o interesse dos universitários.
Jornais de todo o país noticiaram, no início do mês de julho, o apoio dado pelo governo Lula e por empresas estatais à realização do 51º Congresso da UNE. Segundo esses veículos, a entidade recebeu cerca de R$ 1 milhão para a efetivação do evento. Soma-se a isso o fato de que os líderes da entidade estão cada vez mais afinados com as propostas governamentais para a educação superior: são favoráveis à Reforma Universitária e apoiam o polêmico Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni).
Para problematizar essa proximidade com o governo federal, resgatar alguns pontos principais da luta estudantil e traçar os desafios que se anunciam para a UNE, o Olhar Virtual conversou com Carolina Barreto, aluna da Escola de Comunicação (ECO) e integrante do Diretório Central de Estudantes Mário Prata (DCE-UFRJ), e Vinícius Almeida, estudante de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretor da UNE.
“Existe um refluxo dos movimentos sociais como um todo, que é causado, em parte, pela capacidade que o governo tem de cooptar as organizações sociais.”
Carolina Barreto
Integrante do Diretório Central de Estudantes Mário Prata (DCE–UFRJ)
“Na verdade, há uma proximidade real da UNE com o governo federal, o que gera um atrelamento da entidade com as propostas governistas. A UNE não tece qualquer crítica a nenhum ponto do governo. Mesmo em relação a fatos como os atos secretos no Senado e a ação de José Sarney, ela não se pronuncia. Outro ponto muito defendido foi a Reforma Universitária. Em todo esse tempo, a UNE foi entusiasta da reforma, entendida, por mim, como uma tentativa de privatizar a educação superior pública brasileira.
A União Nacional dos Estudantes é dirigida pelo PC do B, partido que integra a base do governo. Isso reflete nas políticas da entidade de alguma forma. Diante disso, julgo ser importante haver iniciativas paralelas à UNE, no que tange aos assuntos estudantis. Mas não acredito que devam existir entidades independentes. Entidade é só uma e é a UNE. É interessante, no entanto, haver frentes paralelas, como foi o caso da Frente de Luta pela Reforma Universitária, realizada em 2007.
Desde antes do governo Lula, a UNE já era muito burocratizada. Já existiam iniciativas externas a ela, até porque era (e continua sendo) muito difícil organizar lutas dentro da entidade. Não há vontade de promover debates políticos reais, porque as lideranças da UNE sabem que serão alvo de críticas. E são mesmo.
Houve, ao longo dos últimos anos, um refluxo no movimento estudantil e isso, de alguma forma, se reflete na UNE, que não faz nada para mudar essa realidade. Na verdade, existeum refluxo dos movimentos sociais como um todo, refluxo esse causado, em parte, pela capacidade que o governo tem de cooptar as organizações. O movimento estudantil, entretanto, está melhor que o sindical.
Acho que não há segredos no que diz respeito aos desafios a serem enfrentados pela UNE no futuro. Falta a ela pautar assuntos que transpassem os muros da universidade. Não tem como se manter silenciada diante de tudo que está acontecendo no Senado, no leilão de petróleo, nas questões mais gerais da sociedade, enfim. Junto a essa movimentação, a UNE deve chamar mais estudantes para o movimento. Essa é uma luta diária.”
“Creio que a União Nacional dos Estudantes deva lutar pelos interesses dos estudantes como um todo, sem se esconder atrás de acordos políticos. Acredito que ela deva conter todos os partidos e ser autônoma de todos eles ao mesmo tempo.”
Vinícius Almeida
Estudante de História na Universidade Federal Fluminense (UFF) e diretor da UNE
“Falando de uma maneira genérica, o financiamento de uma organização pelo governo não é um problema tão grande. A questão é que existe, de fato, um ‘aparelhismo’ político muito forte. Nesse sentido, as críticas que estão sendo veiculadas têm procedência. O problema maior, no entanto, é que os meios de comunicação olham pouco para a atual política da UNE para as universidades públicas.
O governo Lula, assim como o governo FHC, possui políticas privatistas para o ensino superior, políticas que permitiram a ampliação do setor privado em detrimento do público. As críticas, no entanto, colocam a UNE como se, ao defender o governo, ela não estivesse, no fundo, apoiando um projeto de universidade que a própria mídia acha interessante. Também critico essa postura da entidade, mas com um viés diferente do da mídia.
Existe um incômodo porque a maioria da UNE defende a candidatura de Dilma Rousseff para a Presidência em 2010. Mas, nesse quesito, existem, implicitamente, certos setores da mídia que não apoiam a Dilma. Mas sim outros possíveis candidatos; e por isso criticam a UNE.
De fato, a maior parte da UNE prefere se manter afastada de assuntos mais gerais e que têm alcançado grande repercussão, como é o caso dos atos secretos no Senado. Mas temos que entender que a UNE é proporcional. Existem, dentro dela, setores que lutam contra essa postura. Há uma oposição organizada que quer, por exemplo, a campanha ‘Fora, Sarney!’, ou seja, que deseja pautar debates mais próximos da sociedade e dos estudantes brasileiros.
Diante disso, creio que a União Nacional dos Estudantes deva lutar pelos interesses dos estudantes como um todo, sem se esconder atrás de acordos políticos. Acredito que ela deva conter todos os partidos e ser autônoma de todos eles ao mesmo tempo.”