Edição 269 30 de setembro de 2009
Uma pesquisa recente realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revelou um aumento do número de jovens entre 15 e 17 anos matriculados na escola, de 15,9%, em 2004, para 17,9%, em 2009. O ministro da Educação, Fernando Haddad, credita esse avanço à expansão do programa Bolsa-Família para essa faixa etária, costumeira freqüentadora de altos índices de evasão escolar. "O Bolsa-Família estendido para a faixa de 15 a 17 anos pode ter repercutido na melhoria do atendimento. O aluno volta à escola porque se continuar faltando perderá o benefício", afirmou o ministro. Desde março do ano passado, as famílias recebem R$ 33 por jovem de 15 a 17 anos matriculado na escola e com freqüência mínima de 75%.
É um estimulo para a presença do jovem na escola, porém não é uma garantia de que a educação no Brasil está melhorando. A mesma pesquisa indicou uma estagnação na taxa de analfabetismo, que recuou apenas 0,1 ponto percentual na comparação entre 2009 e 2008. Mais preocupante ainda é o avanço do número absoluto de analfabetos adultos, que passou de 14,136 milhões para 14,247 milhões.
Para discutir os indicadores sobre educação do PNAD, o Olhar Virtual entrevistou o decano do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH) da UFRJ, Marcelo Corrêa e Castro e a professora da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ, Rosana Morgado.
“O Programa Bolsa-Família é considerado o maior programa de transferência direta de renda do país. Hoje são, aproximadamente, 12 milhões de famílias beneficiárias. Para a permanência no programa são exigidas condicionalidades na área da saúde e educação. As escolas enviam a freqüência de crianças e adolescentes para a Comissão Municipal Gestora do Programa Bolsa-Família, que é responsável por alimentar os dados do sistema. Essa exigência gera, assim, uma pressão sobre as famílias para a manutenção de suas crianças e adolescentes nas escolas, visando garantirem a continuidade do recebimento do benefício. As condicionalidades para a permanência no programa não são consensuais. Longe disso, se, por um lado, podemos saudar através dos indicadores um número maior de crianças e adolescentes nas escolas (não de forma homogênea em todo o país), há que se problematizar diferentes aspectos sobre esta permanência, que demandam estratégias diversificadas, como por exemplo: desagregar os dados por região e faixa etária; utilizar os indicadores de avaliação da qualidade do ensino nas escolas; conhecer ou mensurar a existência de programas complementares de âmbito municipal que garantam esta permanência; construir ou usar indicadores para avaliar em que medida esta maior permanência nas escolas tem garantido, ao final do ensino médio, a inserção no mercado formal de trabalho e a inserção em universidades. ”
“Essa explosão de matrículas de jovens já estava prevista cerca de 10 anos atrás, quando foram lançados os parâmetros curriculares do Ensino Médio. A questão é que não se sabe se Bolsa-Família vai, de fato, melhorar a qualidade do ensino. Trata-se de uma política compensatória, paliativa, e, como tal, tem algumas restrições. Se não se faz nada na base, esse tipo de política tem pouquíssimo alcance. Salvo se for uma medida emergencial, enquanto não existe um ensino básico mais confiável. O problema é que a educação básica no Brasil é muito mal distribuída. Não há acesso no período determinado ou, quando há, acontece de forma precária.
Quando anunciam que o número de matrículas de jovens de 15 a 17 anos aumentou, não levam em consideração se esses estudantes estão realmente aprendendo. É a mesma questão do analfabetismo entre adultos. As pessoas são mal alfabetizadas, quando o são. O Brasil é um país de letramento é precário. O estudante até tem um certificado de alfabetização, mas não passou pelo processo de aprendizagem. Além disso, os dados referentes ao analfabetismo devem ser considerados em um conceito para além da alfabetização, que é o letramento, ou seja, a capacidade de incorporar a leitura e a escrita a sua vida.
O Bolsa-Família é uma maneira meio torta de manter o jovem na escola. Ele vai estudar porque, com isso, ganha um dinheirinho para ajudar em casa. Do ponto de vista do político, é muito fácil dizer que o Bolsa-família está funcionando. Eu não gostaria de dizer que é uma manobra eleitoreira. Mas, o MEC está num açodamento, numa pressa enorme de fazer coisas. Isso é uma característica de quem está no final do mandato. Com ou sem a pretensão de ser ministro, governador ou presidente, é aquela sensação de “só me falta um ano, eu preciso fazer tudo”. Nesse açodamento, estão aligeirando certas análises. O novo ENEM, por exemplo, é um grande equívoco, uma pressa enorme de fazer uma coisa complicadíssima, que é interferir novamente no Ensino Básico. Boa parte dos casos de analfabetismo funcional, ou seja, de não apropriação da leitura, escrita e cálculo para a vida, estão relacionados a medidas emergenciais, como o Movimento Brasileiro de Alfabetização (o Mobral). Esse grande plano para acabar rapidamente com o analfabetismo gerou uma apropriação superficial da linguagem.
Em minha opinião, a escola se tornou um grande engano para as pessoas de qualquer classe. Essa é a grande crise da escola. Aquele conceito sagrado e incontestável da escola como um grande diferencial está absolutamente em cheque. Ele não transforma necessariamente a vida de ninguém. As pessoas ainda vão à escola porque é uma exigência cartorial da sociedade. Se você não for à escola, você não faz nada. Se você não tiver um diploma de tal nível não pode ser trocador de ônibus, gerente da empresa de ônibus ou professor universitário. Essa noção da escola como ambiente de formação está cada vez mais apagada.
Trabalhei por 17 anos em cursos noturnos de escolas públicas com jovens de 15 a 17 anos. No primeiro ano do ensino médio, havia dez turmas de 45 até 50 alunos e, no terceiro ano, restavam apenas quatro ou cinco turmas. Há uma evasão superior a 60%. O que se deve expurgar dessa evasão são as pessoas que não estavam dentro dessa faixa etária. Suponho que os adultos, principalmente os mais velhos, tinham uma taxa de evasão muito baixa, ficavam até o final.
O jovem pobre vive em meio ruim, luta contra as dificuldades da vida e encontra uma escola desinteressante, sem professores ou infraestrutura. Às vezes, ele tem que sair para trabalhar e o horário do serviço não é compatível com o horário das aulas. Pode também sofrer uma reprovação e desistir da escola. Eu acho que a escola tem que entender com quem que ela está lidando, quem ela está formando. O ministro acha que a forma certa de lidar com isso é mudando o Enem. Ele tem que manter um diálogo com a escola, os professores e os profissionais da área da educação. Atualmente, ele só dialoga com os secretários de educação."