Edição 264 25 de agosto de 2009
“Faça amor, não faça guerra” era o lema das cerca de 500 mil pessoas que lotaram, durante três dias, a fazenda de Max Yasgur, em agosto de 1969. Em meio ao contexto político internacional que opunha capitalistas e socialistas, os jovens pediam o fim de conflitos armados, que dizimavam seus parentes e amigos, como no Vietnã, mascarados sob o véu ideológico da chamada Guerra Fria. A contracultura foi a forma de manifestação encontrada pelos cabeludos vestidos em calças bocas de sino, chinelos de dedo e adornados com miçangas e óculos escuros ao melhor estilo John Lenon.
Os reefs de guitarra de Jimi Hendrix, a voz tonitroante de Joe Cocker e os versos incisivos de Janis Joplin chamaram a atenção de todo o mundo para os pouco mais de 600 acres de terra, na cidadezinha de Bethel, estado de Nova Iorque. Eis Woodstock, que, em uma leitura superficial, passou à história como evento de sexo, drogas e rock and roll. O festival foi o emblema de uma geração que ainda acreditava em um mundo de paz e harmonia entre os homens, a tão aguardada Era de Aquário.
Quarenta anos depois, o que restou daqueles sonhos? O século XXI agravou as diferenças sociais, o consumo é a condição básica para o que convecionamos chamar de cidadania e os conflitos armados não tiveram fim. Para a professora Heloísa Buarque de Hollanda, do Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC) da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), a geração de Woodstock teve como principal conquista “a descoberta do outro”. A docente, entretanto, não compartilha da ideia de que os jovens pós-contracultura são mais conservadores. Segundo ela, “os jovens atuais enfrentam um quadro econômico e político infinitamente mais complexo do que aquele dos anos 60. Por isso, não diria de forma alguma que são conservadores, talvez apenas menos performáticos”, afirma.
Olhar Virtual: Woodstock é considerado um marco do movimento contracultural dos anos 1960. É realmente digno dessa distinção ou o evento foi hipervalorizado?
Heloísa Buarque de Hollanda: Como todo marco histórico é arbitrário, Woodstock não poderia fugir à regra. Woodstock foi um ícone da contracultura, e o legado que temos na realidade não é dele, mas da contracultura que trouxe uma perspectiva crítica saudável e vigorosa da cultura de elite dos anos 60, que começava a se formatar como a grande cultura de massa que hoje conhecemos.
Olhar Virtual: O abuso no uso de drogas e a apologia ao sexo livre foram críticas válidas ao status quo ou teriam sido uma forma de catarse, em meio a um cenário político turbulento, com a Guerra do Vietnã?
HBH: Diria que foram as duas coisas. Como crítica mostrou a arbitrariedade da cultura moral e das forças econômicas que regiam aquele momento de euforia financeira e de imperialismo político. Como catarse, deu vazão à inevitável explosão ideológica e comportamental, num cenário político turbulento e, sobretudo, dominador
Olhar Virtual: Há, atualmente, uma concepção romântica do que foram os anos 1960, pouco realista quanto à materialidade dos fatos?
HBH: Claro que há. Mas também não é possível negar a importância da maior conquista dos anos 60 que foi a descoberta do outro. Descoberta essa que realmente alterou de forma definitiva a percepção do mundo e a forma de fazer política de toda uma geração.
Olhar Virtual: Os anos 1960 foram marcados pela mobilização dos jovens, quer em Woodstock, quer na França, berço dos movimentos de maio de 1968. Teria começado após esse período o ocaso das ideologias?
HBH: Não acredito em ocaso das ideologias. Nesse caso eu diria o ocaso específico das ideologias que definiram a modernidade.
Olhar Virtual: Após tanto entusiasmo e tanta mobilização em prol da liberalização de costumes nas gerações passadas, estariam nossos jovens atuais mais conservadores?
HBH: Definitivamente não. Os jovens atuais enfrentam um quadro econômico e político infinitamente mais complexo do que aquele dos anos 60 e, a meu ver, estão se colocando com bastante lucidez e fazendo, com sucesso, as formas de práxis política possíveis para este momento. É só observar os muitos movimentos proativos de transformação social propostos pelas periferias e por várias iniciativas do terceiro setor. Por isso, não diria de forma alguma que são conservadores, talvez apenas menos performáticos.