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Edição 258      14 de julho de 2009


Ponto de Vista

No coração da desesperança

Bruno Franco


Atordoado por nova e virulenta crise, o mundo assiste a mais um capítulo da turbulenta história da hegemonia do insustentável e contraditório modelo de capitalismo liberal disseminado pelo Ocidente. Mas “é nas crises que se gestam as mudanças”. É no que acredita Edgar Morin, filósofo francês, professor emérito do Centre National de la Recherche Scientifique e autor de livros como O homem e a morte, Ciência com consciência e A cabeça bem-feita, que esteve presente no Colégio Brasileiro de Altos Estudos, na quinta-feira, dia 2 de julho, quando proferiu a palestra “Para além do desenvolvimento: uma via possível?”.

Para Morin, a crise da globalização é, na verdade, um conjunto de crises que perpassam as esferas social, política e ecológica, e mesmo os modos de vida de sociedades tradicionais desintegradas pelo processo evolutivo do capitalismo. “A globalização se encontra em falência mesmo no Ocidente. Resultante da crise das promessas de um mundo melhor, de redução das desigualdades”, analisa o filósofo.

Didático em sua conferência, o educador conceitua a globalização como uma multiplicidade de processos complexos: econômicos, políticos, sociais e religiosos. “Há um tecido comunicacional e econômico único. Isso é a globalização. Um processo de planificação técnica, econômica e política do globo”, define.

No entanto, Morin acredita que os intelectuais, grosso modo, não se mostram aptos nem para compreender o fenômeno, tampouco para sugerir alternativas contra-hegemônicas viáveis. “Nossas categorias de pensamento não são adequadas para compreendê-la (a globalização), pois são estanques e não há interconexão entre elas”, critica Morin.

Palavra de ordem em qualquer discurso político e objetivo declarado de qualquer chefe de governo, o desenvolvimento é apontado por Morin como a força motriz das crises sistêmicas do capitalismo. Na Ásia, África e América do Sul os polos de progresso – entende o filósofo - são ilhas cercadas por cinturões de indigência. “A intoxicação civilizacional causada pelo consumismo e que afeta, sobretudo, as crianças dos países do Sul, gerando zonas de miséria muito maiores que as zonas desenvolvidas”, diagnostica. Desse modo, o panorama atual se descortina, também, como uma crise do futuro, na medida em que o progresso foi apresentado como ascensão permanente e esse processo se desintegrou. “Vive-se a incerteza. Não se sabe o que virá amanhã, se o presente é feito de angústia”, avalia Morin.

Na análise de Morin, a contradição fundamental da globalização é que ela pode ser ao mesmo tempo a melhor e a pior das coisas. A melhor seria pela inédita interdependência das pessoas do globo. O filósofo defende mesmo que, à semelhança das declarações de independência, feitas por países como o Brasil ao se libertarem dos laços coloniais, as Nações Unidas deveriam fazer uma Declaração de Interdependência.

“No coração da desesperança, podemos encontrar a esperança”, apregoa Morin. Para o intelectual, vive-se a crise de uma humanidade que não chega a se constituir como Humanidade. Para superá-la, é preciso que o humanismo tenha consciência de que “a diversidade de raças, línguas e culturas é o nosso tesouro comum”.

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