Edição 239 03 de março de 2009
No início de fevereiro teve início, na Austrália, o maior incêndio já registrado pelo país, com mais de 180 vítimas e cerca de 1.000 imóveis destruídos na região Sudeste. O desastre teve início em East Kilmore, ao norte de Melbourne, capital de Victoria, e atingiu proporções devastadoras. A polícia organizou a chamada Operação Fênix para identificar as vítimas e apurar as causas do incêndio.
Esse não é o primeiro incêndio devastador pelo qual o país passa. Em 1983 a Austrália viveu outro desastre provocado por fogo que fez 75 vítimas. Incêndios como esse observado nos últimos dias são comuns em regiões de clima semi-árido ou árido, que armazenam vegetações mais secas e propensas ao fogo.
A professora Ana Luíza Coelho Netto, do Departamento de Geografia da UFRJ, em entrevista ao Olhar Virtual, explicou as principais causas e conseqüências de eventos incendiários e alertou para a necessidade de planejamento em zonas de risco.
Olhar Virtual: Para a senhora, o que teria ocasionado o início desse desastre?
Pelas características da região afetada, não deve ser muito diferente do que ocorre, por exemplo, na Califórnia. Ambas são áreas com regime de chuvas mais escasso do que o nosso. São regiões, portanto, suscetíveis a incêndios, onde a propagação do fogo é facilitada pela secura do ambiente. Se na região houver ainda plantas de eucalipto, altamente combustível, assim como as gramíneas, o fogo tende a se propagar com facilidade. O estranho é que as pessoas constroem casas e muitas vezes de madeira, em áreas onde elas sabem que o fogo é esperado, e isso agrava as conseqüências de um desastre como esse.
Olhar Virtual: O que poderia ter sido feito pelo governo da Austrália?
O que se espera dos governos, independente se são áreas de fogo ou áreas de grandes tempestades, como é o caso do Rio de Janeiro e de outras regiões do Brasil, é que diante da possibilidade por mais remota que seja da ocorrência de eventos que causem danos, perdas, ou seja, que constituam desastres, como os provocados por vulcões, fogo, tempestades e furacões, é que exista um planejamento e procedimento de gestão territorial capaz de prever e de pelo menos mitigar o tamanho dos desastres associados a esses eventos. O planejamento da ocupação da terra se faz necessário, tanto quanto o processo de gestão, para evitar que, depois de implantado aquilo que foi planejado, as pessoas modifiquem, tornando essas áreas mais vulneráveis. Em áreas suscetíveis, por exemplo, a tremores de terra, como é o caso do Japão, as pessoas são preparadas para o momento do desastre através de treinamentos. Existem fenômenos próprios da natureza que o homem não pode evitar, mas que dentro de um planejamento e procedimento de educação é possível orientar as pessoas para que elas percam menos, minimizando os efeitos danosos de qualquer evento desse tamanho.
Olhar Virtual: Qual o papel da sociedade?
Seu papel está no sentido de se organizar para escolher e prevenir, o que poderia reduzir o tamanho desses tipos de desastres.
Olhar Virtual: De que forma pode ser iniciado um incêndio?
Se falarmos em Brasil, por exemplo, o fogo sobre as áreas de floresta foi, historicamente, muito mais intencional do que espontâneo, até porque nosso território é úmido. O que muitas vezes acontece é as pessoas colocarem fogo para não deixar capim ou mata arbustiva crescer e transformarem o local em área de pastagem.
Olhar virtual: Que tipos de florestas são mais afetados por esses eventos?
Geralmente florestas que vivem sob estresse hídrico (falta de água), como é o caso da caatinga, conhecida como floresta branca, que tendem a se ressecar para poder se salvar. Além dessas, existem espécies que são naturalmente mais combustíveis, como no cerrado, também composto por espécies lenhosas e retorcidas que se preparam para enfrentar os períodos de estiagem; as gramíneas e o eucalipto, que tende a pegar fogo pela secura da casca. Recentemente fizemos um mapa de suscetibilidade a incêndios para o Estado do Rio de Janeiro e o que ele nos mostrou é que no período de estiagem a região norte é quase toda suscetível a incêndios porque ali predomina o pasto. Mais para o interior do Vale do Paraíba nós temos áreas de eucalipto em expansão e pasto; portanto, áreas altamente suscetíveis, principalmente no período de estiagem de chuvas. Enquanto isso, na cidade do Rio, embora seja uma área mais chuvosa, há períodos de estiagem nos quais a vegetação está mais seca, e a chance de pegar fogo e propagar grandes incêndios aumenta.
Olhar Virtual: O que pode agravar esses incêndios?
Períodos de estiagem e ventos.
Olhar Virtual: Por que eles são tão perigosos?
Além da perda por queima direta, há um deslocamento de fluxos de vida nos ecossistemas florestais. No caso de sistemas florestais em estado de conservação e de sucessão avançada, em que as chances de sofrerem com incêndios são menores por serem mais úmidos, a borda, que está em contato com outros usos, pode, no entanto, estar mais seca e o fogo vai se propagar até algumas dezenas de metros para o interior da mata altamente conservada. Esses incêndios acabam por danificar espécies vegetais e animais.
Olhar virtual: Quais são as principais conseqüências para o meio ambiente?
As conseqüências variam bastante. Nós temos estudos em áreas de incêndios em encostas com florestas e é interessante que, para fogo muito intenso, você perde principalmente as árvores maiores e mais antigas. Essas árvores são as que têm as raízes mais profundas, funcionando como reforço do solo, para estabilizá-lo e evitar a erosão, ou seja, sua perda por ação da água ou da gravidade, no caso dos deslizamentos. Além de adicionar resistência ao solo e garantir o substrato no qual esses ecossistemas vão se desenvolver, a vegetação florestal também regula a entrada de água da chuva nos solos e a saída por evapotranspiração. A floresta dá, portanto, um balanço hidrológico que favorece a estabilidade dos solos e a recarga de aqüíferos. Então, se há perda dessa proteção e elemento de recarga, ocorre perda das terras, que poderá causar prejuízos ainda maiores do que o próprio fogo, porque uma erosão intensa leva à perda de áreas produtivas, perda de áreas de uso urbano intenso, além dos deslizamentos que têm poder destrutivo muito grande e ainda aumentam o assoreamento dos rios, favorecendo as enchentes, que, por sua vez, em áreas desprovidas de saneamento, propagam doenças. Trata-se de uma cadeia de reações. Por último, perdem-se recarga e água para manter o sistema produtivo, para beber e para o uso doméstico. E não podemos nos esquecer de que estamos em uma época em que se fala da escassez de água e da importância em preservar.