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Edição 242      24 de março de 2009


De Olho na Mídia

Desvendando os segredos da morte

Camilla Muniz

Para muitos, ela é sinônimo de dor e tristeza. Sua presença nos versos dos poetas da segunda geração romântica fez com que a poesia deles fosse classificada como pessimista e mórbida. E mesmo que as pessoas tenham medo dela, não há como escapar do inevitável encontro. Embora a morte não seja uma idéia de fácil aceitação na nossa sociedade, quase todo mundo tem certa curiosidade sobre o tema, que também é pautado freqüentemente pela mídia, sobretudo quando associado a celebridades.

No início deste mês, o tablóide norte-americano National Enquirer publicou na capa fotos recentes do ator Patrick Swayze — famoso pela atuação no filme Ghost – do outro lado da vida e diagnosticado com câncer no pâncreas em janeiro de 2008 — bastante debilitado, acompanhadas da frase “The End” (O Fim). Além das imagens, a capa ainda contém uma frase do ator, "Estou orgulhoso do modo como enfrentei isso", sugerindo que não há mais esperanças de cura para Swayze. Em entrevista à revista People, Patrick rebateu as informações publicadas pelo tablóide e garantiu que vem respondendo bem ao tratamento contra a doença. "É incrível que esses tablóides digam tantas coisas ruins a meu respeito e sobre meu estado de saúde, quando tantas coisas boas estão acontecendo na minha vida", disse. Anteriormente, o National Enquirer afirmara que o ator havia desistido da quimioterapia e que lhe restavam cinco semanas de vida.

Falecida no último domingo, a ex-participante da edição britânica do Big Brother, Jade Goody, 27 anos, descobriu que sofria de câncer cervical enquanto participava de um reality show na Índia no ano passado. A partir de então, o desenvolvimento da doença e a vida de Jade passaram a ser acompanhados de perto pela mídia, que chegou a cogitar a idéia de fazer um programa em que fossem televisionados os últimos momentos da inglesa. Em fevereiro, Goody se casou com o namorado Jack Tweed e vendeu os direitos exclusivos de cobertura da cerimônia para a revista “OK!” e a emissora Living TV por cerca de 1,1 milhão de euros. Ela alegou que o dinheiro serviria para garantir o futuro de seus dois filhos, ambos de um casamento anterior. A morte de Jade causou grande comoção em toda a Inglaterra.

Para Rogério Lustosa Bastos, professor associado da Escola de Serviço Social (ESS) da UFRJ e coordenador e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Tanatologia e Subjetividade (NEPTS-UFRJ), esse tipo de abordagem midiática da morte é apenas o reflexo do sentido que a sociedade imprime a ela. Segundo o professor, a cultura ocidental moderna atribui à morte um sentido de negação que, no entanto, não se traduz na eliminação total do interesse real pelo assunto, porque o significado da morte está diretamente relacionado aos diferentes sentidos que o homem dá à vida.

— Se o sentido básico da sociedade globalizada é principalmente ganhar dinheiro, crescer em bens e em conta bancária astronômica, diante da morte tal sentido é posto em xeque. Se com dinheiro posso pagar os melhores planos de saúde e bancar os melhores médicos e hospitais particulares, não posso comprar a saúde; se com dinheiro posso comprar o corpo do outro para obter prazer com o sexo, não posso comprar amor; se com dinheiro posso sentar no restaurante mais caro do Rio de Janeiro e pedir os pratos mais caros, não posso comprar o apetite. Amor (no sentido de afeto verdadeiro, relação madura e conjugalidade minimamente funcional), saúde, apetite e outros valores de longo prazo que nos estruturam e nos enriquecem o sentido da vida não se compram com o dinheiro. Este serve sim, mas para ter e obter valores de curto prazo que, ao longo do tempo, nos empobrecem o sentido da vida, visto que a existência é muito maior que tal redução — explica Rogério.

De acordo com o pesquisador, à medida que o homem nega a morte para buscar a fama e experimentar a “felicidade paradoxal” — conceito cunhado pelo filósofo Gilles Lipovetsky para explicar a ambigüidade presente na idéia de felicidade dentro de uma sociedade de hiperconsumo —, o ser cujo “oxigênio” são os valores de longo prazo se torna empobrecido. “É por esta razão que, em geral, ficamos curiosos diante da morte, pois esse evento real põe abaixo esta visão pequena, mesmo que a ‘receita de sucesso imediato’ nos diga que basta adotarmos os valores de curto prazo que não só teremos poder, dinheiro e muito sucesso neste mundo, como também todas as outras preocupações deixarão de existir.”

Mídia, o espelho do real

Desta forma, ao contrário de muitos, Rogério prefere não “demonizar” a mídia por coberturas que abordam a morte de forma sensacionalista. Segundo o professor, criticar as matérias e os profissionais de imprensa é tirar o foco do combate à política de corrida pelo sucesso. “De que adianta passar a odiar pura e simplesmente o ‘espelho’ e não o recorte do real que está produzindo tal sentido empobrecedor? Se quisermos mudar essa ‘comédia em prol do entretenimento e do sensacionalismo’, é necessário que antes mudemos e aprofundemos os diferentes sentidos acerca da existência, os quais não se reduzem apenas aos valores de curto prazo”, pondera o pesquisador, que acredita que quando tal mudança ocorrer a mídia poderá desempenhar um importante papel no processo de superação da antiga fase. “Com a ajuda dos meios de comunicação, talvez tenhamos chances de encararmos a morte como algo que faz parte da vida e do desenvolvimento humano, e não apenas como simples curiosidade que se tem entre um entretenimento e outro”, torce.

Para Rogério, o destaque dado às celebridades pela mídia pode ainda aprofundar as discussões sobre a vida e a morte, desvelando sentidos e valores maiores que permaneçam após o falecimento. “O importante é tentar passar por aqui e deixar a nossa melhor parte, seja através da arte, da ciência, da conjugalidade, do trabalho, dos filhos e dos amigos”, afirma. De acordo com o professor, apesar de a morte ser vista como fracasso, nem todos os pacientes que estão na iminência de morrer adotam para si tal visão. Um exemplo claro disso é o do sociólogo Betinho, que, além de assumir a doença, conseguiu reunir forças para implementar uma grande luta contra a desigualdade social.

— Em vez de simplesmente ver a morte como um fracasso, Betinho buscou se ligar a sentidos diversos da vida. Afinal, por que, mesmo com uma doença terminal, não podemos buscar sentidos diversos sobre a existência que não sejam iguais ao hegemônico, de forma a viver o tempo que nos resta só que com melhor qualidade de vida? — analisa o pesquisador.

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