Edição 278 01 de dezembro de 2009
O livro Aprender com experiências do cinema, desaprender com imagens da educação analisa a importância da vivência cinematográfica para a formação dos cidadãos. A publicação, organizada pela professora Adriana Fresquet, da Faculdade de Educação (FE/UFRJ), é o terceiro volume da coleção Cinema e Educação, da editora Booklink, em coedição com o Grupo de Pesquisa e Extensão “Cinema para Aprender e Desaprender” (Cinead). O grupo foi criado por Fresquet e pertence ao Laboratório do Imaginário Social e Educação (LISE) da FE, em parceria com o Colégio de Aplicação da UFRJ (CAp) e o Museu de Arte Moderna (MAM).
Aprender com experiências reúne artigos de diferentes autores sobre as relações entre cinema e educação. Exemplos como a contemplação de filmes no recreio e a observação de longas para a discussão dos autores são alguns dos assuntos abordados. O livro foi lançado na última segunda, dia 30, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, e pode ser encontrado nas livrarias especializadas em cinema e no campus da UFRJ na Praia Vermelha.
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia de escrever o livro?
Adriana Fresquet: Este é o terceiro livro do projeto Cinead, que surgiu em novembro de 2006, com o objetivo de aprender sobre o cinema junto a professores e alunos no espaço escolar e fora dele. A publicação socializa as atividades do projeto e mostra suas novidades: exibição de cinema mudo no horário do recreio e dois cineclubes novos, um no Colégio de Aplicação (CAp) e outro no Museu de Arte Moderna (MAM). Em 2007, o projeto ganhou a parceria do CAp e publicamos o livro Imagens do desaprender, uma análise de filmes pesquisados no Cinead. No ano seguinte, o grupo de pesquisa ganhou a parceria da Cinemateca do MAM: foi criada a Escola de Cinema no CAp e, no fim do ano, foi publicado o segundo livro, Novas imagens do desaprender, uma continuação do primeiro, mas que também conta com textos de alunos e professores que relatam as atividades desenvolvidas no CAp e na Cinemateca.
Olhar Virtual: Qual a importância do livro para a sociedade e a UFRJ?
Adriana Fresquet: Em primeiro lugar, o livro é importante porque socializa o trabalho de pesquisa e a produção de alunos e professores do Cinead, mostrando seus primeiros passos. Somado a isso, a publicação contribui com a produção bibliográfica desse espaço de saberes e práticas, além de aproximar, dos artistas e cineastas, o cinema, a educação, a cinemateca, a universidade, alunos e professores.
Olhar Virtual: O que a senhora quer dizer com “desaprender com imagens da educação”?
Adriana Fresquet: Desaprender não é se esquecer do aprendizado, mas sim relembrar os ensinamentos e reavaliar tudo aquilo que aprendemos; reavaliar o que pode ser preconceituoso e desvalorizado, mas que continua a reger nossas vidas. Em alguns casos, precisamos rever ensinamentos que aprendemos até com pessoas pelas quais temos muito afeto. Um exemplo é o machismo: você tem dois anos de idade, se machuca e chora, e seu pai te diz “homem não chora”. Em seguida a professora lhe diz a mesma coisa, confirmando o conceito. Você endurece sua posição, mas é preciso desaprender essa conduta porque os homens também choram. Na tela do cinema você identifica preconceitos que não identificaria na vida real, e por isso os filmes podem ser uma via para essa “desaprendizagem”. Um exemplo é o filme iraniano Onde fica a casa do meu amigo?, que fala da história de um garoto que pegou por engano o caderno de seu colega. O professor exige rigidamente que as tarefas sejam feitas no caderno, e por isso o garoto parte em busca da casa de seu colega para devolvê-lo. Na película, podemos desfazer o conceito de que a rigidez do professor é benéfica para o aluno quando, na verdade, esta apenas atende aos problemas pessoais do docente. Houve uma razão para a falta do caderno que o professor não sabe. Os caminhos e aspectos culturais de uma criança no Irã são abordados para que as pessoas conheçam mais sobre o país.
Olhar Virtual: Qual a importância do cinema na formação das futuras gerações?
Adriana Fresquet: O cinema oferece possibilidades de aprendizado de uma forma plena, por meio da inteligência e das emoções. O impacto do cinema é tão integral que dialoga melhor com as possibilidades de aprendizado no presente e com as futuras gerações. No filme podemos ver o que o outro vê, o que o outro pensa, o que o outro sente ampliando nossos horizontes. Aprendemos mais sobre nós mesmos observando outras culturas.
Olhar Virtual: O caráter imaginário do cinema pode ser de alguma forma prejudicial para a educação de crianças e adolescentes?
Adriana Fresquet: Pelo contrário. A educação precisa ativar pontes entre a realidade e a imaginação. A invenção do imaginário pode ser uma fonte de mudança. Um exemplo é a roda: já existia madeira para a confecção do objeto, mas foi necessária a composição imaginária da roda para que esta fosse criada. As formas de relacionamento humano, de organização social, foram criadas pela imaginação, que sempre será incentivo para novas criações. Para as crianças, não acho que a imaginação seja algo prejudicial. Se uma criança acha que a árvore é azul, ninguém precisa corrigi-la, pois o convívio cotidiano irá direcioná-la para descobrir que a árvore não é azul. Não é necessário deter a imaginação, já que ela é um instrumento para fazer algo diferente.
Olhar Virtual: A senhora acha que as produções audiovisuais são utilizadas positivamente no campo educacional brasileiro? De que maneira elas poderiam ser satisfatoriamente utilizadas?
Adriana Fresquet: As produções audiovisuais devem ser mais visitadas nas salas de cinema, mas também devem estar mais presentes nas salas de aula. Temos que atravessar fronteiras: o cinema tem que ir ao museu; o museu para o cinema; a escola para o cinema, e vice-versa. No Brasil, a maioria dos professores prefere usar os filmes para trabalhar o conteúdo, o que pode ser feito, mas podemos utilizar essas produções para outras experiências: registro de som, reedição, adaptação de roteiro, além de convidar cineastas para visitarem as escolas. Não podemos restringir a ação dos filmes apenas como recurso didático. É possível aprender conteúdo com cinema, mas é interessante também explorá-lo de outras maneiras.
Olhar Virtual: Como se dá esse uso na UFRJ?
Adriana Fresquet: Posso falar do que fazemos na FE e no CAp. Neste, levamos os alunos à Cinemateca para assistirem a um filme de um diretor sobre o qual estamos trabalhando; mostramos os projetores, entramos na câmera frigorífica onde estão as películas. Na FE, passamos filmes para suscitar debates de temas como infância, ou um trecho de uma produção para debater os irmãos Lumière. Questões ligadas à adolescência podem ser abordadas na exibição de películas. Podemos também pedir aos alunos que filmem a Praia Vermelha e nos mostrem o que significa o local para eles.