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Edição 243      31 de março de 2009


De Olho na Mídia

Especialistas criticam cobertura da mídia em pautas sobre violência



Marcio Castilho – AgN/ Praia Vermelha

O discurso do risco e da criminalização da pobreza está presente na cobertura de assuntos relacionados à segurança pública pelos veículos da chamada grande imprensa. A avaliação é da professora Ivana Bentes, professora da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), que participou nos dias 26 e 27 de março do Seminário Internacional Mídia e Violência, no Salão Pedro Calmon do Fórum de Ciência e Cultura. As críticas ao discurso jornalístico nesta área foram um dos principais temas abordados no encontro, que discutiu também a importância da democratização da comunicação, a emergência de novos suportes tecnológicos de mobilização comunitária e os desafios que os jornalistas enfrentam na cobertura da violência.

Segundo Ivana, a mídia costuma associar pobreza a risco social. Esse processo “perverso”, na avaliação da diretora da ECO, faz do pobre “objeto de um discurso criminalizante”. Ela cita o exemplo de reportagens que tratam da contenção do crescimento das favelas no Rio de Janeiro. “O discurso da remoção das favelas voltou a estar presente nos jornais agora em nome da ecologia. O tom de ameaça é onipresente no noticiário”, analisa Ivana. Ela critica o fato de os jornais reforçarem, através de suas narrativas, estereótipos sobre o morador da favela e o papel da polícia, construindo também novos sentidos sobre termos como “ilegalidade” e ocupação “pacificadora” do Estado em morros como o Santa Marta, em Botafogo, Zona Sul do Rio de Janeiro.

Coordenador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) e líder comunitário no Santa Marta, onde trabalha desde a década de 70 com a inclusão social de jovens em situação de risco, o jornalista Itamar Silva afirma que o morro, depois de ser ocupado pela Polícia Militar em novembro do ano passado, passou a ter destaque no noticiário diariamente. No entanto, questiona o enfoque dado pelos meios de comunicação que classificam a ação do Estado como missão “pacificadora”. Segundo ele, essa visão reproduz a ideia de que só restaria à comunidade duas alternativas: ser subordinada aos traficantes ou aos policiais.

Ele também critica a construção de um muro para estabelecer “ecolimites” da favela. “Essas ações estão impregnadas pela lógica do controle”, afirma Itamar, acrescentando que a favela tem mais de 70 anos e há uma conscientização dos moradores para que a comunidade não se expanda para além da sua configuração atual.

O professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da ECO, Paulo Vaz, também faz uma análise crítica do discurso jornalístico sobre a violência. Para ele, a ideia de “rotina segura” passou a ser considerada lugar novo de Justiça e ter um valor maior na sociedade. “A rotina segura como ideal de justiça pode ser ameaça a outros dois valores que orientavam o nosso sentido de Justiça, a igualdade e a liberdade”, observa Vaz. Segundo o professor, a mídia acentua por meio de suas narrativas a “monstruosidade dos criminosos” e insere de forma recorrente o termo “tráfico” em matérias com temática sobre as favelas.

Contextualização

Os jornalistas que atuam em redações de jornais percebem avanços na cobertura, embora reconheçam limites e deficiências na apuração das informações. Fernando Molica, colunista de O Dia e diretor da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), afirma que ao longo dos anos houve melhora qualitativa do trabalho da imprensa nesta área. “A polícia deixou de ser a fonte principal, os jornais vêm tentando dar um contexto à cobertura e os jornalistas começaram a questionar mais o comportamento de policiais. Mas os jornais ainda têm que melhorar muito, principalmente sair da cobertura de violência para a cobertura de segurança pública. O grande desafio para os jornalistas é oferecer um produto mais contextualizado e menos vulnerável a soluções rápidas”, defende Molica.

O jornalista Jorge Antônio Barros, editor-adjunto da editoria Rio de O Globo, concorda que a grande imprensa, como produto de uma classe social, não se dirige às camadas mais pobres da população. Ele defende algumas iniciativas, como a série “Ilegal, e daí?”, publicada pelo jornal O Globo. Segundo ele, a campanha teve como objetivo resgatar o espaço público do Rio de Janeiro, que vem se deteriorando nas últimas décadas.

Barros acredita ser importante, além da crítica aos jornais tradicionais, buscar alternativas de produção da informação, com outros pontos de vista que possam tratar do tema da segurança pública em sua diversidade. “Acho que os blogs são a grande alternativa da mídia. Essa ferramenta ainda é muito mal explorada por todos os segmentos da sociedade”, ressalta. Desde 1998, Barros edita o blog “Repórter de crime”. Ele afirma abordar nesse espaço temas que o jornal normalmente ignora. Com característica essencialmente opinativa, o blog do jornalista costuma fazer, por exemplo, uma análise crítica do discurso dos governantes.

Informação contra-hegemônica

Apesar dos limites na cobertura policial da grande imprensa, os especialistas acreditam na potencialidade das novas tecnologias de comunicação. A apropriação da Internet e de novos canais de produção da informação pelos movimentos populares aparece como uma das principais alternativas capazes de dar “voz” às demandas das comunidades. “As periferias e as favelas são laboratórios hoje da criatividade do capitalismo da informação. Os pobres produzem linguagem, moda e signos que estão incorporados no território urbano”, afirma Ivana Bentes, citando a produção cultural do funk e do hip-hop.

Itamar Silva compartilha essa visão, defendendo a democratização da comunicação. “É preciso multiplicar as mídias alternativas e colocar a gestão na mão de pessoas que pensam a favela em sua diversidade”, ressalta o líder comunitário e coordenador do Ibase.

O Brasil tem cerca de 15 mil rádios comunitárias, mas apesar da mobilização de movimentos populares, não houve vontade política nos últimos anos para incrementar um jornalismo mais participativo. A constatação é do coordenador da Rádio Viva Rio, Tião Santos, uma das lideranças mais atuantes pela democratização da comunicação. A sua experiência na área de radiodifusão comunitária demonstrou a possibilidade de veículos alternativos prestarem informações de qualidade, invertendo inclusive as pautas da grande imprensa. “Quanto mais gente produzindo rádios, fazendo vídeos, criando blogs, mais rica e democrática será a comunicação. Continuamos acreditando na convivência com o diferente e apostando em novas possibilidades”, afirma Santos.

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