Edição 244 07 de abril de 2009
Inovações tecnológicas e seus impactos sobre o mundo do trabalho e suas potencialidades ou ameaças para o Brasil nos anos 1980; modelos de desenvolvimento econômico e de distribuição de renda na década posterior e reflexões acerca da economia solidária. São esses os temas de discussão mais significativos da carreira de José Ricardo Tauile, reconhecido professor do Instituto de Economia da UFRJ, e que resultaram na organização do livro Trabalho, autogestão e desenvolvimento: escritos escolhidos 1981-2005.
Com sua vida profissional pautada pela visão marxista e interesse pelo entendimento do funcionamento do sistema capitalista, o professor analisava as transformações do trabalho e do processo produtivo introduzidas com a microeletrônica. E é justamente sobre esse aspecto que o livro procura discorrer. No que diz respeito à sua atuação na UFRJ, foi vice-diretor e diretor do Instituto de Economia e dirigia o Laboratório de Economia Marxista que, a partir de sua morte, passou a ser chamado Laboratório de Economia Marxista José Ricardo Tauile.
Procurando refletir sobre as questões concernentes à vida do professor e, mais especificamente, à obra dedicada a ele, o Olhar Virtual conversou com Marcelo Paixão, professor do Instituto de Economia da UFRJ e um dos organizadores do livro.
Olhar Virtual: Conte-nos mais sobre o objetivo do livro, enquanto abordagem principal dos escritos.
A questão central do livro gira em torno do pensamento que se fez necessário a partir da introdução das novas tecnologias no mundo do trabalho. Tauile nos mostra as consequências decorrentes de um processo que ainda estava sendo iniciado. Além disso, pensamos a importância de mostrar a contribuição de uma personalidade que pensava de forma tão completa e dual em torno dos temas que envolviam a sociedade, não apenas sob aspectos econômicos.
É possível também observar uma espécie de evolução intelectual do professor, à medida que ele passa a vivenciar as suas experimentações e pensa mais no mundo e, posteriormente, no Brasil. Problematizando diversas questões da política e da economia brasileiras, ele consegue propor certas medidas capazes de solucionar ou “tratar” o quadro em questão.
Olhar Virtual: Quanto à introdução das tecnologias e o impacto que elas iriam causar no mercado de trabalho, essa questão foi pensada por Tauile nas décadas de 80 e 90. Entretanto, percebe-se que são aplicadas até hoje. Seria uma espécie de vanguarda, prevendo o que iria acontecer, de qualquer forma?
Essa linha de discussão do livro gira em torno da necessidade de se pensar nos impactos dessa introdução sob o ponto de vista do trabalhador. Foi preciso que houvesse a mudança no perfil desse novo operário e que ele aprendesse, principalmente, a lidar com essas máquinas que apareciam. Ao mesmo tempo, surge a ameaça de o trabalhador perder seu emprego para outro com um perfil mais especializado e capacitado a lidar com as novas tecnologias. Caso contrário, sob ponto de vista da empresa, esse antigo trabalhador seria considerado um peão apenas. Não existem, ainda que a partir dos anos 80, apenas máquinas pré-programadas
O trabalhador poderia ter múltiplas participações, e até um aumento de participação com essas novas tecnologias, na medida em que elas exigem que ele participe de todo o processo que envolve o seu aparecimento. A massa era convencional, mas, a partir do momento que essas máquinas entram, elas passam a exigir que o operário participe. Não é como se fosse uma ordem do tipo “Para agora que agora vai entrar um robô”. Se o trabalhador não participa de todo o processo, porque sua participação continua sendo exigida, ele é excluído do mercado ou substituído por algum que tenha maior qualificação.
Olhar Virtual: Mas essa transformação causada pela introdução das tecnologias pode ser encarada apenas pelo lado negativo, para o trabalhador?
A introdução dessas tecnologias representa um aumento do poder de barganha à medida que haveria certa colaboração do trabalhador e surgimento de um novo tipo de perfil operário, mais participativo. Esse é um aspecto que pode – e deve – ser relembrado e tem caráter positivo.
Não se pode supor que toda a especificação do operário seja um aspecto negativo. O trabalhador vai dar conta de toda a descrição desse processo. E todo o crescimento da sua participação proporciona um aumento do seu poder de barganha, como já dito, justamente na negociação da maneira como esse conhecimento exigido seria compartilhado e essa foi a forma como o país trabalhou essa participação.
Olhar Virtual: E em relação à situação específica vivida pelo Brasil em meio a essas mudanças, qual a avaliação feita pelo professor Tauile?
Outra coisa diz respeito à grande “pancada” que o trabalho no Brasil tomou, não tanto por conta da introdução das novas tecnologias. Certamente, com elas, teve que haver a adaptação por parte, por exemplo, do rádio, mesmo porque acabaram sendo criados nichos especializados e adaptados.
Pôde-se observar o aumento no desemprego do setor agroindustrial, não por conta da microeletrônica, mas por parte da própria mecanização (ainda como base técnica tradicional). Mas Tauile explicita que isso talvez tenha sido um fator negativo, por completo. No Brasil, a indústria do setor industrial salta relativamente, por volta de 1992 – quando o número da produção era em torno de 200 mil, e há um pulo para 2 milhões no ano 2000.
A partir do Plano Real, as novas diretrizes da economia foram fortemente alteradas no mercado formal. Ali, com a abertura comercial, com as privatizações e com a política conservadora de juros, acabou-se por trazer um aumento da “precarização” do trabalho, da informalidade. Então, isso fez com que a economia ganhasse muito mais sentido macroeconômico que micro.
Olhar Virtual: É possível perceber grande importância de José Ricardo Tauile não apenas para o mundo acadêmico, mas social como um todo – a partir de suas participações em movimentos sociais. Nesse sentido, qual a experiência proveitosa e de caráter de homenagem do livro, como é o Laboratório de Estudos Marxistas?
O laboratório, antes coordenado pelo próprio Tauile, é uma homenagem muito importante, já que é uma das atividades que ele gostaria de ver em execução mesmo sem a sua presença. O laboratório (Lema), hoje, está a todo vapor. Ainda hoje são produzidos textos, pelos participantes, com essa característica inovadora. E era justamente o que o professor fazia, aliando sua maneira acadêmica com algum meio de produzir ou estruturar causas que pensassem na população, objetivando um pensamento dentro de uma causa específica, que era uma de suas defesas. Ele era um dos poucos que pensavam em aliar essas duas dimensões.
O objetivo do livro é, justamente, unir a loucura de Tauile às suas práticas dignas e caráter para marcar e impactar o público leitor. Acreditamos que ele merece esse tipo de memória. Eu, que já trabalhei muito por isso, fico feliz! É uma postura diante de uma universidade produtiva.