Edição 236 22 de janeiro de 2009
Tornou-se comum encontrar nos grandes centros urbanos rios, baías, canais e lagoas assoreados e poluídos. Essa cena de degradação ambiental tende a provocar críticas à situação, sem que se analise mais profundamente os processos históricos e sócio-econômicos que originaram o desequilíbrio ambiental. Essa é apenas uma parte da discussão do livro Águas urbanas: uma contribuição para a regeneração ambiental como campo disciplinar integrado.
A obra é um ponto de discussão e reflexão sobre a regeneração ambiental dos corpos d’água presentes nas grandes cidades. Ela debate também a participação e capacitação das comunidades locais e discute a questão patrimonial no processo de reabilitação do meio ambiente.
O livro é resultado do trabalho multidisciplinar do seminário “Águas Urbanas”, realizado em dezembro de 2005. Ele reúne palestras, artigos e temas de mesas-redondas apresentados durante o seminário, trazendo aos leitores um olhar dos organizadores sobre a questão da regeneração ambiental.
O livro foi organizado pelas professoras da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e do Programa de Pós-graduação de Arquitetura (PROARQ) da UFRJ, Vera Regina Tângari e Maria Ângela Dias; pela doutoranda do PROARQ, Mônica Bahia Schlee; e pelo pesquisador do Grupo de Pesquisa História do Paisagismo da EBA, da UFRJ, Rubens de Andrade. Os organizadores contaram com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Para saber mais um pouco mais sobre a obra e compreender a importância do estudo, confira a entrevista com Vera Tângari e Mônica Schlee.
Olhar Virtual: Como surgiu a idéia de escrever o livro?
Vera Tângari Surgiu, em 2005, a partir da organização de um seminário sobre regeneração ambiental urbana, cujos temas contemplariam as águas, as matas e os morros. A idéia foi dada pela Mônica Schlee, doutoranda do PROARQ e também organizadora do livro.
Em paralelo à idéia do seminário, organizamos uma oficina sobre Arquitetura da paisagem cujo tema seria a Cidade Universitária. Utilizamos a metodologia do Projeto Orla do Ministério do Meio Ambiente para desenvolvimento costeiro. Essa oficina foi preparatória porque participaram técnicos da prefeitura do Rio, professores da UFRJ e da USP. Foi nela que desenvolvemos a base do seminário, realizado em dezembro de 2005, chamado “Águas Urbanas”.
Em 2006, foi realizado um novo seminário, “Águas Urbanas II”, em Londrina, e somente em 2008, tivemos recursos, através da Faperj, para a impressão do livro.
Mônica Schlee: O processo de construção do seminário foi muito produtivo por juntar a experiência acadêmica com a vontade de refletir sobre essas questões.
Olhar Virtual: Como livro está estruturado?
Vera Tângari Nós dividimos em três partes e cada uma delas trata de um tema. A primeira é a questão da regeneração de elementos naturais. A segunda aborda a participação e capacitação de comunidades locais. Já a terceira traz como tema a questão patrimonial e a reabilitação de ambientes já construídos.
Mônica Schlee: Muitos pesquisadores, na época do seminário, falaram da importância de discutir a regeneração ambiental integrando diferentes campos disciplinares.
Olhar Virtual: O desenvolvimento desse trabalho é pioneiro?
Mônica Schlee: O fato de termos unido esses diferentes campos do saber confere um caráter pioneiro sim. Eventos dessa natureza já vinham sendo realizados pela Hidrologia, pela Geologia, mas não pela Arquitetura, ainda mais que congregasse outros campos do conhecimento.
Vera Tângari Ele é um dos trabalhos pioneiros. Ele é multidisciplinar não só pelas diferentes áreas acadêmicas que o compõem, mas também por congregar profissionais de projeto, legisladores, professores, entre outros.
Olhar Virtual: O livro surgiu a partir de um seminário cujo objetivo era unir diferentes campos do conhecimento. Qual a importância de desenvolver um projeto com essa característica?
Vera Tângari Se trabalharmos apenas em uma linha, ela não será suficiente para resolver a questão. Nós defendemos a idéia de um trabalho que estude os processos sócio-históricos, biofísicos, econômicos, pois eles explicam porque tudo está da forma que está (90% das cidades brasileiras, por exemplo, não têm rede de esgoto e que 80% dos rios do país estão com algum tipo de poluição). Precisamos enxergar porque as coisas estão dessa maneira. Se não enxergarmos a causa desses problemas, nunca conseguiremos uma solução efetiva.
Olhar Virtual: É possível fazer a regeneração desses ambientes que já estão poluídos?
Mônica Schlee: Cada vez mais, o trabalho de recuperação vai se tornando possível em função das novas técnicas que surgem. No entanto, há um predomínio da visão tecnicista, que tenta acabar com um problema de forma pontual ou passando esse problema para outro ponto. Um exemplo disso são os emissários submarinos que jogam o esgoto no mar apenas com tratamento primário (retirada de resíduos sólidos). O esgoto, para ficar em condições de ser lançado ao mar, necessita do tratamento secundário e do terciário, mas isso não é feito por causa dos custos. Outro exemplo é a estação de tratamento Alegria. Ela pega apenas parte do esgoto cidade.
Nós, ao contrário, trabalhamos com outra filosofia que não é tecnicista. Nosso trabalho é integrado, nós tentamos entender o que aconteceu com a região para buscar a melhor forma de regenerar uma determinada encosta ou rio.
Vera Tângari: Com vontade política, sim. Porém, estamos muito atrasados em termos de planejamento, infraestrutura, tratamento de águas e esgotos no Rio de Janeiro. Não adianta fazer a estação de tratamento Alegria, se há ligações clandestinas que desembocam nos rios e na rede de drenagem (galerias de águas pluviais). Então, como podemos ver, não adianta fazer uma grande estação tratamento como a Alegria. É necessário construir estações menores e em maior quantidade para tratar o esgoto que cada localidade produz. Em Porto Alegre e São Paulo isso já é feito.
Olhar Virtual: Falta política pública para essa área?
Vera Tângari: Falta política pública e uma visão de planejamento estratégico integrado, que trate das questões da habitação e saneamento básico, entre outras, de forma conjunta. Ações como Favela Bairro e Rio Cidade são intervenções pontuais que não resolvem os problemas de uma comunidade, principalmente, porque, quando o projeto termina, a comunidade continua se expandindo. É preciso enxergar que aquela comunidade vai crescer em função das demandas de habitação e transporte que ela possui.
Solução existe, mas é a médio e longo prazo e com vontade política, é claro. O Rio de Janeiro é uma cidade que tem condições tecnológicas para resolver os problemas de poluição. Falta apenas vontade política.
Olhar Virtual: O crescimento desordenado das favelas aumenta a poluição dos rios e lagoas?
Vera Tângari: O problema ambiental não está relacionado a uma determinada classe social. Ricos e pobres poluem igualmente. No Rio de Janeiro, um exemplo de degradação ambiental é a Barra da Tijuca, bairro de classe média alta, que tem condomínios que despejam todo seu esgoto in natura nas lagoas da região. É importante ressaltar que os condomínios têm estações de tratamento, mas não as utilizam em função dos altos custos.
Olhar Virtual: O que precisa mudar no comportamento brasileiro para que a degradação ambiental diminua?
Vera Tângari: É necessário investir em educação. A nova geração de crianças, principalmente as das escolas públicas, tem uma conscientização maior sobre o problema da degradação ambiental.
É preciso investir em políticas de habitação, transporte e saneamento porque a favela vai continuar crescendo por não haver para um determinado grupo de pessoas acesso ao financiamento.
O problema ambiental é conjuntural. Há solução? Sim. Mas é preciso enxergar os problemas. A sociedade brasileira tem uma cegueira permanente. É como no livro de José Saramago, Ensaio sobre a cegueira: Precisamos ensinar os cegos a verem. Se não enxergamos os problemas, não adianta fazer obras pontuais, porque serão apenas obras de maquiagem.
Olhar Virtual: Quais regiões do país estão mais degradadas ambientalmente?
Vera Tângari: A cidade urbana não é inimiga do meio ambiente. Ela gera poluição sim, mas, como a Mônica afirmou anteriormente, há soluções técnicas para esse tipo de degradação ambiental. O maior problema ambiental, hoje, são as regiões de fronteira agrícola, que estão dizimando áreas enormes com as queimadas e os defensivos agrícolas. Nesses casos, é mais difícil a regeneração ambiental. Recuperar a Mata Atlântica, por exemplo, é muito mais fácil do que recuperar a Floresta Amazônica. O controle ambiental nesses locais é muito precário, o que dificulta o trabalho de preservação.