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Edição 266      08 de setembro de 2009


De Olho na Mídia

Muito além das doações

Daniel Fraiha - AgN / PV


Muitas pessoas, ao ouvirem o final da gravação “Sua doação foi registrada, obrigada pela contribuição”, sentem que já fizeram sua parte para tornar o mundo um lugar melhor, podendo voltar ao cotidiano sem se preocupar com o que é feito com o dinheiro e como ele é aplicado realmente. Mas até onde vai o caráter filantrópico do projeto Criança Esperança?

A campanha, lançada em um especial comemorativo dos 20 anos dos Trapalhões, completa 25 anos em 2010 e já teria arrecadado 143 milhões de reais segundo o site da Unesco. Lançada em 1986, teve e ainda tem como seu patrono o ator Renato Aragão. Inicialmente era uma parceria da Rede Globo com a Unicef, mas em 2004 passou a ser da Unesco a posição de parceira da rede televisiva no projeto. O programa é divulgado durante algumas semanas pelo canal, culminando em um especial anual que passa em um sábado, geralmente em agosto.

Ao longo dos anos, o projeto tomou proporções maiores, chamando a atenção do povo brasileiro e se estabelecendo como uma campanha definitiva. Em paralelo, o especial realizado pelo canal televisivo ganhou audiência e teve seu espaço aumentado na grade horária, com mais atrações nos seus shows, chegando a vender cotas de patrocínio para grandes empresas.

A linha tênue entre projetos sociais e campanhas promocionais domina cada vez mais o cenário empresarial e midiático, e para falar sobre o assunto o Olhar Virtual entrevistou o professor da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ e especialista em Direito Joaquim Welley Martins. Segundo ele, “enquanto ideia e iniciativa, o Criança Esperança é muito interessante, mas da forma como ele é implementado há questionamentos”.

Perguntado sobre os questionamentos suscitados, o professor apontou os interesses da Globo em torno de uma divulgação maior e de um atrelamento da marca a um programa social como forma de promoção. Disse que, em sua opinião, o Criança Esperança é uma campanha publicitária mascarada, mas fez uma ressalva: “Não estou tirando os méritos, mas da mesma forma que ela ajuda muitas crianças, ela ajuda muito também e patrocina muito a própria Globo”.

Joaquim chama a atenção para a quantidade de propagandas que dominam os horários publicitários: a maioria demonstra a atuação das empresas em programas sociais. O professor complementa que, se não houvesse retorno publicitário, a rede Globo provavelmente não faria a campanha: “Não só a Globo como qualquer outra empresa. Acho que é uma questão promocional”.

O jornalista destacou vários pontos fracos e ambíguos da campanha, como a venda de cotas de patrocínio, a abertura para horário publicitário explorada durante a exibição do show e a falta de transparência com que é feito o movimento do dinheiro. “Por que a Unesco não põe no site dela exatamente quanto foi arrecadado? E o que foi destinado para cada projeto? Ficaria bem claro.”

Se há muitas dúvidas em torno do papel da Rede Globo, surge uma inquietação quando se fala na parceria com a Unesco, órgão de cunho internacional e detentor de grande respeito. Porém, nessa trajetória faltam alguns esclarecimentos, como, por exemplo, o motivo da mudança de parceira da Unicef para a Unesco. Ao ser contatada, a Central Globo de Atendimento disse não ter a informação solicitada no sistema. Joaquim Welley alertou para as significações possíveis do episódio, afirmando que “na época, houve um questionamento sobre essa mudança; houve rumores de que, na verdade, as pessoas que diziam trabalhar de graça para o Criança Esperança acabavam recebendo salário, vencimento, cachê por fora”.

Num mundo cada vez mais capitalista e regido por trocas de interesses, fica a dúvida sobre o lugar da filantropia, e como poderia ser aplicada. Ao ser perguntado sobre a sua viabilidade hoje em dia, o professor disse acreditar haver espaço para ela, desde que seja feita de forma consciente, organizada e séria.

Por outro lado, está o fato de que programas como o Criança Esperança despertam o olhar da sociedade para problemas gerados, na maioria das vezes, por deficiência do Estado. O professor pontua o lado ético do programa, mas alerta: “a partir do momento em que usam isso de forma promocional, a ética começa a ser questionada”. Em tom resignado completou: “Como no mundo capitalista tudo tem que ter algum tipo de reciprocidade, a gente não pode dizer que a campanha seja totalmente antiética. Nem que seja totalmente ética também”.

Ao final da entrevista, Welley concluiu que, mal ou bem, a campanha acaba gerando resultados, no entanto, ficaria mais tranquilo se houvesse uma transparência efetiva. “Como envolve uma poderosa empresa de comunicação brasileira, uma marca muito forte e uma entidade de abrangência internacional, deveria ser feita uma auditoria independente por uma empresa internacional. E que essa auditoria fosse disponibilizada pela internet, para que todos pudessem ter acesso”, diz.

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