Coordenadoria de Comunicação do Gabinete do Reitor - UFRJ www.olharvirtual.ufrj.br

Edição 276      17 de novembro de 2009


Olho no Olho

Apagão, apenas uma fatalidade?

Diogo Cunha e Vanessa Sol


A causa do blecaute que deixou 18 cidades brasileiras às escuras, no último dia 10, ainda está sendo apurada. A primeira hipótese era de que fatores climáticos tinham provocado o desligamento das turbinas de transmissão de energia elétrica de Itaipu. No entanto, em nota oficial divulgada nesta terça-feira, dia 17 de outubro, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, informou que um curto-circuito teria “derrubado” três linhas de alta tensão de Itaipu, levando ao desligamento das turbinas.

Com a dimensão da pane no sistema elétrico, que atingiu 60 milhões de brasileiros, surgiu novamente o medo de se viver em tempos de racionamento de energia, semelhante ao ocorrido em 2001. No entanto, o cenário atual do setor elétrico do país é muito diferente daquele.

De acordo com Roberto Brandão, pesquisador do Grupo de Estudo do Setor Elétrico (Gesel), do Instituto de Economia da UFRJ, não há motivo para alarme, pois o setor tem recebido bons investimentos, além de ser este um ano com um volume de chuva acima da média, o que descarta a hipótese de novos blecautes. “Estamos num momento muito tranquilo. Temos grandes investimentos em curso; além disso, estamos tendo um ano de chuvas excepcionalmente generosas e as reservatórias (das usinas hidrelétricas) estão cheias”, declara.

Roberto Schaeffer, professor-associado do Programa de Planejamento Energético do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe/UFRJ), reforça a ideia de que o setor de energia elétrica brasileiro vem alcançando maior projeção em função dos recursos financeiros recebidos nos últimos anos, o que demonstra que o blecaute da última terça-feira nada tem a ver com o racionamento vivido em 2001. “Quando houve o racionamento de energia, o sistema de transmissão recebeu investimentos, se tornando hoje um sistema robusto”, enfatiza.

O pesquisador Roberto Brandão destaca ainda que o Brasil possui um dos mais sofisticados sistemas elétricos e  apresenta “boa matriz energética, o que não o impede de utilizar fontes alternativas, como a cana-de-açúcar, que também é renovável e viria complementar a geração de energia do país”.

Roberto Brandão
Pesquisador-sênior do Grupo de Estudo do Setor Elétrico do Instituto de Economia da UFRJ

“O sistema elétrico brasileiro é um dos melhores que existem, principalmente, em termos de transmissão de energia à longa distância. Ao contrário do que se possa pensar, o sistema elétrico do Brasil é mais sofisticado do que o de muitos países desenvolvidos. Ele é um dos poucos que utiliza energias renováveis, no caso a energia hídrica.
Sobre o problema que ocorreu, no último dia 10, a única certeza que se tem é que houve uma falha no maior sistema de  transmissão de energia do país. Aparentemente, ela pode ter sido ocasionada por fatores climáticos. No entanto, é necessário apurar o que efetivamente ocorreu em Itaipu. Como foi um evento impactante, é fundamental se descobrir a causa para tentar impedir novos incidentes.

Com o ocorrido, tivemos a propagação, em grande dimensão, da falta de energia, que acabou atingindo várias cidades. Não é raro esse tipo de problema acontecer. É por isso que o sistema trabalha com dupla redundância, ou seja, três equipamentos funcionam com um terço da capacidade. Quando um deles ‘cai’, cada um dos outros dois continua funcionando com a metade da capacidade. E se, por acaso, o segundo também quebrar, o outro funciona com a capacidade total. O sistema de Itaipu é planejado para que, em situação de limite – horário de pico, por exemplo –, qualquer equipamento possa quebrar sem que haja falta de energia elétrica. É  raro, mas não impossível, os três equipamentos pararem ao mesmo tempo. O sistema é feito para ter um nível de segurança muito alto; no entanto, isso não impede que problemas ocorram.

Nosso sistema é melhor do que o dos Estados Unidos, por exemplo. Isso não significa que o deles seja ruim, mas eles estão vendo agora a necessidade de tornar o sistema mais parecido com o nosso. Isso tem a ver com o desejo do atual presidente dos Estados Unidos de expandir a geração de energia eólica, que é como a hídrica: tem que buscá-la onde está. A vantagem desses recursos está em podermos transportar a energia para outras localidades. Isto exige um sistema de transmissão que seja capaz de conduzir grandes blocos de energia, coisa que o Brasil faz com tranquilidade.

É importante descartar a hipótese de a falha ter ocorrido por falta de recursos financeiros. Estamos numa fase em que, estruturalmente, houve a recuperação nos investimentos nas áreas de transmissão e distribuição do setor de energia elétrica. O setor de geração também está tendo um bom nível de investimentos, mas, de todos os setores, talvez seja o que está com mais problemas, em função das dificuldades de licenciamento de hidrelétricas. Devido à falta de opção, a escolha que se acabou fazendo foi comprar termoelétricas, que são caras e poluentes. 

Convém ressaltar que o Brasil está com um nível confortável de geração de energia, tanto que quase todas as termoelétricas estão desligadas. Só estão ligadas aquelas que, por questão contratual, têm que gerar energia constantemente. As que são usadas para poupar águas estão todas desligadas.

Apesar de o Brasil ter uma boa matriz energética, isso não o impede de utilizar fontes alternativas, como a cana-de-açúcar, que também é renovável e viria complementar a geração de energia do país. Para finalizar, é importante destacar que um sistema tão grande como o nosso, no entanto,  pode apresentar vulnerabilidades, pois os sistemas estão interligados. Por isso há a possibilidade de um blecaute se disseminar para uma área relativamente significativa. Como Itaipu está no coração do sistema, a região atingida foi muito grande.”

Roberto Schaeffer
Professor-associado do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ

“Houve dois problemas. O primeiro foi o desligamento das três linhas de transmissão de Itaipu. O segundo, e mais grave, foi o desligamento de cerca de 15 usinas no país, como as Usinas de Angra I e II. Ambas as causas ainda não foram esclarecidas.

O desligamento da Usina de Itaipu não deveria propagar a mesma ocorrência nas outras usinas. O sistema de ‘ilhamento’ não funcionou. As demais usinas desligaram por perceberem uma instabilidade no sistema, decorrente do excesso de carga recebida, carga esta que era atendida pela energia de Itaipu. Para evitar o transiente, ou seja, o tranco gerado por essa carga, elas desligaram. O sistema de ‘ilhamento’ evitaria esse tranco.

Assim, as usinas continuariam funcionando normalmente e não haveria o blecaute generalizado nos estados do Rio e de São Paulo, por exemplo. O sistema permitiria também que, aos poucos, fossem adicionadas novas cargas às usinas, de modo que elas gerassem mais energia, mas sem receberem o tranco. Assim, supririam uma parte da demanda de Itaipu, deixando menos áreas atingidas pelo blecaute. Por quê esse sistema não funcionou é a grande questão.

A partir de 2001, quando houve o racionamento de energia, o sistema de transmissão de energia recebeu investimentos, tornando-se hoje um sistema robusto. Na ocasião, o problema era justamente na transmissão; não havia linhas para distribuir o excesso de energia gerada no Sul do país.

 O fato de o sistema ser robusto não significa que seja invulnerável. Espera-se que o relatório do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que deverá ser divulgado em breve, esclareça a causa da falha no sistema de transmissão que gerou o desligamento das usinas. A partir daí é que se devem tomar as providências cabíveis.”

Anteriores