Edição 238 17 de fevereiro de 2009
Há muito ouvimos, nos discursos de diretores e reitores das principais instituições de ensino do país, sejam elas privadas ou públicas, que o vestibular tornou-se um processo de seleção ultrapassado, fazendo-se necessária a adoção de métodos alternativos para escolher aqueles que devem ingressar no Ensino Superior. O modo mais cogitado seria substituir as tradicionais provas pelo Exame Nacional do Ensino Médio, o popular ENEM.
A idéia está cada vez mais próxima de ser concretizada, transformando o ENEM de um mero meio para acrescentar alguns pontos na nota final do aluno em um processo seletivo de acesso ao Ensino Superior.
Essa questionável modificação está calcada na Nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) aprovada pelo Congresso em 1996, que acabou com a determinação de que Faculdades e Universidades precisavam selecionar candidatos por meio de uma prova de vestibular. A razão da lei não teria como interesse acabar com o processo seletivo e sim substituir o vestibular por um método de natureza diferente, a exemplo do que faz algumas universidades espalhadas pelo Brasil; também através da adoção de programas de avaliação que levam em conta toda a trajetória do candidato no Ensino Médio.
Mas a questão que ainda está sem resposta para muitas pessoas, em sua maioria alunos de Ensino Médio, é: a prova do ENEM está pronta para substituir o vestibular?
Para responder a essas e a outras perguntas, o Olhar Virtual entrevistou Marcelo Macedo Corrêa e Castro, decano do Centro de Filosofias e Ciências Humanas (CFCH) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Olhar Virtual: Em sua opinião, o ENEM, na atual conjuntura em que vivemos, poderia ocupar o lugar do tradicional vestibular?
O ENEM existe há cerca de dez anos, ao passo que o exame vestibular, com esta denominação e com caráter classificatório, tem o início de sua história em 1925. Se considerarmos apenas o caso da UFRJ, o atual modelo de vestibular começou a ser aplicado e, portanto, desenvolvido em 1987. Junte-se a esta flagrante diferença entre os tempos acumulados das duas experiências o fato de que um, o vestibular, foi pensado em um contexto de reconquista da autonomia das universidades e o outro, o ENEM, teve sua concepção ligada à agenda educacional do Governo de Fernando Henrique Cardoso, marcada pela centralização das ações no que se refere a currículos e a avaliação. Comparar os dois é muito difícil e, eu diria, pouco produtivo. O ENEM deve ficar onde está: como instrumento do Governo Federal para orientar suas políticas em relação ao Ensino Médio. As universidades, ainda que considerem o ENEM parte da avaliação dos estudantes que pretendem ingressar nos cursos superiores, não devem abrir mão de constituir seu próprio processo seletivo.
Olhar Virtual: Muitos estudantes sugerem que para o ENEM substituir o tradicional vestibular, seria necessária a criação de uma prova que respeitasse a especificidade de cada região. Seria viável a elaboração de uma prova em várias versões, de acordo com o Estado em que ela fosse aplicada?
Em um exame nacional, deve-se buscar o que há para além da diversidade regional. As especificidades das regiões devem ser consideradas na leitura dos resultados, mas não creio que seja proveitoso criar versões regionais para o ENEM.
Olhar Virtual: Mesmo assim, podemos afirmar que o ENEM está mais próximo da realidade de ensino?
Não creio que o ENEM esteja mais perto da realidade do ensino. Talvez, como é baseado em habilidades e competências, não tanto nos conteúdos disciplinares, o ENEM sugira maior proximidade com o cotidiano e menor grau de dificuldade, o que não corresponde à minha visão.
Olhar Virtual: A idéia de substituir o vestibular por um sistema de avaliação continuada do aluno durante o Ensino Médio é válida?
O papel das universidades públicas em relação à Educação Básica é o de formar bons educadores e o de produzir conhecimento sobre esta educação. Neste sentido, o melhor caminho é construir sólidas parcerias com as Secretarias de Educação e, conseqüentemente, com as escolas públicas, proporcionando ganhos e melhoras constantes tanto para a formação básica dos estudantes, quanto para a formação inicial e a continuada dos professores. Não considero que devamos investir em substituir o vestibular por um sistema de avaliação progressivo ao longo do Ensino Médio. Para mim, o melhor caminho é, por um lado, fortalecer a formação básica e, por outro, aperfeiçoar o atual sistema dentro do curso de sua própria história.
Olhar Virtual: Então, ao invés de pensarmos num processo seletivo de natureza diferente, o melhor a ser feito, é aprimorar o modelo vigente, no caso, o Vestibular?
O Vestibular tem sido tratado, em um deslizamento quase metonímico, como a causa de uma série de males. Em minha opinião, o vestibular é, dentro de um contexto de péssima distribuição da Educação como bem social, um mecanismo que, em casos como o da UFRJ ou da UNICAMP, deve ser destacado como um espaço em que se busca minimizar os efeitos desta desigualdade. É sempre possível melhorar a qualidade do modelo atual. Isto, aliás, tem sido feito sistematicamente ao longo dos últimos 20 anos. É um equívoco, porém, supor que a substituição do atual modelo pelo ENEM ou pela avaliação sistemática ao longo do Ensino Médio trará necessariamente maior democratização para a Educação Básica ou para a Superior.