Edição 264 25 de agosto de 2009
Quando se pensa no cotidiano das favelas, a associação à violência é quase que imediata. A partir desse contexto o professor Luiz Antonio Machado, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ, teve a ideia de escrever o livro “Vidas sob cerco”. Nele, estão reunidos relatos de moradores dessas comunidades, sobre o seu dia- a- dia.
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia para a realização do livro?
Luiz Antonio Machado: A partir de uma série de reuniões no Instituto Brasileiro de Anãlises Sócio-Econômicas (Ibase), em torno de uma discussão sobre a conjuntura para as favelas, e a partir do mote, dado por Moema Miranda, de que a desconfiança sobre os moradores impedia que fossem ouvidos em suas demandas.
Olhar Virtual: Qual o principal objetivo do livro?
Luiz Antonio Machado: O livro, resultado de ampla pesquisa coletiva (coordenei oito pesquisadores: cinco doutores, um intelectual com formação universitária nascido, criado e continuando a morar em favela, uma aluna de doutorado e uma de mestrado) financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj ), pretendia ouvir moradores de favela em torno de “como é a vida na favela”. Pressupúnhamos, é claro, que o tema da violência seria onipresente, o que se confirmou. Mas não queríamos impô-lo antes de os moradores começarem a falar.
Olhar Virtual: De que forma o livro retrata a segregação territorial das favelas? O senhor a considera uma das responsáveis pela violência existente nesses locais?
Luiz Antonio Machado: O livro está organizado como uma coletânea, com cada pesquisador se responsabilizando por um texto, mas tem uma claríssima espinha dorsal. O centro de toda a discussão é a situação crítica em que se encontram os moradores de favela, espremidos em uma dupla submissão: de um lado, o preconceito generalizado (o errado pressuposto da conivência com o crime violento) e, de outro, a presença inarredável da violência criminal (as disputas entre os vários bandos) e policial (as “operações”). Segregação de um lado, violência de outro, formando um círculo infernal que impede a formação de uma ação coletiva consistente.
Olhar Virtual: Podemos ter, com o livro, uma noção de como é a dinâmica nas favelas?
Luiz Antonio Machado: O livro discute um aspecto central – mas não exclusivo – da dinâmica interna das favelas, e o lugar desses aglomerados populacionais no imaginário social e na arena pública.
Olhar Virtual: Como foram colhidos os depoimentos?
Luiz Antonio Machado: Todos os pesquisadores, em razão de trabalhos anteriores, conheciam vários moradores. Formamos 15 “coletivos de confiança”, grupos focais (por volta de três horas de duração cada um) constituídos a partir dessas relações prévias, com reuniões fora de seus locais de moradia (em salas alugadas de empresas de pesquisa de opinião), perfazendo um total de cerca de 150 participantes de 50 diferentes favelas. Paralelamente realizamos um trabalho de observação participante em três favelas da cidade – uma na zona sul, uma na zona norte, uma na zona oeste – durante pouco mais de oito meses.
Olhar Virtual: Você teve alguma surpresa durante a pesquisa para a realização do livro? Se sim, qual?
Luiz Antonio Machado: É inacreditável que pessoas submetidas a tanta pressão por todos os lados consigam manter a alegria e fazer planos para o futuro. E ao mesmo tempo impressiona a indignação generalizada (muitas vezes reprimida) com o descaso do governo, o preconceito da classe média, a violência policial e a obrigação de conviver com a presença ostensiva de criminosos armados.