Edição 255 23 de junho de 2009
Gerir o meio ambiente de forma sustentável se constitui um dos maiores desafios do século, exigindo não apenas mudança nas políticas públicas, como também o fim de uma concepção que se enraizou em solo brasileiro: a de que proteção ao meio ambiente limita as possibilidades de desenvolvimento. Na tentativa de integrar o pensamento acadêmico com a gestão pública e repensar a relação sociedade-natureza, a professora e pesquisadora Marta de Azevedo Irving, do Programa Eicos – Pós-Graduação em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social da UFRJ, coordenou a organização do livro Parques Estaduais do Rio de Janeiro: construindo novas práticas para a gestão, em parceria com Gian Mario Giuliani e Carlos Frederico B. Loureiro.
A obra toma como ponto de partida a análise dos parques estaduais e foca em uma perspectiva interdisciplinar, resultando dos estudos desenvolvidos pelo grupo de pesquisa “Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social” (Lattes/CNPq), alocado no Programa Eicos. A fim de conhecer as principais ideias do livro, o Olhar Virtual conversou com a professora Marta Irving, do Instituto de Psicologia da UFRJ .
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do livro?
Marta Irving: Na verdade, vimos que estávamos gerando um conhecimento na universidade dissociado de tudo que estava sendo discutido e demandado nas políticas públicas. Tivemos o compromisso de trabalhar o tema da proteção da natureza vinculado, mas não submetido, à discussão política.
Seria importante, assim, criar uma rede de discussão que integrasse as políticas e a geração de conhecimento acadêmico. Por isso, há cinco anos, criamos o grupo de pesquisa “Biodiversidade, Áreas Protegidas e Inclusão Social”, com o objetivo de trabalhar na perspectiva de rede com a gestão pública, para possibilitar a construção de um conhecimento compartilhado. Essa área de pesquisa faz a ponte entre a questão da natureza considerando a interface com o social. São poucos os programas hoje no Brasil que têm esse enfoque. O Programa Eicos é bastante inovador nesse sentido, pois tem perspectiva interdisciplinar. O livro é um produto resultante dos projetos de pesquisa "Observatório de Parques do Estado do Rio de Janeiro" e "Gestão Participativa de Áreas Protegidas e Inclusão Social do Estado do Rio de Janeiro", que receberam financiamento da FAPERJ e foram desenvolvidos no ano de 2008.
Olhar Virtual: Quais os principais desafios atuais da gestão participativa?
Marta Irving: Em primeiro lugar, a sociedade brasileira não reconhece os espaços protegidos de biodiversidade como patrimônio público. É como se pensasse: “Isso pertence ao governo!”. É uma sensação de estranhamento, causada pela separação entre o que é público e a sociedade.
Em segundo lugar, para que a proteção aconteça, os sujeitos têm que entender o valor dessas áreas como patrimônio. Isso geraum distanciamento ainda maior.
Olhar Virtual: Como terminar com o mito de que as áreas protegidas são um entrave ao desenvolvimento?
Marta Irving: O livro tenta mudar essa concepção. Esse não é um mito espontâneo, foi construído e reconstruído na sociedade capitalista, vem da cisão entre sociedade e natureza, é uma questão histórica.
Na verdade, é a partir dessa visão que o projeto de áreas protegidas é criado no Brasil e no mundo. É um modelo que cria áreas protegidas para afastar a sociedade, considerada “destrutiva”. Um dos nossos trabalhos é desconstruir esse mito, que é apropriado de uma maneira completamente perversa pelos veículos de comunicação.
A falácia da proteção da natureza em contraposição ao desenvolvimento surgiu ao longo da história. Na verdade, todo o processo capitalista e seu modelo afirmavam sempre que os recursos eram ilimitados e que não possuíam valor intrínseco, só o adquiriam no processo de transformação e uso.
A natureza, entendida nessa lógica de commodity, fez com que seu valor fosse medido pelo uso para a produção de bens e serviços. O discurso natureza versus industrialização foi se consolidando ao longo do tempo e apropriado de uma maneira perversa em várias campanhas na televisão, rádios e jornais. Dizem que, se você protege, não vai ter produção de alimentos e riquezas, mas isso é um argumento equivocado.
A concepção da natureza como patrimônio que possui valor intrínseco pensa nas reservas para o futuro, considerando os riscos ambientais e o valor da biodiversidade. Precisamos pensar que desenvolvimento é esse, por que o desenvolvimento nos modelos decorrentes do modelo capitalista clássico não quer áreas protegidas. Já a nova concepção de desenvolvimento, levando em consideração a integração social, natureza e gestão participativa, pensa as perspectivas de desenvolvimento de um país. Esse equívoco de proteção em oposição ao desenvolvimento foi construído na cisão histórica. E ele é apropriado e traduzido de maneira oportunista por aqueles agentes que querem continuar o modelo clássico capitalista.