Edição 253 09 de junho de 2009
Lançado em 2008 pela Editora UFRJ, Comunicação e Contra-hegemonia é um grito em favor de uma mídia menos excludente, construída pelas mãos dos dominados. O livro, organizado por Eduardo Coutinho, professor da Escola de Comunicação, reúne grandes nomes do Brasil e do mundo, que contam experiências em que o alternativo conseguiu transparecer em uma comunicação prioritariamente elitista.
Guiados pelo pensamento de Gramsci, os autores apresentam formas de reagir ao hegemônico, através de diferentes iniciativas de organização. A obra por si só é uma maneira de se colocar contra o que é veiculado pela grande mídia. Em entrevista ao Olhar Virtual, o autor-organizador Eduardo Coutinho discutiu a importância da tecnologia no movimento contra-hegemônico, explicou o poder da televisão na disseminação de informação e garantiu que é impossível lutar contra a visão dominante.
Coutinho é também escritor dos livros Os Cronistas de Momo: imprensa e carnaval na primeira República, Velhas Histórias e Memórias Futuras: o sentido na tradição na obra de Paulinho da Viola e Mídia e Poder: ideologia, discurso e subjetividade.
Olhar Virtual: Qual o principal conceito abordado pelo livro?
No livro estão reunidos ensaios que debruçam sobre diferentes processos culturais e comunicacionais chamados aqui de contra-hegemônicos. Ou seja, processos de comunicação que surgem da necessidade da população de construir novas formas de consciência, novas visões de mundo: uma nova hegemonia.
Olhar Virtual: E quais seriam as alternativas para construir essa hegemonia diferente?
A pequena mídia, os movimentos performáticos da juventude, movimentos na periferia que envolvem a utilização da internet, rádios comunitárias. Na verdade, são poucos, mas importantes. Claro que estamos em absoluta desvantagem contra a grande mídia, mas nós podemos falar ainda. Não morremos. As pessoas ainda são capazes de se expressar. Mesmo uma conversa pode ser considerada processo comunicacional contra-hegemônico, uma palestra, uma aula. A internet tem a sua importância hoje na criação de uma cultura alternativa. Claro que ela foi também assimilada pelos donos da mídia, mas existe a possibilidade de falar.
Olhar Virtual: Então, a tecnologia pode ajudar nesse movimento?
Diferentemente da comunicação de massa, em que os senhores da indústria falam para a população que ouve de forma passiva, o que o Muniz Sodré chamou de “monopólio da fala”. Na internet, existe a possibilidade de o indivíduo responder, de formular suas próprias ideias. De dizer não! Não sou um tecnófilo que acredita que a tecnologia sozinha vai resolver o problema da comunicação, mas eu acho que ela pode ser um instrumento. A internet é também um terreno de luta pela cultura.
Olhar Virtual: É exagero repetir a famosa ideia de que a mídia é o quarto poder da atualidade?
Eu acho que a mídia é o instrumento de poder mais efetivo. Não é exagero não. Há duas formas de dominação: a de coerção física, a que se dá através da força, da polícia, do aparato judiciário, e também a que se dá pela busca do consenso do dominado, pela persuasão. Todos os aparelhos tradicionais de hegemonia, escola, sindicato, partido, igreja, associações profissionais, estão enfraquecidos. Hoje, o grande aparelho é a mídia eletrônica. É ela que persuade, anestesia diariamente as massas, possibilitando a dominação.
Olhar Virtual: Quando a mídia começa a apresentar tanto poder?
Isso começa a acontecer com o surgimento da rádio nos anos XX, quando a correlação de forças culturais no interior da sociedade é drasticamente afetada, porque o rádio já surge como instrumento de dominação, controlado pelos fascistas. Com o surgimento da televisão isso é elevado à enésima potência. É muito difícil você querer contrapor um jornal de bairro a uma mídia que fala com a população inteira ao mesmo tempo, com recursos, técnicas, com muito dinheiro investido e discurso sedutor. É difícil lutar contra isso, mas é possível.
Olhar Virtual: Então, não houve diminuição do poder de dominação com o fim da ditadura militar?
Hoje há a continuação do momento do regime militar. Na época, havia censura, a truculência e a Globo. A emissora nasce e se torna o que é durante esse período. Surge com o capital norte-americano e se desenvolve como porta-voz do sistema. A ditadura terminou, mas ela continua ali. Não precisamos mais dos instrumentos de coerção que havia no passado até porque a população já está anestesiada. A Globo cumpre essa função.
Olhar Virtual: Qual é a sua participação como autor?
Eu falo da existência de vozes dissonantes dentro da grande mídia. Cito, por exemplo, o jornalista José Oiticica, Raul Pederneira, J. Carlos, profissionais que colaboravam para uma visão de mundo nacional-popular na primeira metade do século. Contavam a história da nação a partir de uma perspectiva subalterna.
Olhar Virtual: Contribuem para o livro expoentes da comunicação no Brasil e no exterior, como Martín-Barbero e Muniz Sodré. Qual foi o critério usado para reunir esses autores?
Quando resolvi escrever o livro, procurei me lembrar de quem trabalhava com esse tema na Escola de Comunicação, no Brasil e no exterior. Foi um pouco mais fácil juntar esse time, pois são pessoas com quem eu já havia tido contato anterior, com quem eu tenho afinidade ideológica.
Olhar Virtual: Qual o ponto em comum entre os autores?
Todos esses artigos se debruçam sobre diferentes iniciativas de organização da cultura a partir de uma perspectiva popular. Essa é a grande questão presente em Gramsci. Como os diferentes grupos sociais fazem para organizar sua consciência? Os grupos dominantes dispõem dos seus aparelhos de hegemonia: a grande mídia, seus partidos, associações, igreja, a universidade. Os grupos subalternos também dispõem de alguns instrumentos de hegemonia. Como esses instrumentos são colocados a serviço da sistematização de uma consciência crítica? É isso que os autores procuram discutir.