Edição 259 21 de julho de 2009
Ética e Direitos: Ensaios críticos e Ética,Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional. Lançadas no último dia 14, as duas obras apresentam uma temática em comum: o entrelaçamento das políticas sociais, da ética e dos direitos humanos. O primeiro livro é uma coletânea com diferentes autores, organizada por Yolanda Guerra, professora da Escola de Serviço Social da UFRJ, e pela professora da Faculdade de Serviço Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Valéria Forti, que concluiu o doutorado no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da UFRJ em 2008. Já o segundo é baseado na tese de doutorado de Valéria Forti, orientada pela professora Yolanda Guerra.
De acordo com Yolanda Guerra, a publicação Ética e Direitos: Ensaios críticos “vai além da perspectiva do Serviço Social”. Ela afirma ainda que a coletânea trouxe o “reconhecimento da área de Serviço Social por outras áreas, como a do Direito”.
Segundo Valéria Forti, Ética,Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional traz à tona a dura realidade dos pacientes psiquiátricos que cometeram crimes e estão internados nos Hospitais de Custódia do Estado do Rio de Janeiro. “Esse é um assunto muito pouco explorado pelas diferentes áreas do saber, não sendo abordado, inclusive, pela reforma psiquiátrica”, enfatiza a professora.
Para conhecer melhor as obras e ampliar o debate sobre a ética no Serviço Social, o Olhar Virtual entrevistou as professoras Yolanda Guerra e Valéria Forti.
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia de organizar Ética e Direitos: Ensaios Críticos?
Valéria Forti: Ética e Direitos: Ensaios críticos é um livro que mescla vários pesquisadores de diferentes universidades, mas tem um grande peso para a UFRJ porque os autores ou são professores da Escola de Serviço Social da UFRJ ou fizeram doutorado na instituição, exceto a professora Maria Lúcia Barroco, da Pontifícia Universidade Católica (PUC-SP). Ética e Direitos: Ensaios Críticos foi organizado por mim e pela professora Yolanda Guerra, minha orientadora na época do doutorado. Esse livro é extremamente interessante para os profissionais da área para que vejam como a ética se encaixa no dia a dia.
Olhar Virtual: Como a obra está organizada?
Yolanda Guerra: No livro, há ensaios escritos por nove autores, trazendo uma reflexão teórica a respeito da ética e do Direito em um momento em que a vida humana sofre brutal banalização. Os trabalhos são frutos do doutorado e da pesquisa que esses autores desenvolvem em seus espaços acadêmicos. O livro vai além da perspectiva do Serviço Social, tanto que o prefácio foi escrito por um pesquisador da área do Direito. Isso é importante, porque temos, assim, o reconhecimento da nossa área por outras áreas, principalmente a do Direito, que é muito hermética. É o reconhecimento de que o Serviço Social produz conhecimento relevante e de qualidade. O livro traz uma abordagem da ética entrelaçada com a Economia e com o Direito.
Olhar Virtual: Qual é a abordagem que a senhora faz entre ética e Direito?
Yolanda Guerra: Eu faço uma crítica ao que eu chamo de discurso do Direito. Atualmente, tudo acaba em Direitos, mas o acesso a eles, numa sociedade como a nossa, é muito pequeno. No meu ensaio, eu discuto como a formação sócio-político-econômica do Brasil não permite o acesso a esses Direitos, embora exista um conjunto de leis para viabilizá-los. Ou seja, acaba sendo um Direito em plano abstrato.
O texto da professora Maria Lúcia Barroco também faz uma crítica à conotação de Direito que se tem na nossa sociedade. Há também alguns textos que fazem crítica à questão do direito ao trabalho. A professora Maria Celeste Marques faz uma distinção entre o Direito do Trabalho e direito ao trabalho. Já a professora Cleier Marconsin faz um histórico do Direito do Trabalho. Depois há uma discussão mais pontual, porém não menos importante, que é sobre o que chamamos de perspectiva de projeto profissional dos assistentes sociais, que são valores e princípios que atravessam o código de ética da profissão, como eles são implementados e qual é a concepção que os norteia. Finalmente, há uma análise da professora Tânia Dahmer e da Rosilene Dantas sobre o exercício profissional nos Hospitais de Custódia. O que dá unidade ao livro é a crítica ao Direito formal.
Olhar Virtual: Qual é a importância de discutir a elaboração de um projeto profissional para área do Serviço Social?
Valéria Forti: O Serviço Social conseguiu elaborar um projeto profissional que é progressista e democrático. Abordá-lo é muito importante porque mostra a viabilidade, ou não, de sua efetivação. Além disso, o projeto determina a relação da profissão de assistente social com a sociedade brasileira. Ou seja, significa entender em que medida aquilo que os assistentes sociais se propõem a realizar é possível e quais são os limites disso. Essa questão é discutida tanto em Ética e Direitos: Ensaios Críticos quanto em Ética,Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional. Nesse último, eu discuto em que medida os princípios do código e, por conseguinte, os compromissos assumidos por esse projeto profissional democrático e progressista do Serviço Social brasileiro são possíveis de se materializar no cotidiano do trabalho dos assistentes sociais. A nossa questão é como continuar dando encaminhamento a esse projeto profissional à medida que o neoliberalismo se acirra e colide com a materialização dos princípios do projeto.
Olhar Virtual: O que representa os princípios do código de ética do Serviço Social?
Valéria Forti: Eles representam os compromissos assumidos pela profissão nos últimos 30 anos. O código é o elemento prioritário do projeto por ser referência para a ação.
Olhar Virtual: O que levou à publicação de Ética, Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional?
Yolanda Guerra: A tese de Valéria foi indicada por todos os membros da banca para publicação. Além disso, é um tema extremamente original na área de Serviço Social. Não temos trabalhos que façam a vinculação entre ética, saúde e os hospitais de custódia. Também temos poucas discussões em termos de ética, não só no Serviço Social como em outras áreas, numa abordagem mais crítica.
Valéria Forti: O livro Ética, Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional discute política social e Direito. O eixo de discussão é o mesmo nos dois livros, porém Ética e Direitos: Ensaios Críticos é uma coletânea com diferentes autores e o outroé minha tese de doutorado, que foi orientada pela professora Yolanda Guerra. Por isso, os dois livros foram lançados juntos. Eles caminham na mesma direção. São dois livros que eu considero em todos os sentidos como nossos (meu e da Yolanda).
Olhar Virtual: Qual é a principal crítica de Ética, Crime e Loucura: Reflexões sobre a Dimensão Ética no Trabalho Profissional?
Valéria Forti: Discuto a questão da ética, da economia capitalista e dos hospitais de custódia do Rio de Janeiro. Esse é um assunto que não se aborda, principalmente considerando todo o movimento da reforma psiquiátrica, que não trata dessa questão.
No livro, discuto a questão dos hospitais de custódia e o tratamento psiquiátrico, que é um campo, iminentemente, vinculado à área criminal. O livro foi levado para uma editora de livros de Direito, que, entendendo a importância desse campo, abriu um conselho editorial de Serviço Social dentro da editora, do qual fazemos parte eu e Yolanda.
Olhar Virtual: Por que a opção por estudar os hospitais de custódia?
Valéria Forti: No livro, eu faço um questionamento sobre a existência dessas instituições (hospitais de custódia). As pessoas que chegam lá por terem cometido algum crime estão em surto e não têm consciência do que fizeram. Provavelmente, se tivessem políticas sociais, elas não chegariam ao surto, pois teriam todo tipo de assistência e acesso a medicamentos. As famílias também teriam assistência e com isso uma nova visão da doença. Em geral, as pessoas que chegam aos hospitais de custódia cometeram crimes no seio familiar. Essas pessoas são duplamente estigmatizadas: primeiro porque cometeram um crime e segundo porque são portadoras de doença mental. Será que essas pessoas estão lá porque ameaçam a sociedade ou porque querem esquecê-las lá? Existem pessoas que estão nesses hospitais há 30 anos.
Eu trabalhei com os Hospitais de Custódia porque lá é um “campo parâmetro” e que tem (ou deveria ter) a interseção de diferentes políticas sociais na área de saúde, psiquiatria, penitenciária, assistência e segurança.
Nos depoimentos que colhemos entre os funcionários que trabalham nos hospitais de custódia, há um em que a assistência social afirma que aquele local é um microcosmo da sociedade brasileira e que revela as mazelas da nossa sociedade.
Olhar Virtual: Depois desse trabalho, quais são as perspectivas para o futuro?
Yolanda Guerra: Os professores que escreveram para Ética e Direitos: Ensaios Críticos são referências na abordagem da ética no Serviço Social e no Direito. Um dos nossos objetivos é criar um núcleo interinstitucional de estudo e pesquisa sobre ética e Direitos. Nossa perspectiva é o trabalho coletivo, porque nós sabemos que nenhuma pesquisa se sustenta individualmente. Precisamos juntar as nossas inquietações, transformá-las em objetos de pesquisas e estudá-los coletivamente. Com isso, conseguiremos dar sentido à nossa produção acadêmica, que é muito rica.