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Edição 273      28 de outubro de 2009


Entrelinhas

Ficção e realidade no mundo pós-moderno

Vanessa Raposo


Qual o papel da produção ficcional numa sociedade onde o conceito de real se torna cada vez mais questionável? E como as duas vertentes, cada vez menos separadas, relacionam-se no mundo pós-moderno? Essas e outras questões são abordadas pelo  livro A nova posição da ficção na pós-modernidade e a mídia, de Leonardo Schabbach Oliveira.

Apaixonado por literatura, ficção e filosofia, Leonardo Schabbach formou-se em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) e atualmente é mestrando no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFRJ, na linha de pesquisa de Mídias e Mediações Socioculturais. Além do estudo – que pretende continuar desenvolvendo para o mestrado –, atualmente trabalha em um romance, escreve poemas e contos, e mantém o blog Na Ponta do Lápis.

Lançado no dia 13 de outubro em formato impresso e em E-book pela Biblioteca 24x7, o livro aborda como a ficção pode atuar na “vida real” e como, da mesma maneira, a contemporânea relação com a realidade cria novos modelos ficcionais. Através de estudos baseados em formulações teóricas e pesquisa sociológica e filosófica, A nova posição da ficção na pós-modernidade e a mídia é voltado para todos aqueles que tenham interesse por ficção e pelas variações produzidas no mundo pós-moderno. Para o autor, a grande importância do livro é ampliar o debate e a compreensão da produção de “verdades” e realidades nos discursos propagados pelas mídias.

Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do livro? Ele visa algum público específico?

Leonardo Schabbach: A ideia surgiu em uma das aulas do meu orientador, Márcio Tavares d’Amaral, quando ele falava dos pensadores pós-modernos, especificamente de Baudrillard. A questão que me surgiu foi: num mundo em que se diz, com cada vez mais veemência, que o real já não mais existe, que é um simulacro, como a ficção seria percebida? A partir desse ponto, fui procurar indícios nas diversas mídias e, principalmente, na literatura para organizar as minhas hipóteses. Eu não concordo necessariamente com os pressupostos dos filósofos pós-modernos, mas resolvi tentar compreender qual seria a posição da ficção em uma sociedade que aos poucos começa a supervalorizar o virtual em detrimento do real.

Em relação à segunda pergunta, creio que não há um público em que viso especificamente. Naturalmente, pessoas envolvidas com comunicação e literatura estariam mais interessadas, mas creio que qualquer um que se interesse por ficção ou que goste de observar as mudanças sociais poderia se identificar com o livro.

Olhar Virtual: Quais autores mais influenciaram em sua pesquisa?

Leonardo Schabbach: Como disse anteriormente, algumas ideias do meu orientador, Marcio Tavares d’Amaral, foram fundamentais. Além disso, Baudrillard me deu a questão de onde retirei minhas hipóteses e estruturei minha proposta. Já Michel Foucault e Muniz Sodré foram muito importantes para definir como a ficção e a mídia passam a ter uma influência grande na sociedade – Foucault com sua visão sobre os conceitos de verdade e poder, e Muniz com a questão do bios midiático. Zygmunt Bauman também foi muito importante no livro para estruturar as diferenças entre as formas de viver moderna e pós-moderna.

Olhar Virtual: Qual é o papel da ficção num mundo onde a realidade se torna uma espécie de simulacro? E, num sentido contrário, como essa realidade “alterada” influencia na produção ficcional? Poderia dar alguns exemplos?

Leonardo Schabbach: Esta é justamente a questão que trago no livro. Na modernidade, quando se produzia ficção, era preciso ter toda uma preocupação com a representação do real, com as questões de verossimilhança etc. – como vemos nos grandes clássicos da ficção científica, a exemplo dos livros de Júlio Verne, em que a preocupação em justificar as aventuras fantásticas por meios reais era tão grande que ele chegou a prever diversos avanços científicos muito antes de eles acontecerem. Entretanto, a partir do momento em que o próprio real é percebido como um simulacro, a ficção passa a ter um mesmo statusque esse real, status de simulação. Logo, o ficcional, que antes precisava representar o real, liberta-se desta obrigatoriedade e pode criar as suas próprias realidades simuladas – e temos grandes exemplos disso na literatura, como em A Metamorfose, de Kafka, que creio ter sido o início desta nova maneira de produzir e perceber o ficcional, diversos contos e obras de Borges e Calvino e, mais recentemente, com os autores portugueses José Saramago e Gonçalo M. Tavares.

Uma ficção que se encontra num mesmo nível de relevância, digamos assim, que o real gera algumas questões importantes. A ficção passa, neste contexto, a ter uma influência considerável sobre a sociedade, especialmente pelo fato de que é produzida, editada e divulgada pelas diversas mídias, que hoje permeiam constantemente a vida das pessoas. A partir do momento em que o ficcional se torna algo de mesma substância que o real, aquilo que é por ele produzido não mais precisa ser julgado, comparado ao real e absorvido criticamente, aquilo que é apresentado pelo ficcional é. Isso significa dizer que as noções de verdade e poder apresentadas nestes ambientes poderão ser absorvidas pelos indivíduos e, desta maneira, passar a se tornar valores sociais.

Olhar Virtual: Essa sobreposição ficção-realidade é diferente dependendo do meio pelo qual se comunica?

Leonardo Schabbach: Creio que a interação com o imaginário coletivo não muda. Ela é naturalmente diferente quando atinge grupos sociais diferentes. Isto porque a nova posição da ficção de que falo se dá por uma forma de ver o real, muito ligada aos novos dispositivos tecnológicos, à supervalorização do virtual. Esta é uma ressalva importante a ser feita. No Brasil, por exemplo, ainda é minoria a população que vive nesse modelo, enquanto em países da Europa acontece o contrário. Em geral, quanto mais abrangente for o meio (falo aqui de rádio e televisão), maior será a presença de características da modernidade na ficção e, consequentemente, menor será a presença das da pós-modernidade. Por isso escolhi a literatura para fazer o estudo.

Olhar Virtual: E qual o papel da mídia dentro desse contexto pós-moderno?

Leonardo Schabbach: Não chego a apontar um papel específico que a mídia deve tomar no livro, mas sim a importância que ela passa a ter e a necessidade de estudá-la. Afinal, pelo fato de ser a mídia quem cria, edita e divulga a ficção de que falei, ela se torna o ambiente no qual as pessoas buscam formar suas noções de verdade, identidade e até mesmo consciência. Tem uma frase do Muniz Sodré que gosto muito de citar, do livro Antropológica do Espelho, que explica bem a situação: “Ninguém vota em um político ‘televisivo’ porque a tevê manda, à maneira manipulativa do Grande Irmão orwelliano, e sim porque fez sua escolha a partir de um cenário – que a tevê cria por notícias convenientemente editadas, dramas, espetáculos, entrevistas, comentários”.

Olhar Virtual: Existiria, então, uma disputa pelo olhar midiático, na tentativa de se gerar uma espécie de “verdade mais verdadeira”?

Leonardo Schabbach: Creio que há sim uma disputa por este olhar midiático. Como digo, são diversos discursos diferentes que tentam impor, por meio das diversas mídias e das criações ficcionais, a sua verdade como “mais verdadeira” (embora isso não signifique que ela realmente o seja), pois, como aponta Foucault, assim se passa também a deter o poder.

Olhar Virtual: Como você vê a importância de seu estudo para a discussão da questão da produção de realidades em nosso tempo?

Leonardo Schabbach: É exatamente disso que trato, da produção de realidade. Da mídia como uma produtora de realidades e, acima disso, também como produtora de verdades. Basicamente, o que tento “trazer à mesa” é que através da produção de realidade, que se dá por intermédio da ficção, a mídia se torna uma produtora de verdades e passa a influenciar a sociedade; seja na criação de identidades, formação de consciência ou estabilização de relações de poder. O que pretendo é justamente defender a ideia de que podemos tentar entender a mídia por essa ótica, de que é interessante pesquisá-la através dessa visão.

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