Edição 269 30 de setembro de 2009

Anna Cláudia   Ramos acaba de lançar seu novo livro A história de   Clarice, que trabalha com a intertextualidade entre três textos   literários: “A vendedora de fósforos” e “O soldadinho de chumbo”,   de Hans Christian Andersen e “A bolsa amarela”, de Lygia Bojunga.   Para Clarice, a protagonista dessa história -- uma menina de dez anos que não tem pai nem mãe -- a leitura desses três textos ajudou a   resolver seus próprios conflitos.  
A escritora de livros infanto-juvenis já tem mais de 40 livros publicados em 17 anos de carreira. Consagrada, ela viaja pelo Brasil realizando oficinas de leituras e contando sua vasta experiência no convívio com crianças leitoras. Atualmente ela está no segundo mandato como presidente da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil e investe também na atividade de ilustradora de suas histórias. Em meio ao lançamento de A história de Clarice, Anna falou ao Olhar Virtual sobre o seu novo livro e a literatura infantil.
Olhar Virtual:  Seu A história de Clarice traz o aspecto da intertextualidade   com os livros de Andersen e de Lygia Bojunga. Isso é usual na literatura   infantil?  
ACR:  Isso é muito mais usual do que se pensa. Muitos livros de literatura   infantil e juvenil dialogam com outras histórias, fazem referências   a outros. 
Olhar Virtual:  É a primeira vez que você trabalha com intertextualidade em um livro   seu? É um desafio muito grande tornar esse recurso narrativo fácil   de ser assimilado pelas crianças?  
ACR:  No meu caso específico foi a primeira vez que fiz um trabalho tão   consciente de intertextualidade, pois eu quis fazer uma homenagem a   alguns livros que marcaram minha infância. A história de Clarice dialogou com outras obras de uma forma que mesmo quem não tenha lido   os livros citados vai perceber. Agora, quem conhece a obra da Lygia   Bojunga e os textos de Andersen vai conseguir fazer um mergulho mais   fundo no texto. Estive com crianças de 4ª série semana passada e   elas entraram no texto de uma forma impressionante, pois são crianças   com experiência de leitura. Foi maravilhoso e o retorno foi incrível.  
Olhar Virtual:  Em que situações você se sente recompensada por ser escritora de   livros infanto-juvenis?  
ACR: Quando visito escolas ou participo de eventos como Feiras de Livros   e troco ideias com os leitores. De um modo geral é muito gratificante   essa troca. Muitas vezes também recebo e-mails de leitores contando   como meus livros tocaram suas vidas. Isso é muito bom. Como diz aquele   comercial, não tem preço.  
Olhar Virtual:  Como é o reconhecimento por parte dos leitores? Eles têm consciência   da questão da autoria das histórias?   
ACR:  O reconhecimento é sempre muito bom, e acredito que as crianças começam   a entender a questão da autoria, sobretudo, quando encontram com autores.      
Olhar Virtual:  O seu trabalho de ilustradora te dá tanto prazer como o de escritora?    
ACR:  Me sinto muito mais uma escritora do que uma ilustradora. Só ilustro   alguns projetos bem específicos, mas, com certeza, ilustrar me dá   tanto prazer quanto escrever.   
Olhar Virtual:  Você encontra semelhanças entre o seu estilo de escrever e de desenhar?  
ACR:  São coisas tão diferentes, mas o que vejo em comum entre meus desenhos   e meus textos é a cumplicidade com a criança.  
Olhar Virtual:  Como você classifica a importância das ilustrações em comparação   com o texto em histórias para o público infantil? 
ACR:  Não há o que comparar. São duas linguagens diferentes e cada uma   tem o seu devido valor. Num livro infantil então existe uma parceria   muito grande de texto e imagem. Temos dois autores: o de texto e o de   imagem.   
Olhar Virtual:  Qual a importância dos pais lerem os livros com os filhos? 
ACR:  Fundamental, pois nessa relação existe afeto e amor, e isso   os filhos nunca se esquecem. Até hoje meus filhos se lembram das histórias   que líamos quando eles eram pequenos. E não é porque a criança já   sabe ler que os pais devem parar de ler com elas. Muitas vezes me sento   com minha filha (que está com 15 anos) e lemos uma história juntas.   É tão bom, nos divertimos muito. Ou choramos, se a história for triste.    
Olhar Virtual:  De que forma os livros infantis devem ser utilizados nas escolas? 
ACR:  Com respeito e sem medo dos livros nem dos temas. Com o olhar das diferenças,   da intertextualidade. Para se formar leitores é preciso oferecer bons   livros e ter um mediador que ame literatura para cativar aqueles que   ainda não são leitores. Os alunos que já gostam de ler, vão ler   sempre, independente do professor e da escola. As escolas deveriam estar   preocupadas em formar leitores críticos, pensantes e não apenas em   ensinar literatura. Deveriam estar mais ligadas na literatura como arte.   Literatura é arte, é vida. E merece ser discutida enquanto tal. Experimente   oferecer livros para crianças e jovens e deixe que eles escolham o   que querem ler. Peça que façam críticas sobre os livros, mas críticas   bacanas e não apenas “gostei ou não gostei do livro”, isso não   vale! Forme cirandas de leituras nas salas de aula. Promova debates   inteligentes e veja o que acontece. Garanto que o resultado vale a pena.   E não espere que todos os alunos amem ler, mas se uma parte da turma   começar, maravilha! A literatura infantil e juvenil deveria ter um   lugar especial nas escolas. Recomendo a leitura do texto Por um lugar   especial para a literatura nas escolas, que eu e o escritor Luiz   Antonio Aguiar fizemos para alguns eventos que estivemos presentes.   Pode ser acessado e lido no site www.aeij.org.br.   
Você tem planos   para escrever para o público adulto?  
ACR:  Tenho sim, mas isso não é prioridade na minha vida. Eu optei por escrever   para crianças e jovens, que é muito difícil, mas nem todo mundo entende   isso. Muita gente ainda pensa (de forma equivocada!) que escrever para   crianças é fácil. Fazer literatura infantil e juvenil de qualidade   é muito mais difícil do que se possa imaginar. Requer habilidades   e conhecimento.   
Qual a idade   ideal para se começar a ler “literatura adulta”? Isso deve implicar   em abandonar os livros infanto-juvenis ou não?    
ACR: Não existe uma idade ideal para se começar a ler literatura adulta, como você diz, pois cada leitor tem uma maturidade de leitura diferente. Agora não se deve abandonar a literatura infantil e juvenil nunca, pois acredito que ela tem uma idade para começar, vamos dizer assim, mas não para parar. Se um livro infantil e juvenil tem qualidade literária ele toca qualquer leitor. O que não dá pra ler é literatura ruim, mas aí não dá pra ler em idade nenhuma. A boa literatura infantil e juvenil encanta e ajuda a formar novos leitores adultos que ainda não têm fôlego de leitura.