Edição 265 02 de setembro de 2009
Um dos mais conhecidos pontos de turismo sexual, em uma das mais famosas paisagens da cidade do Rio de Janeiro e até mesmo do Brasil, a boate Help está com os dias contados. O governo do Estado irá instalar na área o novo Museu da Imagem e do Som (MIS) e o projeto vencedor do escritório de arquitetura americano Diller Scofidio + Renfro está causando polêmica por descaracterizar a já tão conhecida paisagem da praia de Copacabana.
Para discutir o tema, o Olhar Virtual conversou com Pedro Lessa, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU), e com Angela Ancora da Luz, diretora da Escola de Belas Artes (EBA).
“Um equipamento cultural só é bom quando funciona em sua particularidade e contexto. O acervo de imagens e sons do MIS é um dos mais importantes da América Latina. Ele não deve ser colocado num edifício na avenida Atlântica porque o ambiente ali é marinho e o Governo do Estado, não só este, mas também os anteriores, não tem segurança e continuidade administrativa que garanta fluidez e regularidade de recursos financeiros, técnicos e humanos para garantir a sua integridade. Se exames clínicos e equipamentos médicos são interrompidos deixando a população em risco de vida, temos certeza de que, por descontinuidade de cuidados, fotos, filmes e fitas de valor irrecuperável podem desaparecer.
Por trás da boate e do descaminho ali existente, há uma indústria que lucra com o enorme fluxo de turismo externo e local de Copacabana. Enxotada, essa indústria se desloca e se reinstala em outros locais do bairro. O combate a esse mal só funciona se for feito por outros canais e instrumentos.
O projeto suscita três questões. A primeira é o fato de ele ser a solução arquitetônica final de um processo autoritário de ocupação de um lote público. A segunda questão é que o projeto põe em dúvida a continuidade da ‘rua corredor’, que caracteriza tradicionalmente a Atlântica – a curva da avenida é feita pela sequência de planos justapostos. O projeto vencedor propõe essa quebra. É uma proposta urbana diferente da atual. Ora, nada é eterno, e uma avenida pode ser mudada, mas se o edifício é público, a população não pode ser excluída do debate para a mudança de uma avenida de que gosta tanto. A terceira questão é que, mesmo concordando com os méritos arquitetônicos do projeto vencedor, ninguém pode negar que ele é extremamente datado. Ou seja, em dez anos, ele, mesmo bem conservado, o que não será barato, parecerá descabidamente antigo. Isto é péssimo, principalmente para um museu público, um equipamento cultural custoso e raro, que deve se fixar por décadas como atrativo para diferentes públicos.
Creio que uma visita aos outros equipamentos culturais do estado mostrará que esta verba – se alocada na requalificação de um prédio antigo entre os inúmeros semiabandonados da cidade – nos daria um grande MIS – menos na orla e, certamente, muito mais bem posicionado para atender às populações de outros bairros e municípios. Agindo assim ainda sobrariam recursos a serem aplicados em programas de manutenção física de outros edifícios de uso cultural e em programas educativos de formação de público para o patrimônio e para a arte. Isto tem menor apelo de mídia, mas certamente atenderia mais às necessidades da população.
Com as novas técnicas informatizadas de simulação de cenários de logradouros e edificações, o Urbanismo se fixou como uma das poucas ciências complexas que pode ser perfeitamente explicada e debatida por um público leigo. Se convidassem a população para antever, em telões, o novo trecho da cidade, o governador e os secretários se surpreenderiam com a capacidade de o público se interessar e debater o que ainda nem foi construído.”
“Creio que o Museu da Imagem e do Som é de grande importância para a cultura de nossa cidade e país. É necessário que se desenvolvam estímulos à preservação de nossa memória. É por ela que a história se confirma e a identidade se estabelece. Eu não tenho dúvida de que este espaço continuará a trazer benefícios para a cidade, mas penso que o centro da cidade seria um local mais apropriado. Gosto de pensar na Cinelândia, por exemplo, com o Museu Nacional de Belas Artes, a Biblioteca Nacional, o Teatro Municipal, o Centro Cultural da Justiça Federal, enfim, uma quantidade de prédios que são lugares de memória e referências marcantes na vida da cidade. Sei que é difícil, mas se o Museu da Imagem e do Som fosse para o centro ou, quem sabe, para a Lapa ou Praça Tiradentes, teria uma contextualização mais efetiva na vida cultural da cidade.
Quanto ao fato de o novo edifício vir a ocupar o local da boate Help, não vejo por que nem como contribuirá para acabar, ou mesmo diminuir, com o turismo sexual do bairro. Hoje mesmo, lemos no jornal que já existe um outro ponto para a migração da prostituição. Será a rua Prado Júnior, um dos locais de maior efervescência do bairro. Contudo, acredito que se não for a Prado Júnior será outro ponto.
Penso que o dinheiro que se investirá no projeto representará uma aplicação positiva, pelo fato de se preservar a nossa memória cultural, porém, em relação ao bairro, acredito que outros investimentos seriam mais oportunos. O projeto do escritório Diller Scofidio + Renfro é muito interessante isoladamente, como uma poética de grande sintonia com o mundo contemporâneo e a cidade global, mas, no universo de todo um vocabulário arquitetônico que já está consagrado em Copacabana, ele se torna como um corpo estranho. Isto não quer dizer que a paisagem do bairro será descaracterizada, até porque há uma tal presença na sua própria poética que ela continuará a ser vista pela sua totalidade, pelo seu calçadão, pela proximidade com um mar exuberante que se derrama à frente dos grandes edifícios. Esta marca de Copacabana como a ‘princezinha do mar’ não será abalada.”