A sociedade brasileira ainda guarda uma herança da escravatura. Essa é a opinião do professor Muniz Sodré, da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, que participou na última quinta, dia 15, do seminário “O Papel da Mídia no Debate sobre Igualdade Racial” na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). A palestra teve o propósito de debater o papel dos veículos de comunicação nas questões relativas a desigualdades raciais e a atuação da mídia numa sociedade democrática, seus limites e responsabilidades. Além de Sodré, estavam presentes Miriam Leitão, colunista de economia do Jornal O Globo e Rosângela Malaquias, integrante do Centro de Estudo das Relações de Trabalho e Desigualdade (CEERT).
Segundo Sodré, existem rótulos para os negros na população, que também estão presentes na mídia. Exemplos são os papéis desempenhados por atores negros em telenovelas, na maior parte das vezes como empregadas domésticas ou motoristas, além de serem sempre objetos de ciência nas pesquisas e trabalhos de antropólogos e sociólogos, porque ainda são estereotipados como “mudos”. Para o professor, a grande arma a favor do combate à descriminação racial é a aproximação, ou seja, quebrar as barreiras impostas aos negros e aproximá-los de locais antes quase não frequentados por eles, como, por exemplo, universidades, grandes empresas e mídia.
Perguntado sobre o papel da mídia nas ações afirmativas para igualdade racial no Brasil, Sodré afirmou que os meios de comunicação constroem e impõem as realidades. Logo, são de suma importância para ações afirmativas contra a desigualdade. Por isso, é necessário dar voz a pequenas dissidências favoráveis à mobilização social dos negros, como a revista Raça.
A respeito das cotas, Sodré considera que a mídia se manifesta de forma quase sempre desfavorável. Segundo pesquisa de Rosângela Malaquias, do CEERT, a maioria das grandes empresas de comunicação no Brasil é contra a medida. Os jornais Folha de São Paulo e Estadão e a revista Veja, três dos maiores veículos comunicativos do país, comentam o assunto, mas suas reportagens são 100% contrárias, argumentando que a ação fracassou em outros países, e que a solução para a desigualdade não está no ensino superior, mas sim no ensino básico de qualidade para todos. O O Globo é a exceção, porque exibe mais matérias sobre o tema e tem um percentual mais equilibrado nas tendências das opiniões: 56,5% contrárias e 40% a favor. Os veículos contrários às cotas nunca abordam o ponto de vista de fontes favoráveis, como o arquiteto Oscar Niemeyer, o cineasta Nelson Pereira dos Santos e os atores Lázaro Ramos e Wagner Moura. Para o professor, a lei de cotas é positiva porque melhoraria as condições sociais dos negros, além de aproximá-los das universidades frequentadas, em sua maioria, pelos brancos.
Miriam Leitão, do jornal O Globo, afirmou no debate que a classe média brasileira tomou um susto quando a lei das cotas entrou em discussão, pois achou que a ação iria dificultar a entrada dos seus filhos nas universidades. Os jornais então refletiram esse pânico em suas matérias, totalmente desfavoráveis à medida. A jornalista se disse favorável às cotas, pois acredita que são uma ação contra a desigualdade social.
A exclusão dos negros e pardos dos meios de comunicação brasileiros ganhou foco no debate. Dificilmente se encontram pessoas que não sejam brancas em capas de revistas, protagonizando novelas ou na apresentação de programas televisivos. A TV Record, pertencente à Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), exibe em seu programa Fala que Eu Te Escuto, pequenas montagens condenando as religiões de origem africana, relacionando-as com o demônio e mostrando que a salvação está na IURD. A sociedade brasileira é desigual e a mídia é o seu reflexo. Na atualidade, a novela da Rede Globo Viver a Vida tem uma protagonista negra, a atriz Taís Araújo, e a revista Cláudia começou uma campanha para diversificar suas capas e abordagens, incluindo o público negro na pauta, fatos que simbolizam pequenos passos num longo caminho para a igualdade racial nos veículos de comunicação.
Ao final do debate, foi opinião predominante entre os presentes que a mídia conseguirá atuar em favor de ações por igualdade racial quando houver a democratização dos meios de comunicação, hoje monopolizados por empresas favoráveis à permanência da desigualdade.