Com imagem popularizada por todo o mundo, Ernesto Guevara de La Serna volta ao tema dos debates com o lançamento da primeira parte do filme do diretor Steven Soderbergh, Che – O Argentino. O longa-metragem retrata a luta armada comandada por Fidel Castro contra a ditadura de Fulgêncio Batista em Cuba, reproduzindo episódios da guerrilha diferentemente da representação de cenas de ação e aventura que vemos em filmes hollywoodianos.
A retratação realista do filme, que se aproxima da linguagem de um documentário, colabora, segundo Marcelo Braz, professor da Escola de Serviço Social da UFRJ, com a “desromantização” daquele que virou ícone estampado em camisetas, biquínis, broches, pôsteres, entre tantos outros objetos comercializáveis:
— É importante dizer que o filme está centrado no personagem Che, e isso é indiscutível. Mas o filme não romantiza sua figura; pelo contrário, o humaniza no sentido de que ele foi um humano que teve suas virtudes e seus problemas, inclusive de relações, com suas mesquinharias. Enfim, põe Che num lugar que corresponde politicamente ao processo revolucionário cubano, e quando faz isso, põe Fidel no lugar certo, não secunda sua figura, muito pelo contrário — analisa Braz, também integrante do Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas da UFRJ (NEPEM).
A boina com uma estrela
De acordo com o professor, a romantização, à qual o filme foge, e a massificação da figura de Che Guevara ocorrem desde o início dos anos 90, época de acontecimentos que marcaram o triunfo do Capitalismo, como a unificação da Alemanha com a queda do Muro de Berlim e a dissolução da União Soviética. Ele afirma, ainda, que, desde então, Che passou a ser uma “figura inofensiva” diante da intensificação da propaganda ideológica que divulga o fim das possibilidades revolucionárias, o fim dos ideais socialistas, ocasionando o que ele chama de “rebaixamento do horizonte político”.
— Acredito que a veiculação massificada da figura do Che para além dos interesses mercantis tenha a ver com uma identidade que as pessoas criam com a imagem de Che, identidade romântica, idealizada, no sentido ruim dessa expressão. Uma imagem romântica de busca de sonhos, de busca de realização de projetos, de acreditar na possibilidade de vitórias, de generosidade e solidariedade. Interessa mostrar mais esse Che que não deixa de sonhar. Já a imagem de Fidel é de dureza, pragmatismo. Che, não, tinha um sonho, e com esse sonho ser comparado a John Lennon e a Gandhi, por exemplo, não falta muito — diz Braz, que acrescenta: — Porque a figura revolucionária passou a ser uma figura inofensiva, a massificação da sua imagem é como a massificação de qualquer outra que possa ser veiculada comercialmente, que pode ser mercantilizada. Então se vê que hoje o Che pode ser uma marca conhecida tal como Coca-cola, como o M de Mc Donalds, pode estar estampada na camiseta à venda nas lojas.
A polêmica Veja
Quem realmente foi Che Guevara é ainda motivo para polêmicas. Se de um lado temos a romantização de sua imagem por grande parte da mídia, também temos matérias demonizantes, que comprovam a presença do maniqueísmo midiático. No ano passado, a Revista Veja gerou polêmica ao publicar a matéria “Há quarenta anos morria o homem e nascia a farsa”, referindo-se a Che como “guerrilheiro maltrapilho e sujo metido”. A matéria, que enfatizou Che como assassino e que destacou ser essa sua personalidade desconhecida ou esquecida, foi desmentida pelo jornalista norte-americano John Lee Anderson, que inclusive foi citado para argumentação do lado negativo de Che.
Lee Anderson dedicou cinco anos de pesquisa sobre a vida de Che, resultando no livro Che Guevara – Uma Biografia, lançado em 1997. Desde então, o jornalista é referência para falar sobre o revolucionário. Ele aparece, portanto, em citações decorrentes da autoria da biografia, em depoimentos para documentários, e, no caso do filme de Soderbergh, foi ele o consultor especial para preparação do roteiro.