
Fotografar é um ofício que seduz a  humanidade desde sua invenção. O aparelho capaz de imortalizar os instantes  surpreendeu o mundo quando, em 1839, Louis Daguerre  apresentou o chamado “daguerreótipo”, invento considerado o precursor das  modernas máquinas fotográficas. 
O primeiro local  a ser fotografado por Daguerre foi o Boulevard du Temple de Paris, quando a  avenida estava repleta de transeuntes e carruagens. Durante os dez minutos de  exposição necessários para que a luz pudesse se fixar na chapa de metal que constituía a máquina, foi capturada a imagem  de um homem, que, quieto, parecia limpar suas botas. Assim, há 170 anos, nasceu  a primeira fotografia como registro da presença humana. A figura do homem  anônimo entrou para a história.
  
Desde então, a  evolução das modernas máquinas fotográficas modificou não apenas a  concepção que se tem da arte, como também o próprio trabalho dos fotógrafos. Segundo  Maurício Lissovski, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO–UFRJ), em  seu livro Máquina de esperar: origem e  estética da fotografia moderna, o surgimento da fotografia espontânea  alterou, até mesmo, a noção de tempo. 
  
O autor argumenta que os modernos  aparelhos fotográficos constituem “máquinas de esperar”, ou seja, são  dispositivos capazes de fazer fluir o tempo, que se desdobra para além da  duração da própria imagem. O Olhar  Virtual conversou com o professor Lissovski a respeito do assunto:
Olhar  Virtual: Como surgiu a ideia do livro? Qual sua principal proposta? 
Maurício Lissovski: O livro é uma versão reduzida de minha tese de doutorado, concluída em 2002, na  Escola de Comunicação da UFRJ. Toda a argumentação que desenvolvo no livro  nasce de uma pergunta: “Para onde foi o tempo depois que a fotografia se tornou  instantânea?” Eu sugiro que esse tempo vai para a “espera” e que uma história e  uma estética da fotografia moderna poderiam ser pensadas no modo como os  fotógrafos modernos esperam.
    
    
Olhar Virtual: Como o livro busca formular uma teoria estética da fotografia moderna? Quais as origens da fotografia moderna?
    
Maurício Lissovski: Vou  relacionar a origem da fotografia moderna a esta experiência de fazer “refluir”  o tempo para fora da imagem. A partir dessa premissa, o livro propõe uma teoria  do instantâneo fotográfico moderno, dissociada da ideia da interrupção do  movimento, que é a visão tradicional que se tem dele. Eu passo a considerar as  formas da fotografia moderna – mais precisamente suas possibilidades de sentido  – a partir dos traços do refluir do tempo que restam na imagem (que eu chamo de  “aspectos”). Isto é, proponho que diferenças no modo como os fotógrafos  “esperam” favorecem o advento de certos aspectos instantâneos em detrimento de outros. 
    
    
Olhar Virtual: O que é a “máquina de esperar” e como se aplica a noção de “espera” na fotografia moderna?
    
Maurício Lissovski: A “máquina de esperar” é a máquina fotográfica pensada como uma máquina que  produz defasagem entre o olho e o dedo. Isto é, produz um intervalo entre  percepção (olhar) e ação (acionar o obturador). Este intervalo constitui os  fotógrafos como sujeitos – “autores”.
  A “máquina de esperar” opera por hesitação a partir de um  mecanismo muito simples: o fotógrafo hesita entre “é agora”  e “não é  agora”, por um lado, e entre “espero mais” e “não espero mais”, por outro. Mas  o que torna tudo isso mais complicado é que, se não é agora, então se espera  mais; e se não se espera mais, então é agora. A máquina de esperar é na verdade  um jogo, o jogo jogado pelos fotógrafos modernos. 
    
    
Olhar Virtual: Como a imaterialidade  das fotografias digitais está mudando a percepção do espectador? 
    
Maurício Lissovski: Não acredito que estejam ocorrendo mudanças significativas na “percepção”  quando pensamos estritamente nas imagens. Alguns autores recentemente têm  sustentado que, como questão, a fotografia digital não existe, isto é, não há  nada de específico nela que a distinga teoricamente da fotografia analógica. Por  outro lado, estão ocorrendo mudanças importantes nos modos de circulação dessas  imagens e na diluição do seu caráter material, de “coisa”. 
    
Olhar Virtual: Quais as perspectivas para o futuro da fotografia?
    
Maurício Lissovski: É um pouco cedo para dizer qual o destino da fotografia, pois ainda estamos muito marcados pela experiência moderna da fotografia. Creio que ainda são olhos modernos que olham para as fotografias atuais, assim como com olhos modernos que olhamos as fotografias clássicas, do século XIX; e, por isso, muitas vezes não as compreendemos.