Tema cada vez mais discutido na sociedade, a diversidade sexual ganhou destaque também na UFRJ com a criação do projeto Diversidade Sexual na Escola. Lançada em 2006, a iniciativa visa questionar o mito de que há tolerância nos colégios e objetiva ainda preparar educadores e outros profissionais para lidar com questões relativas à homo e à bissexualidade. Com esse intuito, são promovidas oficinas em escolas, peças teatrais e cursos de extensão, além do desenvolvimento de material de orientação a professores.
Como parte integrante do projeto, no início do mês, foi criado o blog Diversidade Sexual na Escola (http://diversidadesexualnaescola.blogspot.com). A ideia é ter disponibilizar um espaço de discussão e divulgação do tema. Para entender melhor a produção do blog e o projeto como um todo, o Olhar Virtual conversou com Alexandre Bortolini, coordenador do projeto vinculado à Pró-reitoria de Extensão (PR-5).
Olhar Virtual: Quando você notou a necessidade de ter um projeto que tratasse sobre a diversidade sexual na escola?
A necessidade é óbvia. Há pessoas hoje que dizem que o preconceito contra homossexuais diminuiu muito e quase não existe mais. Mas será que isso faz sentido? Uma pesquisa realizada pelo IBOPE revelou que 56% dos entrevistados mudariam sua conduta com o colega de trabalho se soubessem que ele é homossexual. Um em cada cinco se afastaria e passaria a evitá-lo.
Olhar Virtual: Qual é a importância do debate sobre diversidade sexual no ambiente de ensino?
Na escola, os preconceitos e os atos de discriminação contra homossexuais muitas vezes são naturalizados e banalizados. Os próprios educadores não consideram esses casos como relevantes. São brincadeiras, coisa sem importância. Muitas vezes os professores não só silenciam, mas colaboram ativamente na reprodução dessas violências.
Nesse estudo, um quarto dos alunos entrevistados afirmou que não gostaria de ter colegas homossexuais. O percentual fica maior ainda quando se trata apenas dos meninos. No Rio de Janeiro, entre os responsáveis, 40% não gostariam que seu filho estudasse junto com um colega homossexual. Esse percentual cai muito entre professores, mas há ainda um grande número de educadores que rejeitam a ideia de ter um aluno gay ou uma aluna lésbica. No Rio de Janeiro, 15% dos estudantes acham que a homossexualidade é uma doença, chegando a 23% entre os homens. O percentual é de 16% entre os educadores.
Numa pesquisa realizada durante a Parada do Orgulho GLBT no Rio de Janeiro, 40% dos adolescentes homossexuais entrevistados contaram já haver sofrido casos de discriminação dentro da escola. Entre jovens de 19 a 21 anos, 31% se referiram a discriminações na escola ou na faculdade. Na mesma pesquisa, 65% dos homossexuais já haviam sido vítimas de algum tipo de preconceito e 60% já haviam sofrido alguma forma de violência. A escola aparece em terceiro lugar como local ou contexto da discriminação (27% dos casos), atrás apenas do ambiente familiar e dos amigos e vizinhos. Mantém a mesma posição como espaço onde acontecem as agressões e outras violências (10%).
Olhar Virtual: Dentre os problemas que você presencia em ambientes de ensino, qual deles é o que mais preocupa?
A forma como muitos educadores lidam com a discriminação, e mesmo com a violência, contra estudantes gays, lésbicas, trans ou que, de algum modo, fogem dos modelos hegemônicos de comportamento de gênero. Grande parte dos educadores naturaliza ou banaliza essas situações, ou mesmo identifica o aluno gay como “culpado” por sofrer determinada agressão. "Mas também, ele precisa se vestir daquele jeito?" "Mas também, o jeito que ele se comporta agride os outros meninos." O imobilismo ou mesmo a conivência de educadores com as situações de discriminação homofóbicas talvez sejam alguns dos maiores fatores que contribuem para a manutenção dessa situação de violência.
Olhar Virtual: Por que você decidiu pela construção do blog e como esse blog se integra com as outras atividades do projeto?
O blog é um espaço mais aberto de debate e troca. Ele vai ser usado como atividade paralela aos cursos de extensão que a gente realiza com educadores. Mas, além disso, ele é um espaço público e aberto de conversa e contato com várias pessoas de todo o Brasil que trabalham ou pesquisam sexualidade, diversidade e educação.
Olhar Virtual: Você comandará o blog sozinho ou ele contará com participações de outras pessoas?
Um blog, para funcionar de verdade, tem que ser uma construção coletiva. A gente vai postar questões, propor enquetes, mas é a participação dos visitantes que faz dele um instrumento tão interessante.
Olhar Virtual: Como a UFRJ se coloca diante do tema da Diversidade Sexual?
A UFRJ hoje, por exemplo, já reconhece os companheiros dos funcionários homossexuais como dependentes para o plano de saúde. Não há nenhuma postura institucional que seja discriminatória. Pelo contrário.
Mas será que não existe homofobia na UFRJ? Será que nenhum funcionário nunca foi excluído, preterido ou discriminado por ser (ou “parecer”) homossexual? Os alunos gays da Letras e da EBA podem manifestar afeto nas suas chopadas. Mas será que todos os alunos de todos os cursos podem? Será que nenhum aluno gay ou aluna lésbica já foi ou é discriminado na Engenharia, na Administração ou em outros cursos? Às vezes eu me pergunto se nós realmente vivemos um ambiente de respeito à diversidade dentro da universidade ou se muitas situações de discriminação e preconceito acontecem, mas simplesmente nós não as enxergamos. A invisibilidade é o maior desafio de todos. Se nós não conseguimos admitir ou enxergar a discriminação, fica muito difícil combatê-la. Talvez nós tenhamos que pensar, antes de tudo, em ações que tornem essas situações de discriminação (e é muito difícil imaginar que elas não aconteçam) visíveis, para que, enxergando cada uma delas, a gente possa começar a combatê-las.
Olhar Virtual: A Secretaria Estadual de Educação acabou de reconhecer o direito de alunas travestis e transexuais usarem uniforme feminino e terem seus nomes sociais (femininos) na caderneta escolar e na chamada. O que você pensa sobre isso?
Acho um grande passo, um passo fundamental em direção a uma escola que efetivamente respeite a diversidade de seus alunos e alunas. Outros estados e cidades já reconheceram esse direito. Agora é a vez do Rio.
Durante uma das oficinas realizadas em escolas públicas, os professores começaram um intenso debate sobre flexibilização ou não de normas e regras para uma aluna travesti. Depois de muitas idas e vindas, argumentos e contra-argumentos, uma professora, já exausta, lançou: “Ah! Mas ele é homem! E pronto!”
E aí nós chegamos ao que de fato importa nessa questão. Mudar o nome na chamada, permitir o uso do uniforme feminino, compartilhar o banheiro das meninas, tudo isso, no fundo, depende apenas de uma coisa: se o educador reconhece ou se rejeita a identidade feminina da travesti. Se ele reconhece, tudo é resolvível. Se, pelo contrário, ele rejeita, tudo é empecilho. Muitas vezes os professores vão justificar no preconceito dos alunos ou dos responsáveis a impossibilidade de acolher uma aluna travesti. Em muitos casos, o preconceito dos outros serve aí para acobertar a sua própria dificuldade de lidar com a questão.
Reconhecer a identidade do outro é passo fundamental para podermos iniciar qualquer relação equilibrada e solidária. Tentar impor os nossos conceitos de gênero a um aluno é desrespeitoso e invasivo, além de extremamente injusto, dada a desproporção de poder numa relação professor-aluno.
Muitos educadores olham as alunas travestis ou transexuais como potencialmente perigosas. E de fato elas são. São perigosas a partir do momento em que, pelo seu jeito de ser e de vestir, elas subvertem os padrões de comportamento de gênero socialmente estabelecidos. Mostram que esses padrões podem ser transformados e bastante questionados. São perigosas porque mostram que aquilo que parecia claro e óbvio talvez não seja. São perigosas porque podem fazer pensar.