Entrelinhas

O público e a era digital: da passividade à vigilância participativa



Isabela Pimentel


A virada do milênio trouxe consigo promessas de um novo mundo. No bojo da revolução eletrônica propiciada pela difusão da internet em 1995, a emergência da web entra em cena como possibilidade de concretização de um antigo sonho da humanidade. O antigo navegador veneziano Marco Pólo já imaginava, em fins do século XIII, ter, ao alcance de seus olhos, a possibilidade de desbravar o universo conhecido e estar em contato com culturas dos cantos mais distantes do planeta.

A fim de analisar os impactos sociais e culturais que a explosão das ferramentas colaborativas trouxe à vida do homem moderno, o professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO) Henrique Antoun organizou o livro Web 2.0: participação e vigilância na era da comunicação distribuída, obra lançada em 2008 e que reúne artigos de diversos especialistas em cibercultura, interessados em desvendar os enigmas da teia digital.

A tradicional noção de comunidade, baseada no pertencimento a um território comum, perde sua materialidade quando pessoas compartilham gostos, preferências e opiniões em sites de relacionamento ou grupos de discussão. Para Antoun, a web 2.0 alterou a ideia de “público”, substituindo-a pela de “usuário”, sepultando o antigo conceito de cultura de massa, para a emergência das ideias de comunicação distribuída e cultura participativa. Leia adiante a entrevista de Henrique Antoun ao Olhar Virtual

Olhar Virtual: O que  motivou a publicação do livro?

Henrique Antoun: A ideia que me inspirou na organização deste livro foi pensar nas transformações que o uso da internet introduziu na formação cultural das pessoas, em especial com o advento da chamada web 2.0, que introduz facilidades na participação dos usuários. O uso da interface da internet faz com que o vetor participativo seja otimizado.

Olhar Virtual: Como a web 2.0 mudou a participação do usuário?

Henrique Antoun: Cada vez mais se intensificou a demanda por participação. As pessoas não querem apenas exercer um papel passivo no jogo da comunicação, querem ser atuantes nos processos comunicativos. Houve mudanças, em termos culturais, advindas do crescimento desta participação, o que contrasta com os anos 80, em que os consumidores de informação eram passivos.  A web 2.0 surge no ano de 1999, a partir dos blogs e de outras interfaces como redes sem fios e agregadores, alterando os instrumentos de acolhimento dos usuários na relação com as empresas.  A grande quantidade de aplicativos tornou a comunicação mais interativa, facilitando a vida do usuário na hora de expressar sua opinião, concordância ou discordância.

Olhar Virtual: Como o público exerce a “vigilância participativa” através das chamadas redes sociais?

Henrique Antoun: Cada vez mais é abandonada a ideia de “público” e se utiliza o conceito de “usuário”, que passa a interferir nos rumos da cultura e se expressa não apenas aprovando ou reprovando as informações, mas utilizando as ferramentas, opinando, criando novas versões ou modificando as existentes. Em torno dos programas que possibilitam essa interação, surge uma cultura comum e, com os grupos de discussão, há um movimento de partilha dessa cultura ofertada. Dá-se lugar a uma cultura diferente da cultura de massa, que se caracterizava pela passividade do público, existente até os anos 80. Agora se pode falar em uma cultura participativa, que denota a vontade de as pessoas participarem.

Olhar Virtual: Como as redes colaborativas alteraram o exercício da cidadania através do “web ativismo”?

Henrique Antoun: O “web ativismo” existe desde os anos 90 e tem procurado um meio de fazer frente à mídia de massa, que lida com mensagens homogêneas, enquanto as redes sociais lidam com grupos fragmentados, em uma cultura diversificada.

Enquanto na mídia de massa o efeito das mensagens é quase instantâneo, como na rápida divulgação de um espetáculo ou de uma campanha política, a internet apresenta diferentes estratégias e em suas redes sociais há  maior fragmentação da mensagem. Se, por um lado, a internet precisa de mais tempo para fixar uma ideia, a mídia de massa é mais rápida, por isso não estabelece uma mensagem profunda, é de curto prazo. A internet exige discussão e, por isso, o sucesso do efeito que se deseja  alcançar requer que a divulgação seja iniciada bem antes.

Na era do “web ativismo”, tem que se discutir com os grupos, fazê-los aderir à campanha.  A internet permite que um pequeno grupo produza uma ação que tem grandes consequências.  É o poder de fogo dos pequenos grupos que terá grande visibilidade com forças muito superiores na era digital.