A votação histórica do dia 17 de junho colocou o jornalismo na própria pauta dos principais veículos de comunicação do país: a decisão dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) fez com que o diploma para o exercício da profissão de jornalista não seja mais obrigatório. O decreto-lei nº 972/69, que regulamentava a profissão, foi extinto, gerando debates acalorados entre estudantes, professores, profissionais da área e no interior da própria mídia, considerada como “quarto poder” e “formadora de opinião”.
O presidente e relator do STF, Gilmar Mendes, afirmou que exigir diploma para o exercício do jornalismo é ir contra a Constituição do país, que assegura liberdade de opinião e informação.
Mídia: tendenciosa ou imparcial?
Diversos jornais manifestaram sua posição sobre o tema, como O Globo, que na coluna “Opinião” do dia 19 de junho apresentou a revogação da Lei de Imprensa no mês de maio e a recente queda do diploma como remoção de “dois entulhos autoritários, para o bem de todos, menos, no caso do diploma, de algumas corporações sindicais”. O mesmo editorial afirma que o fim da obrigatoriedade possibilitará ampliação da diversidade, ao permitir que profissionais com outras formações convivam ao lado dos jornalistas, já que “há lugar para todos nas redações”.
Além disso, em comunicado oficial, divulgado no dia 18 de junho, o vice-presidente das organizações Globo, João Roberto Marinho, afirmou que o fim do diploma "apenas ratifica uma prática da organização" e que a decisão é bem-vinda ao atestar uma situação já vivida nos principais órgãos de comunicação, que antes mesmo da revogação já apresentavam, em seus quadros, equipes compostas por especialistas de outras áreas, “com talento reconhecido, mas que não se formaram na profissão”.
Para o presidente da Fundação Biblioteca Nacional e professor da Escola de Comunicação da UFRJ, Muniz Sodré, poucos nomes dos grandes veículos se manifestaram contra o fim do diploma, citando como exemplo Zuenir Ventura. Sodré afirma que os conglomerados da informação são favoráveis ao fim da obrigatoriedade do diploma e estão fazendo uma cobertura bastante parcial, ao divulgar apenas notícias, opiniões e editoriais convenientes a seus interesses.
Por outro lado, há aqueles que negam a cobertura tendenciosa, alegando que houve pouca discussão sobre o assunto, como Maurício Lissovsky, professor da Escola de Comunicação. “A mídia também comprou o discurso que confundia o fim da obrigatoriedade do diploma com uma virtual extinção do curso de jornalismo (que nunca esteve em questão). Por isso, perdeu-se a oportunidade de aprofundar uma discussão em torno da reforma universitária e do tipo de formação profissional e acadêmica que devemos ter no país”, afirma.
Histórico
Em outubro de 2001, o Ministério Público Federal entrou com ação favorável à extinção do diploma de jornalismo para o exercício da profissão, e em seguida uma liminar consolidou a proposta. Quatro anos depois, a Federação Nacional dos Jornalistas e a União se opuseram à decisão e, no mês de outubro, a 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região declarou que o diploma era necessário. Em novembro de 2006, o STF garantiu a validade da atividade jornalística dos profissionais que já atuavam na profissão, sem registro no Ministério do Trabalho e diploma de graduação na área.
Em 30 de abril deste ano, os ministros do STF votaram pela derrubada da Lei de Imprensa, editada em 1967, durante o regime militar, alegando que ela era incompatível com a democracia e com a atual Constituição Federal. Para Lissovsky, o fim da exigência do diploma corresponde a um impulso à reforma universitária, com a possibilidade de criação de graduações em dois ciclos, deixando a formação jornalística como uma especialização do segundo ciclo, que poderá ser cursado por alunos de outras áreas do conhecimento. “Tenho esperança de que a desregulamentação da maioria das profissões seja um grande impulso à reforma universitária porque acredito que a criação de cursos estanques (como dominantemente existem no Brasil) tenha sido fruto dessas regulamentações e dos ‘direitos’ que criaram”, declara.
Emenda defende diploma
O senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE) apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) em prol da exigência do diploma de curso superior de comunicação social para o exercício da profissão de jornalista. Para que haja validação, a emenda precisa passar pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e ser aprovada por três quintos dos senadores em dois turnos, o que equivale a 49 dos 81 votos.
Além disso, entidades como a Fenaj e sindicatos de jornalistas de estados como Rio de Janeiro e São Paulo se opuseram à decisão do STF, defendendo claramente a validade do diploma para o exercício da profissão, alegando que a não-obrigatoriedade atende ao interesse dos grandes conglomerados de comunicação e dos patrões.
Para tais segmentos, a formação superior é fundamental para o exercício da profissão e para a defesa dos interesses dos direitos dos jornalistas como categoria. A desregulamentação seria uma ameaça a direitos como jornada de trabalho e acordo coletivo. A retirada do diploma ofereceria riscos à produção de informações com compromisso e qualidade.
Muniz Sodré considera a extinção do diploma uma vitória da lógica do mercado. “Com diploma, o jornalista tem estatuto clássico enquanto representante de opinião e dos interesses da sociedade; sem ele, haverá contratações com base na prestação de serviços. Desorganizar a profissão interessa aos grandes veículos. Significa retirar o estatuto profissional para melhor comandá-lo, é um rebaixamento na condição do jornalista”, argumenta.