Muitas vezes chamadas de “mulheres de vida fácil”, as prostitutas mostram em “As Meninas da Daspu” que, na verdade, a vida de uma profissional do sexo não é tão simples como muitos imaginam.
No livro, uma co-autoria da professora Anna Marina Bárbara, do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, com nove prostitutas, essas mulheres têm a chance de mostrar que têm sonhos como qualquer outra pessoa e que sua profissão não difere tanto assim das outras, pois é com ela que conseguem sustentar suas famílias e desejos.
Para conhecer um pouco dessas diferentes, e tão interessantes, histórias de vida o Olhar Virtual conversou com a professora Anna Marina.
Olhar Virtual: Como surgiu a idéia de fazer o livro?
O livro é resultado de um conjunto de oficinas de histórias de vida de prostitutas, concebidas e coordenadas por mim, quando trabalhava na ONG Davida: Prostituição, Direitos Civis, Saúde, no ano de 2005.
Olhar Virtual: Qual o objetivo principal do livro?
O livro se inscreve na luta política travada pela instituição no sentido de combater o estigma que recai sobre as mulheres que se prostituem. Reconstruir a história de vida das mulheres a partir da infância, e não do momento em que ingressam na prostituição, é uma forma de permitir que cada uma projete de si, mediante as lembranças evocadas pelas entrevistas, a imagem que deseja. Funciona tanto para resgatar a auto-estima de cada uma quanto para aproximá-las mais de quem não se prostitui e desconhece o universo da prostituição.
Olhar Virtual: Como foram escolhidas as prostitutas para dar o depoimento? Como foram eles colhidos? Foi fácil fazer com que as mulheres falassem de suas trajetórias?
Entrevistei as mulheres que trabalhavam na prevenção de DST/AIDS com Davida; algumas estavam na instituição desde a sua fundação. Colhi os depoimentos a partir de entrevistas individuais que depois foram transcritas e passaram por um processo de edição para a publicação no livro. Inicialmente, tive problemas sim e cheguei até ameaçar desistir do trabalho. As entrevistas foram dadas antes do projeto da “DASPU” e as mulheres não estavam acostumadas a falar tanto sobre si, principalmente, sobre a vida familiar e pessoal. Depois, criou-se uma cumplicidade, que faz mesmo parte deste tipo de trabalho, e segui ouvindo muitas histórias, mesmo depois do livro já ter sido publicado.
Olhar Virtual: O nome Daspu já mostra a irreverência dessas mulheres, no entanto a “vida fácil” da prostituição traz consigo diversos obstáculos. Quais são as maiores dificuldades relatadas pelas entrevistadas?
Na minha perspectiva, as dificuldades referidas ao exercício da prostituição se relacionam ao estigma de prostituir-se numa sociedade em que exercer a sexualidade, sobretudo feminina, ainda é um tabu. O preço pago pela transgressão de ordem moral e sexual é alto e assume uma diversidade de formas que vão do preconceito mais sutil à agressão mais brutal. Também não devemos nos esquecer que, no Brasil, prostituição não é crime, mas a exploração da prostituição é. Temos assim, uma legislação que, ao criminalizar o entorno de uma atividade de prestação de serviços, contribui para obscurecer e maximizar as formas de exploração desta atividade.
Olhar Virtual: Quais as maiores alegrias que elas encontraram na Daspu? O que a Daspu significa para essas mulheres?
A Daspu resgata o glamour da prostituição, a dimensão de sonho e fantasia das mulheres que escolhem corporificar a fantasia masculina da mulher ilimitada sexualmente.
Olhar Virtual: Qual a importância deste livro para as mulheres, sejam elas prostitutas ou não?
O livro nos aproxima umas das outras, mostra que, apesar de nossas diferenças, temos muito em comum, em termos do que sonhamos para nossas vidas e das esperanças que depositamos nos encontros amorosos.
Olhar Virtual: Como foi a receptividade do público ao livro?
Me parece ter sido muito boa. A cobertura da mídia, sobretudo, a virtual foi bem grande e tratava-se de uma editora pequena e nova no mercado.
Olhar Virtual: Como a senhora enxerga o orgulho que grande parte das prostitutas tem da sua profissão? Como percebe o fato de muitas delas não quererem largar a chamada “vida fácil”?
Acredito que, tanto o orgulho quanto o desejo de permanecer na profissão, se relacionem ao prazer que elas têm em exercer a prostituição, mas não creio que esse tema de estudos se preste a ser plenamente compreendido e explicado. Existe algo de misterioso no exercício da prostituição que é inapreensível pelo pesquisador do assunto.