A revitalização da Zona Portuária voltou à pauta de discussão dos gestores da cidade com a confirmação de que o Rio de Janeiro será sede das Olimpíadas de 2016. A região, que compreende os bairros de Santo Cristo, Saúde, Gamboa, São Cristóvão e Cidade Nova, por décadas, não recebeu investimentos e foi relegada a segundo plano pelas sucessivas administrações.
Para reverter esse quadro e apresentar ao mundo, durante os Jogos Olímpicos, uma Zona Portuária revitalizada, a Prefeitura do Rio de Janeiro, em parceria com os governos estadual e federal, idealizou o projeto “Porto Maravilha”, apresentado na última quinta-feira, dia 5 de novembro, durante o “Seminário da Revitalização: o resgate da Zona Portuária", promovido pelo Jornal do Comércio. A meta do programa é transformar a área, que hoje possui um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) da cidade, em um atrativo ponto turístico, que combine movimentação comercial com empreendimentos residenciais.
O projeto foi dividido em duas etapas. Na primeira, a Prefeitura destinará cerca de R$ 300 milhões para recuperar o Píer Mauá, revitalizar a Praça Mauá, arborizar as ruas do entorno e restaurar imóveis degradados. A segunda etapa consiste em arregimentar empresários da iniciativa privada para investir na região. De acordo com o prefeito Eduardo Paes, grupos paulistas e internacionais demonstraram interesse em integrar o projeto. Atualmente, três iniciativas já estão em andamento: o AquaRio, que pretende ser o maior aquário da América Latina e um importante centro de pesquisa marinha; a Pinacoteca, que se constituirá em um centro de arte; e o Museu do Amanhã, voltado a questões de sustentabilidade e meio ambiente.
O projeto “Porto Maravilha” prevê 5 milhões de metros quadrados de obras que incluem, entre outras, a derrubada do elevado da Perimetral, avenida que liga o bairro do Caju à Praça XV, e a construção de dois túneis que interligarão o Mosteiro de São Bento e o Armazém 6. Para alguns estudiosos, a iniciativa, entretanto, não soluciona os principais problemas da região. Além de não sanar as dificuldades geradas pelo trânsito intenso nas ruas da área, para eles, a proposta deixa a desejar por não conter medidas que contemplem as comunidades de baixa inclusão social que vivem ali.
Com o objetivo de fomentar o debate em torno dessa questão, o Olhar Virtual reproduz os depoimentos de Felipe Góes, secretário municipal de Desenvolvimento do Rio de Janeiro, e de Mauro Kleiman, coordenador do Laboratório de Redes Urbanas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur) da UFRJ.
“A lógica do projeto de revitalização da Zona Portuária é fazer do Centro da cidade um local para as pessoas trabalharem e morarem.”
“Para pautar essa discussão, devemos fazer três importantes observações: a primeira delas se refere à mudança de paradigma de crescimento da cidade. Há alguns anos, o Rio de Janeiro tem crescido para a Zona Oeste, especialmente para a área da Barra da Tijuca. Isso implica um custo muito alto. A lógica do projeto de revitalização da Zona Portuária é reverter essa tendência e fazer do Centro da cidade um local para as pessoas trabalharem e morarem. O projeto “Porto Maravilha” dá a possibilidade de unir ocupação formal ao empreendimento residencial.
A segunda observação diz respeito à falta de credibilidade direcionada à revitalização do Porto. Há 30 anos, saem nos jornais notícias relacionadas a essa recuperação, mas ela nunca aconteceu porque faltava a integração dos três níveis de governo. Em função disso, a iniciativa privada tem o pé atrás com esse projeto. Mas enfatizamos que ele é prioridade da Prefeitura. Vamos fazer este projeto acontecer. O poder público já começou seus investimentos.
Por fim, temos que lembrar a necessidade de mobilização da sociedade para que o projeto deslanche. Ele não pode ser um projeto do prefeito, mas da sociedade como um todo. Devemos fazer essa reflexão.
A área a ser revitalizada possui ótima localização, pois fica entre os dois aeroportos e é muito próxima de pontos turísticos e estratégicos do Rio, como a Central do Brasil e a Rodoviária Novo Rio. Além disso, tem relevância histórica: a cidade nasceu ali. Um projeto de requalificação tem que respeitar essa história e trabalhar na restauração de imóveis, como igrejas, por exemplo. Tudo isso nos leva a crer que essa é uma área que permite vários usos: turismo e entretenimento, desenvolvimento comercial, áreas residenciais, habitações de interesse social — através da melhoria da qualidade de vida de quem habita o Morro da Providência, por exemplo. Não estamos limitando o uso dessa região, mas estimulando o uso misto — residencial e comercial. O importante é frisar que queremos combinar a atividade portuária com a promoção residencial.
Como último ponto, vale ressaltar que a segunda fase de implantação do projeto de revitalização da Zona Portuária se configura em uma inovação na forma de tratar a revitalização urbana no Rio de Janeiro. Através da Operação Urbana Consorciada, o setor privado pode e deve participar desse processo. A prefeitura irá vender títulos de potencial construtivo e os recursos gerados só poderão ser investidos na própria região. A lógica tem sido a de que toda questão pública deve ser responsabilidade do poder público. Com a Operação Urbana Consorciada, a iniciativa privada tem vez. Esse modelo é de sucesso e já aconteceu em outros pontos do país, como em São Paulo, por exemplo.”
Mauro Kleiman
Coordenador do Laboratório de Redes Urbanas do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur/UFRJ)
“A derrubada da Perimetral é um grande absurdo. O elevado tem uma função muito importante dentro da rede viária do Rio de Janeiro, por ser parte de uma das principais vias de acessibilidade da metrópole, articulada com a Ponte Rio–Niterói, com o Centro e a Zona Sul.”
“Não vejo com positividade o que está sendo proposto como reativação para a área do porto. A Zona Portuária não tem uma ligação muito fácil com o resto da cidade do Rio de Janeiro. A revitalização, que inclui tornar a zona um centro gastronômico, residencial e empresarial, deveria levar em conta uma articulação das atividades com o Centro atual da cidade. Criar transporte que ligue o Centro a essa zona me parece muito importante. O plano prevê a instalação de um VLT, um bonde modernizado, que apenas funcione na área do porto especificamente. Caso o veículo não ficasse restrito à zona e fizesse uma linha circular pelo Centro, haveria uma articulação entre as partes. Não consigo entender a ideia de um bonde transportar pessoas do porto ao porto.
A Prefeitura está fazendo uma oferta para a compra de bônus pelos incorporadores imobiliários, que a partir da compra poderiam construir edifícios de até 50 andares. Caso os incorporadores sejam atraídos para fazerem os empreendimentos na Zona Portuária, como escritórios, empresas, uma outra vida será dada ao porto. Mas o problema será como articularemos esse lugar com o resto da cidade. O desenvolvimento econômico é possível, desde que haja uma acessibilidade nova para a área, porque ela é afastada em relação ao atual Centro do Rio de Janeiro.
Eu acho positiva a participação da iniciativa privada na revitalização, pois a Prefeitura não tem os recursos suficientes para se envolver com um plano de uma envergadura tão grande. A preocupação está no fato de a participação privada ser anunciada, entrando com recursos em obras públicas, mas, na hora, apenas o Estado financiar. No capitalismo nenhuma empresa privada quer entrar com seu dinheiro, ela espera que o Estado entre e ela só vai absorver os lucros dos investimentos que o poder público fez. À medida que o governo faz qualquer tipo de investimento em infraestrutura, seja na construção de um bonde ou de uma rua, imediatamente, as áreas onde esses investimentos são feitos têm o valor de seus motes e imóveis valorizados, e os donos de imóveis, da iniciativa privada, têm um lucro indireto em razão de uma obra do Estado.
A derrubada da Perimetral, prevista na revitalização, é um grande absurdo, porque, primeiro, infraestrutura é sempre alguma coisa de alto custo. O empreendimento da Perimetral demorou anos para ser feito, teve um custo elevadíssimo pago por toda a sociedade, e tem uma função muito importante dentro da rede viária do Rio de Janeiro, por ser parte de uma das principais vias de acessibilidade da metrópole, articulada com a Ponte Rio–Niterói, com o Centro e a Zona Sul. O fluxo ali é gigantesco, e é difícil pensar em outra solução além da Perimetral. Também sou contra a derrubada do local por ele ser um patrimônio da história da urbanização da cidade. A construção de túneis, solução prevista no projeto como substituição da via, é uma resolução incerta, pois não se sabe como será feita, a que custo e o tempo de construção. Também não se sabe o que será feito do tráfego de carros durante as obras. O problema não está na Perimetral, mas sim no que está embaixo dela. Caso as vias que estão embaixo sejam fechadas, será resolvida a questão da acessibilidade dos pedestres. Em tese, não vejo uma razão clara da demolição da via para a construção de túneis. Ela é uma solução, e não um problema; se for demolida, aí sim uma preocupação será criada.
É fundamental que tenhamos no Rio de Janeiro zonas de uso misto, como uma área residencial e também comercial, ideia incluída na revitalização da área portuária. Não há razão nenhuma para a separação entre zona comercial e residencial. A volta da possibilidade de empreendimentos residenciais na Zona Portuária é fundamental para a revitalização. O foco do porto como área residencial deveria ser mais explorado. A medida torna mais fácil o deslocamento entre a casa e o emprego, que hoje no Rio de Janeiro está totalmente separada, que faz com que os cidadãos se desloquem de muito longe, enfrentando um tráfego denso de sua residência para seu trabalho. Aproximar esses dois elementos é algo muito interessante. Comércio e residência juntos atraem restaurantes, cinemas, escolas. Esse sim é o passo mais importante para revitalizar qualquer área da cidade.”