De Olho na Mídia

Violência doméstica: Como a mídia age?

Larissa Rangel - AgN/ PV


O índice de violência doméstica contra crianças e adolescentes continua a crescer, apesar de todos os esforços dos especialistas para conscientizar a população em relação ao problema. Num contexto de circulação de informações em larga escala, o número de casos ainda é alto e a mídia precisa atuar de forma eficaz para que a meta de redução seja cumprida. Em recente evento no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, Anna Tereza Moura, presidente do Comitê de Segurança da Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro (Soperj), frisou que “muitas vezes a mídia dá muito destaque aos casos graves ocorridos, deixando de lado uma abordagem mais educativa, com vistas à prevenção da ocorrência da violência familiar contra a criança e o adolescente.”

Sobre o assunto, o Olhar Virtual conversou com Hebe Signorini, professora do Instituto de Psicologia da UFRJ. Em suas pesquisas, ela observa que mais casos de violência doméstica vêm sendo abordados pela mídia. A grande questão é que são retratados fatos, basicamente, espetaculares, apenas para atrair a atenção do público, sem discutir todo o problema. “A mídia banaliza o tema da violência quando limita as situações de que trata ou omite as vias pelas quais os sujeitos que a protagonizam sentiram-se autorizados a praticá-la: presenciando, em escala crescente, os atos de desrespeito coletivo. Não são explicados os motivos psicológicos, mais relevantes”, ela esclarece.

O histórico do problema

Professores do Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, em recente pesquisa, mostraram que o número de casos de violência contra crianças é maior do que as estatísticas divulgadas pelos órgãos oficiais. Mas Hebe Signorini lembra que a violência doméstica é um tema que só atualmente saiu da esfera privada e alçou o espaço público, e esse dado deve ser levado em consideração.

Segundo ela, o Brasil passou a discutir questões concernentes ao tema há muito pouco tempo. As raízes culturais e históricas dos brasileiros ainda remetem as violências no espaço privado à esfera familiar, sendo consideradas “assunto de família”: a educação das crianças seria de trato exclusivo dos pais, assim como a violência conjugal seria matéria em que “não se mete a colher”. E, nesse sentido, as campanhas que lutam contra importantes condicionantes culturais já seriam uma vitória para a maior notoriedade do problema.

A questão jurídica

É papel das autoridades jurídicas zelar pelo bem-estar das crianças e adolescentes. No entanto, a realidade mostrada é diferente da ideal. Apesar de a legislação brasileira ter avançado, conforme a opinião dos especialistas, significantemente no que diz respeito à garantia dos direitos dessas vítimas, os mecanismos que garantem tais direitos parecem ineficientes.

A professora lembra que, há pouco tempo, foi divulgada uma denúncia quanto a instituições públicas e as condições subumanas a que os adolescentes em conflito ficam submetidos nesses locais. A partir de casos como esse fica evidente que os órgãos oficiais não cuidam dos direitos e da vida da criança e do adolescente como deveriam, apenas se preocupando com os casos domésticos. “Se há necessidade do rigor, é aqui justamente que ele se coloca, pois as instituições a que me refiro representam o poder público, instituem a lei e não podem tergiversar com ela”, argumenta Hebe.

Alteração de mentalidades

Grande parte da mídia e inúmeras campanhas trabalham com a perspectiva de que, atacando e denunciando o problema, estão contribuindo para fazê-lo cessar em curto prazo. Analisando toda a ligação da violência doméstica com os fatores históricos, culturais e sociais, percebe-se que é preciso realizar uma ação mais intrínseca à moral da população. Hebe explica que a recorrência do problema requer mudanças no conjunto de crenças e valores sociais, nas formas de relacionamento em casa e na rua.

A abordagem feita pela mídia em cidades pequenas é diferente da que se faz nos grandes centros urbanos. Isso se dá porque nos pequenos núcleos as campanhas podem se valer de uma coletividade minimamente atuante; mas nas grandes cidades é exatamente essa coletividade que precisa ser reconstruída. A professora defende que, neste sentido, não basta empreender um combate à violência que ocorre dentro de casa; as campanhas precisam se sofisticar para apreender a ideia de que a violência em casa está mais diretamente associada a tudo que acontece do lado de fora.

– Há programas consistentes em curso que prescindem do mecanismo punitivo, e destaco entre eles o Programa Família Acolhedora, no qual profissionais da área de Psicologia e Serviço Social, principalmente, encaminham crianças vítimas de violência doméstica a famílias que se voluntariam a recebê-las enquanto os pais são atendidos em suas necessidades pessoais e sociais, dando oportunidade à família de se reestruturar e abrir mão da violência. – Hebe explica que é possível se pensar em ações alternativas e que, para tal, é essencial que a mídia tenha noção de que a consciência se produzirá na história e em longo prazo.