Há alguns meses, raramente se ouvia falar com frequência sobre qualquer país localizado na América Central, principalmente sobre Honduras, que figura entre os mais pobres e pouco desenvolvidos do continente. Como tantos outros em situação semelhante, Honduras apresentava pouca expressividade no cenário mundial. No entanto, o dia 28 de junho de 2009 alterou o cenário, colocando o pequeno território nas páginas dos jornais, bem como em sites e redes de rádio e televisão, de todo o planeta.
O presidente eleito em 2005, Manuel Zelaya, teve seu mandato - que terminaria este ano - interrompido por um golpe de Estado. Os militares alegam que o governante – logo em seguida extraditado para a Costa Rica - possuía interesses em alterar a Constituição nacional apenas com o intuito de se reeleger. A nação partiu-se, dividida entre os que apoiavam ou recusavam a condição instaurada e levou um grande contingente às ruas, em grandes manifestações.
Questão hondurenha quase em tempo real
Desde então, de um dia para o outro, Honduras passou a estampar as páginas principais de grandes sites, ganhando, inclusive, editorias especiais e apresentando atualizações constantes sobre a situação. A questão é: por que tamanho enfoque nessa região, até então tão pouco noticiada? O doutorando em História Comparada e pesquisador do Laboratório de Estudos do Tempo Presente da UFRJ, Karl Schurster, responde: "a crise chamou a atenção da comunidade internacional pelo fato de ter ocorrido em um período em que não mais se aceita e nem se apóia atos golpistas. No mundo pós-guerra fria, há um cenário novo, em que ditaduras e golpes são repudiados de forma veemente".
Se o povo hondurenho encontra-se segmentado, a opinião de líderes mundiais - tais como os presidentes da Venezuela, Brasil e Estados Unidos - é quase uníssona: mostram-se completamente contrários ao que vem ocorrendo e não reconhecem o governo interino, sob o comando de Roberto Micheletti - inimigo político do presidente deposto.
Como uma espécie de retaliação, diversos fundos de auxílio econômico ao país foram cortados, além de a Organização dos Estados Americanos (OEA) ter negado a legitimidade do atual governo hondurenho. O pesquisador relata que tamanho rechaço e atenção à questão acontece porque a conjuntura política na América Latina, hoje, apresenta governos nacionalistas e de esquerda. Por essa razão, há um temor da reprodução de atitudes semelhantes em países vizinhos.
Se há retaliação por parte dos governantes, também existe uma, velada, por parte da imprensa. A parcela do povo que apóia o golpe e o governo interino quase não possui voz. Raras são matérias, relatos ou notas que citem seu ponto de vista. Schurster esclarece a razão disto: “a ordem democrática e constitucional hondurenha foi quebrada e não há justificativa tal atitude. A negação ao golpismo pela comunidade internacional leva a este isolamento dos responsáveis pelo início da crise”.
Brasil em situação delicada
Há pouco mais de uma semana, após migrar por vários países, Manuel Zelaya conseguiu voltar a Honduras – especula-se que na mala de um carro – e encontrou abrigo na Embaixada Brasileira, situada na capital Tegucigalpa. Notificados do retorno do presidente, diversos manifestantes invadiram o local, como um sinal de apoio, muitos outros ficaram nas imediações. O governo interino reagiu violentamente e a imprensa internacional exibiu fotos de soldados com máscaras e bombas de gás lacrimogêneo, além de protestantes feridos.
Não apenas a participação do Brasil, envolvido diretamente com a situação, tem colocado a questão hondurenha em evidência. Karl relata, que na Venezuela, por exemplo, há um intenso acompanhamento, tanto devido ao apoio do presidente Hugo Chávez a Zelaya, quanto pelo repúdio popular ao golpe. “Os muros de Caracas estão repletos de frases com apoio ao presidente deposto”, complementa.
O momento atual é o mais delicado e acabou prefigurando uma espécie de paradoxo. O presidente interino do país, que se encontra mais em foco que nunca, na mídias e na boca da população mundial, baixou um decreto limitando as liberdades de imprensa, de manifestação, de circulação, além de permitir o fechamento de meios de comunicação que possam, em sua concepção, abalar a ordem do país. Além disso, estabeleceu um prazo para a Embaixada do Brasil retirar Manuel Zelaya de seu interior. Caso não o cumpra, o espaço será desconsiderado como brasileiro e poderá ser invadido quando considerarem necessário.
“Uma das virtudes de Lula é o repúdio às ditaduras e aos golpes de Estado. Ele é um estadista que apóia a democracia e a ordem constitucional acima de tudo. Acredito que o Brasil deve apoiar o retorno de Zelaya ao governo e a realização de uma Constituinte em Honduras, tal como prevê a constituição do país para o caso de rompimento da ordem constitucional. Lula tem a missão de buscar uma saída pacífica para Honduras, evitando assim, a eclosão de uma guerra civil e intervenção da ONU”, finaliza o pesquisador.