Os hábitos de leitura tradicionais estão passando por uma revolução que vai alterar significativamente o mercado editorial. Essa é a opinião de Paulo Pires, professor de Produção Editorial da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ, que enxerga, diante do avanço dos leitores digitais, uma nova forma de comercialização de livros, revistas e jornais. O maior exemplo disso é o Kindle, suporte lançado pela Amazon, em 2007, nos EUA, e que agora chega ao Brasil e a outros cem países, prometendo tomar o espaço até então ocupado pelos textos em papel.
Além de armazenar até 1.500 e-books, o aparelho também oferece um recurso que transforma publicações escritas em texto falado, mas apenas para as produções em língua inglesa. Se quiserem adquirir a versão internacional do Kindle, que permite conexão sem fio à rede 3G, os brasileiros terão que gastar cerca de R$ 1.000. Em território norte-americano, porém, paga-se uma quantia em torno de US$ 260.
“Imagine que um dia você acorde e todos os livros da sua casa estejam armazenados em um único objeto portátil”, ilustra o professor da ECO, que também trabalha como editor da Ediouro. Por cerca de US$ 10 cada, é possível fazer o download de livros disponibilizados pela página da Amazon e carregar diversas obras com o peso de apenas um dispositivo. “Para fazer viagens, por exemplo, o Kindle é muito adequado, pois não é preciso mais carregar muitos livros na mala. Evita-se até a cobrança de taxas extras por excesso de bagagem”, brinca.
Então está decretada a morte dos livros impressos? Na opinião dele, não. Sempre haverá espaço no mercado para os livros tradicionais, que ainda terão consumidores ávidos por modelos gráficos tradicionais. Mas não há como negar que a vendagem deles sofrerá um baque nos próximos anos, com o avanço de leitores digitais como o Kindle. “Para sobreviver à digitalização dos produtos, as livrarias e editoras precisarão se ajustar a esse novo padrão tecnológico”, acredita Paulo, que esteve na Feira do Livro de Frankfurt – maior evento do mercado editorial no mundo, realizado em outubro deste ano na Alemanha – e não acredita em algumas visões proféticas escutadas por lá, que já marcaram inclusive data para o fim dos livros de papel.
“O que interessa agora não é pensar em como adaptar um livro aos novos meios, mas sim estudar o que esses novos meios têm de particular que pode ser explorado para estender as possibilidades do livro”, explica. Para o docente, mais do que nunca, o livro será a sua forma. Ao realizar a edição de uma obra, portanto, será preciso entender como aquele conteúdo poderá se adaptar às diferentes plataformas, com o melhor formato possível. “As possibilidades atuais permitem que os livros sejam lidos na tela do computador, celulares, iPhones, ou ainda transformados em audiobooks e videobooks”, afirma ele, ressaltando a importância da convergência de mídias para o momento atual do mercado editorial.
Segurança digital e preservação da natureza
A respeito da confiabilidade do armazenamento digital, Paulo admite que há uma polêmica envolvendo o assunto, mas não considera que o papel seja melhor nem pior para preservação de conteúdos. “Há uma discussão que coloca em dúvida a garantia de durabilidade dos aparelhos digitais. Para mim, assim como esses dispositivos correm o risco de sofrerem um acidente e quebrarem, os livros também podem pegar fogo ou ficar encharcados, o que também destruiria seu conteúdo”, opina.
Já sobre a preservação da natureza, o especialista também não acredita que o discurso que exalta os e-readers em prol de um menor consumo de papel e, consequentemente, menor desmatamento de florestas, esteja totalmente desprovido de um caráter comercial. “É difícil saber se isso é apenas propaganda, mas não deixa de ser um ponto positivo”, defende.
Questão autoral em debate
Segundo Paulo Pires, porém, o que realmente precisará ser discutido pelos autores e editoras de todo mundo muito em breve é a venda por territórios específicos de conteúdo digital, que também envolve a questão do livre acesso à cultura. Ele explica que algumas editoras já estão traduzindo suas obras para outros idiomas, com o objetivo de comercializar arquivos para o Kindle, caso haja a autorização dos autores.
“Apoiando-se no argumento de que a cultura deve estar ao alcance de todos e de que não há exclusividade sobre uma língua, as editoras passariam por cima da necessidade de negociação com empresas de outros países e aumentariam suas vendagens”, garante Pires, explicando ainda que existem certas regras geográficas para obtenção de algumas obras virtuais, já que alguns autores preferem restringir suas produções a determinados países e continentes.
Segundo o professor, tudo isso ainda está começando a ser pensado, mas o que não pode deixar de ser lembrado é o repasse justo dos direitos autorais para os criadores dos livros. “É fundamental que o trabalho dos autores seja valorizado e que, mesmo com a venda digital dos livros, eles não deixem de receber por isso. Caso contrário, seria como pedir para alguém trabalhar e não pagá-lo por isso”, conclui.