Edição 197 01 de abril de 2008
Ser aprovado no exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) representa um passo importante na carreira do bacharel em Direito que deseja advogar. Em janeiro deste ano, foi realizada a primeira etapa do 34º Exame de Ordem, do qual só podem participar os candidatos já graduados.
No Rio de Janeiro, dos 5.543 inscritos nesta etapa, apenas 23,97% foram aprovados. Além da divulgação dos números do concurso, foi elaborado um ranking das universidades que mais aprovaram alunos e a UFRJ conquistou a primeira colocação. Entretanto, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) contestou a lista, uma vez que a quantidade de graduandos da instituição aprovados no exame não foi contabilizada para o rankeamento. Tal questionamento provocou a elaboração de uma segunda lista, na qual a UFRJ perdeu o primeiro lugar para a Uerj.
Para esclarecer a polêmica instaurada após as classificações, o Olhar Virtual conversou com Juliana Neuenschwander Magalhães, diretora da Faculdade de Direito (FD), que divulgou uma nota pública repudiando a publicação do segundo ranking. Segundo Juliana, a FD continuará aceitando e acreditando na primeira listagem. “Acreditamos que a segunda lista cria uma situação artificial que não reflete a realidade sobre o ensino de Direito. Além disso, estimular candidatos a recorrerem ao Judiciário para realizarem os exames através da alteração das normas do edital não é uma prática saudável para o exercício da cidadania”, afirmou a diretora, ressaltando a excelente qualidade do alunado da FD, que, segundo ela, “dá forças ao corpo docente para continuar lutando pela faculdade”. Confira a entrevista na íntegra.
Olhar Virtual: O que motivou a divulgação de uma nota pública em defesa da manutenção do primeiro ranking?
Eu não brigaria se achasse que foi uma medida correta a divulgação de uma segunda lista. Claro que acho ruim a UFRJ ter perdido a primeira posição do ranking, até porque isso é um fator de desestímulo aos nossos alunos que ficaram bem mais confiantes e satisfeitos com a aprovação. Para a FD, essa conquista do primeiro lugar representa muito. Mas o que me descontentou foi a OAB ceder às pressões da Uerj e elaborar uma segunda lista com critérios distintos do próprio edital do concurso, que não permite a participação de alunos que ainda não concluíram a Graduação. Os estudantes da UFRJ obedeceram ao edital; só se inscreveram aqueles que já concluíram o curso. Já os alunos da Uerj recorreram ao Poder Judiciário para poderem realizar o exame. Com isso, o número de candidatos provenientes da Uerj aumentou. Então, na primeira lista foi feita uma classificação de acordo com as normas estabelecidas pelo edital. Na segunda lista, a OAB inclui os candidatos que fizeram a prova com a autorização do Poder Judiciário. Se isso vale para outras universidades, a UFRJ também deveria ter o direito de inscrever alunos que ainda não concluíram a Graduação. Se a Justiça concede a graduandos o direito de participar do concurso, a OAB tem que cumprir a ordem. Entretanto, se a própria instituição não respeita as regras previstas no edital, há um tratamento desigual para os candidatos. Portanto, o resultado não reflete a realidade acerca do ensino de Direito no Rio de Janeiro.
Olhar Virtual: Nenhum graduando da UFRJ recorreu à Justiça para realizar a prova?
Não que a FD tenha conhecimento. O curso oferecido pela unidade não é voltado para a aprovação nos exames da OAB. Nós entendemos que essas avaliações são indicadores importantes da qualidade do curso, mas não formamos apenas advogados. Formamos também alunos que possivelmente ingressarão em outras carreiras que prescindem dos exames da Ordem. Na FD, não dirigimos o curso como uma corrida pela medalha. Essa nunca foi nossa preocupação. Mas não queremos que uma informação correta divulgada anteriormente seja distorcida por pressões de universidades que se preocupam com isso, ou seja, instituições com uma política educacional diferente da nossa.
Olhar Virtual: Depois da sua nota pública, a Uerj e a OAB se pronunciaram sobre o assunto?
Que eu saiba, não. A única repercussão que a nota pública teve foi a matéria do Demétrio Weber, no O Globo Online, na qual ele faz uma referência ao fato de candidatos da UFRJ que realizaram a prova sem concluir o curso de Graduação também não terem sido incluídos na primeira classificação. Mesmo que seja verdade, apesar de a FD não ter conhecimento de casos assim, isso não explica o fato de os percentuais terem sido modificados. Se os percentuais indicam a proporção do número de candidatos bem sucedidos na primeira fase de exame em relação àqueles que se inscreveram, como a UFRJ, que na lista original aparecia com 72% de aprovação, pode ter um percentual menor no segundo ranking? Há muitas coisas não suficientemente esclarecidas. Eu não tenho acesso aos dados da OAB. Como a Uerj sabe o que a Ordem contabilizou ou deixou de contabilizar, eu não sei. Eu tive acesso apenas aos dados fornecidos pelo Conselho Federal e, posteriormente, pelo jornal O Globo.
A OAB também não se pronunciou sobre o assunto. Eu mesma enviei a nota pública para a Ordem, além de telefonar para o Dr. Wadih Damous, presidente da OAB-RJ, avisando que ia publicá-la. Ele não manifestou a opinião pessoal dele, mas garantiu que não via mal algum na divulgação. Com isso, entendi que a OAB está aberta a críticas, o que é uma postura bastante coerente com a própria entidade. No entanto, não houve o que eu esperava com a nota pública, ou seja, a revisão da segunda lista de classificação.
Olhar Virtual: Há alguma expectativa de que essa revisão aconteça?
Acho que não existe essa possibilidade. Agora estamos diante de outro momento do concurso, a segunda etapa dos exames. Espero que nossos alunos mostrem, nessa próxima etapa, que são mais preparados. Não que o concurso represente uma grande disputa para nós, mas é importante reafirmar que o primeiro lugar permanece com a UFRJ. A Uerj é também uma excelente instituição, que recentemente passou por problemas similares aos enfrentados pela FD e conseguiu se reestruturar. Porém, a Uerj possui um perfil educacional bem distinto, voltado para a formação técnico-profissional e para a aprovação em concursos públicos. Já o modelo de ensino jurídico que a FD está abraçando e implantando entende que o bacharel em Direito necessita de uma formação mais crítica, reflexiva e humanista. Por isso, estimulamos os estudantes a participarem de projetos de Pesquisa e Extensão. Acredito que bons resultados repercutem essa nova política educacional. Estamos provando que apesar do curso não enfatizar a formação técnico-profissional, uma sólida formação teórica desenvolve um bom profissional que, na minha opinião, é muito mais completo.
Ainda que haja uma diferença de percentuais, o ranking revela que existem duas instituições de ponta no ensino de Direito no Rio de Janeiro, o que é muito legal, porque a UFRJ não era assim considerada até pouco tempo atrás. Mas para mim, não importa o número de aprovados. O que me deixa feliz é que a aprovação é, por si só, um indicador do sucesso da política educacional da FD, que prepara bons técnicos e bons advogados com uma formação muito mais ampla.
Olhar Virtual: Em relação à qualidade do ensino de Direito no Brasil, os 23 cursos de Direito reprovados no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) podem ter seus vestibulares suspensos e as faculdades fechadas?
Não sou crédula em relação a isso. Entre 1995 e 2004, fui avaliadora do Ministério da Educação e há muitos cursos de péssima qualidade que ainda não foram fechados, apesar da recomendação da avaliação. Afastei-me dos procedimentos avaliativos porque, em um determinado momento, tive a impressão de que meu trabalho contribuía mais para a legitimação da expansão desenfreada do ensino jurídico no país do que para a melhoria de qualidade do ensino. Apesar disso, considero a avaliação importante e rigorosa. Mas também acredito que, se a universidade quiser progredir, pode fazer isso espontaneamente, sem precisar da advertência do MEC.