Edição 341 7 de junho de 2011
Segundo o professor Julio Carlos Afonso, do Instituto de Química da UFRJ, o Brasil, líder mundial no mercado de eletroeletrônicos, ainda está “acordando” para buscar soluções para impedir o impacto da geração desse lixo no meio ambiente. Em entrevista, o pesquisador revela que os prejuízos não são causados apenas no descarte, mas também na fabricação desses produtos.
O assunto será abordado em palestra na próxima quinta-feira, dia 08, no evento em homenagem ao Dia Mundial do Meio Ambiente promovido pelo Centro de Tecnologia. Para o Olhar Virtual, Julio Carlos Afonso adiantou as principais discussões acerca do tema.
Olhar Virtual: Porque levar o tema para debate?
Julio Carlos Afonso: Porque a produção de lixo eletrônico é um dos maiores desafios que se coloca dentro de um contexto mais amplo da gestão dos recursos naturais e do meio ambiente. Tal preocupação se deve a impressionante velocidade de geração desse lixo: de três a cinco vezes maior que o lixo urbano, em determinadas regiões do mundo (países desenvolvidos e em desenvolvimento). Equivale a 5% dos resíduos sólidos urbanos gerados.
Olhar Virtual: Qual o impacto desse lixo?
Julio Carlos Afonso: O lixo eletrônico carrega consigo dois impactos ambientais muito fortes. O primeiro é o consumo de recursos naturais – matérias-primas, água, combustíveis – na fabricação do produto. Em média, para cada massa de produto eletroeletrônico (computador, celular, iPod) produzido, se gasta em torno de cem vezes mais a quantidade de recursos naturais. Enquanto para uma geladeira, televisão, carro, essa relação de ordem de grandeza é de dois para um. A conta ambiental, a desproporção é muito forte. Para a sofisticação e a complexidade dos recursos, se usa componentes dos mais variados tipos. Existem cerca de sessenta elementos da tabela periódica presentes num equipamento eletroeletrônico de um total de 92 elementos na natureza; a grosso modo, dois terços da tabela. Note quantos recursos naturais têm que ser consumidos na extração do minério, da sua fonte natural, com gasto de energia, transporte, mineração, processo metalúrgico, purificação, mão-de-obra, eletricidade, combustível. Fecha uma conta impressionante. Um computador com seus periféricos normais (impressora, monitor, teclado, mouse), 20 quilos equivale a duas toneladas. E o segundo ponto é quando o lixo é descartado, porque ele contém uma série de elementos tóxicos, chumbo, cádmio, mercúrio, berílio, antimônio, arsênio, que vão parar no meio ambiente.
Olhar Virtual: Há no Brasil uma estimativa do quanto é reaproveitado o lixo?
Julio Carlos Afonso: Não. O Brasil ainda tem dados muito incipientes. Há informações de que em 2009 o Brasil teria descartado algo em torno de 150 mil toneladas de lixo eletrônico. E no mundo, em 2010, a ONU fechou um balanço de em torno de 150 milhões de toneladas.
Olhar Virtual: Como o Brasil lida com o problema?
Julio Carlos Afonso: O país está começando a acordar para o problema. Na verdade, o Brasil tem uma taxa de crescimento do mercado de eletroeletrônicos acima da média mundial. Em torno de 20 a 25% ao ano, superior a taxa mundial, que fica em torno de 15%. A gente ainda não é um gerador potencial como é a Europa, o Japão, EUA, Canadá, mas estamos caminhando muito rapidamente para esse perfil. Esse lixo eletrônico futuramente, se já não agora, baterá a nossas portas. Algo precisa ser feito de uma maneira bastante rápida, [é preciso] ter uma visão de antecipação para que a gente não venha enfrentar aqui problemas como os que existem em outros países.
Olhar Virtual: O que pode ser feito em curto prazo?
Julio Carlos Afonso: No curto prazo, é disciplinar e instituir da maneira mais efetiva e rápida possível um esquema de logística reversa, já prevista pelo artigo 33 da lei 12.305 de 2010, a Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PNRS), sancionada pelo presidente Lula em agosto do ano passado. Os produtos eletroeletrônicos de uma maneira geral têm que ser objeto de uma logística reversa em que o consumidor, o poder público – municipal, estadual, federal -, os fabricantes, os importadores, enfim, têm que se responsabilizar pela cadeia tanto de consumo, do fabricante ao consumidor, como também ao contrário, o consumidor leva o produto ao fabricante ou importador, que deve se ocupar da destinação final adequada. Mais adiante, nessa mesma lei, coloca-se, de maneira até óbvia, que resíduos perigosos como lâmpadas fluorescentes, contendo mercúrio, pilhas, baterias, resíduos eletroeletrônicos, produtos agrotóxicos, não podem ser descartados de qualquer maneira no meio ambiente, quanto mais em lixões e em aterros controlados (aterro sanitário e lixão, de maneira simplória) que são, ainda, destinação dominante nos municípios brasileiros.
Olhar Virtual: Essa lei é suficiente?
Julio Carlos Afonso: A lei é importante, mas não diz tudo. No dia 05 de maio, foi instituído no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), órgão legislativo do Ministério do Meio Ambiente, um grupo de trabalho que vai tratar de uma resolução que abrange de maneira detalhada e específica os resíduos eletroeletrônicos, mais ou menos como se tem para pilhas e baterias, na resolução 401 de 2008. Apesar de ter essa resolução específica, a PNRS colocou novamente pilhas e baterias no hall da coleta obrigatória para logística reversa. O mesmo tratamento agora deverá ser dado para lâmpadas fluorescentes e lixos eletroeletrônicos. São duas comissões de outras cinco instaladas. Deverei participar de um desses grupos de trabalho.
Olhar Virtual: Os brasileiros são preparados para a logística reversa?
Julio Carlos Afonso: O Brasil de modo geral não tem uma cultura voltada para a logística reversa, ao menos que seja movida por algum tipo de recompensa. Quando começou com o alumínio, em 1991, você pesava as latinhas e ganhava um bônus que descontava na sua nota fiscal. Certamente isso colaborou, mas o problema é que, no Brasil, os problemas de ordem sócio-econômica são muito fortes, então recolher materiais de valor agregado relativamente altos do lixo, no caso do alumínio, se tornou um meio de subsistência para muitos catadores, famílias. O ganho enérgico ao reciclar alumínio é enorme. O alumínio reciclado economiza de 90 a 95% de energia em comparação a bauxita, que é uma matéria primária de onde se extrai o alumínio.
Olhar Virtual: Então não se recicla por consciência, mas por necessidade?
Julio Carlos Afonso: É uma necessidade. Há uma inversão de valores à medida que se pensa que o meio ambiente precisa de cuidado, precisa de atenção, prioridade, e a coleta seletiva e a reciclagem são alternativas para isso. A inconseqüência da conservação ambiental gera empregos, dignidade, renda para muitas famílias. Isso seria uma conseqüência natural da consciência ambiental e não a causa, na qual o ganho ambiental vira conseqüência. Se é para a família não precisar mais disso, talvez por razões de comodidade, vai abandonar essa atividade e fazer outra coisa.
Olhar Virtual: Durante a industrialização brasileira não havia preocupação com o lixo?
Julio Carlos Afonso: Não tinha nenhuma preocupação, porque o consumo era muito menor do que hoje em dia e o Brasil tinha uma população muito menor. Essa preocupação ambiental era muito distante. Não tinha nenhuma lei, nenhum ministério. O Brasil era um país muito grande com uma população relativamente pequena para seu tamanho, era como se a natureza pudesse absorver a poluição.
Olhar Virtual: A PNRS foi a primeira lei?
Julio Carlos Afonso: Ela levou 19 anos tramitando em Brasília, mas finalmente saiu. Foi um importante avanço. Mesmo que ela precise de revisão em alguns aspectos, como, por exemplo, o manuseio do lixo eletrônico, que essa deverá ser uma tarefa que o Conama deverá efetuar nas suas reuniões de trabalho. Eu vejo ainda outro problema nesse contexto. Há uma coisa muito mais impositiva que a própria lei obrigando: a consciência, verdadeira mola transformadora da nossa sociedade como um todo. Hoje até criança já nasce com um produto eletroeletrônico, berço eletrônico, brinquedos que quando tocados soltam luzes, etc. O brinquedo brinca por si. A criança já se torna eletrônica desde a tenra idade. A escola, desde o ensino fundamental, é decisiva para que se criem gerações de futuros cidadãos que serão dirigentes do nosso país que atentem a necessidade de termos relações em harmonia com o meio ambiente, porque dele dependemos de nossa sobrevivência. A educação ambiental na escola, na família, no núcleo de amigos para criar essa consciência, sem privar alguém de ter um produto eletroeletrônico. Será que tem que consumir tudo, trocar de celular o todo tempo para estar em sintonia com a última palavra em tecnologia? Há uma conta ambiental desproporcional que se paga quando esse tipo de consumo permanece e vai chegar num ponto em que essa conta vai cair em cima de todo mundo.
Olhar Virtual: O Rio de Janeiro tem aterros sanitários próprios para a separação?
Julio Carlos Afonso: O Rio tem problemas com seus aterros. Tem dois, controlados, de Gericinó e Gramacho, que finalmente até o fim do ano deverão ser encerrados em função do início de operações do aterro de Seropédica. Sofremos por não ter um aterro apropriado para uma região metropolitana do porte que é a do Rio de Janeiro. Conheço muito bem o projeto de Adrianópolis, em Nova Iguaçu. É um aterro impecável. Inclusive é contemplado pelo protocolo de Kyoto, recebe créditos de carbono da Holanda com os seus projetos de redução de emissão de gases de efeito estufa. É um projeto exemplar. O Rio tem ainda problemas de transformar os resíduos sólidos urbanos em oportunidades, como a coleta seletiva, que funciona mais ainda encontra uma certa dificuldade. Nessa parte de materiais eletroeletrônicos não há nenhuma iniciativa, nenhuma empresa instalada no Estado que receba esse material.
Olhar Virtual: Esse panorama se estende para o resto do país?
Julio Carlos Afonso: O problema no Brasil é a logística reversa. Se não for por subsistência, a coleta seletiva é bastante complicada. Sua adesão é incipiente, é uma cultura muito nova, não temos esse hábito. Vai levar algum tempo até conseguir chegar a um nível de coleta seletiva suficiente para se ter uma escala para fomentar a indústria de reciclagem no Brasil. Ainda temos pouquíssimas indústrias no Brasil que lidam com esses produtos de alta tecnologia e as poucas que tem são todas em São Paulo. Tem o problema da escala e do transporte, num ponto do território nacional. Isso implica que ainda teremos muitas reviravoltas, muita coisa ainda a ser feita para colocar isso como uma cultura rotineira da população brasileira.
Olhar Virtual: O que se extrai desses materiais?
Julio Carlos Afonso: Algumas coisas, como placas de circuito impresso, quando se tem escala, como o celular, as empresas mandam para a Europa para reciclagem. Além de metais tóxicos, tem também metais preciosos, como ouro, prata, platina, paládio. É um material valiosíssimo como fonte secundária para recuperação de ouro. Uma tonelada de placas de telefone celular tem cerca de 300 gramas de ouro, enquanto no minério natural, hoje, se chega a dois gramas por tonelada. A placa de computador chega a 100 gramas de ouro por tonelada. Só que a matriz é muito mais complexa que o mineral natural e esse é o desafio em termos de pesquisa e desenvolvimento de soluções que visem recuperar metais de alto valor agregado presentes numa mistura de 60 elementos da tabela periódica em placas de circuito impresso.
Olhar Virtual: E o que fazer com os metais que causam prejuízos?
Julio Carlos Afonso: O ideal é substituí-los por outras combinações menos tóxicas ou então conceber um tipo de produto que seja mais facilmente reciclado após a vida útil, ou seja, que facilite a separação desses elementos tóxicos daqueles de alto valor agregado.
Olhar Virtual: O que fazer se é difícil encontrar local apropriado para descarte do lixo?
Julio Carlos Afonso: Esse é um ponto que vou tratar na palestra. Há uma pergunta que até agora não foi respondida: para onde irão todos os televisores que estão sendo substituídos pelas TVs de LCD e plasma?
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