Edição 215 05 de agosto de 2008
O encarecimento de combustíveis fósseis, a tentativa de reduzir a dependência internacional em relação ao petróleo e a busca pela redução da emissão de dióxido de carbono a fim de conter o aquecimento global são alguns dos motivos que impulsionam a produção de biocombustíveis pelo mundo. Algumas correntes, contudo, criticam essa produção, argumentando que ela tem causado desflorestamento e aumento no preço dos alimentos.
É o caso da organização não-governamental Oxfan, dedicada ao combate à pobreza mundial, que através do relatório Uma outra verdade inconveniente criticou duramente a maneira como os países desenvolvidos estão lidando com o planejamento e fomento da produção de biocombustíveis. Nesse documento, a ONG afirma que o uso de grãos para a produção energética propiciou uma baixa histórica nos estoques. Isso gerou um aumento de 30% no preço dos alimentos em escala mundial, levando 30 milhões de pessoas à pobreza, segundo cálculos da ONG. Eles afirmam ainda que, apesar de haver problemas sociais e de sustentabilidade ambiental em sua produção, o etanol brasileiro é o biocombustível mais favorável em termos de custo e equilíbrio de gases do efeito estufa.
Quais são as reais conseqüências e os benefícios da produção de energia vegetal? Conversamos com Donato Aranda, professor da Escola de Química (EQ / UFRJ) e especialista no assunto, para saber qual a importância da produção dos biocombustíveis no contexto atual e entender se ela é benéfica ou realmente atinge a segurança alimentar mundial.
Olhar Virtual: Qual o papel dos biocombustíveis no combate aos problemas climáticos vividos atualmente (efeito estufa e aquecimento global, por exemplo)?
Muito importante, o programa do etanol brasileiro, baseado na cana-de-açúcar, já evitou mais de 600 milhões de toneladas de CO2 poluindo a atmosfera. Isso é um dado concreto.
Olhar Virtual: Atualmente, há uma corrente que afirma que os biocombustíveis, ao captar grãos anteriormente utilizados na alimentação, por exemplo, causam aumento nos preços dos alimentos e, num futuro próximo, acarretará fome e aumento da pobreza mundial. Qual a sua opinião acerca dessa questão?
A minha opinião é que existem inúmeras outras razões para o aumento no preço dos alimentos. Desde a crise no setor imobiliário, o sub-prime americano (que tem deslocado forte especulação para o mercado de commodities), até o aumento do preço do petróleo. Se não fossem os biocombustíveis, o preço do petróleo estaria bem acima do que está agora. Certamente estaria a mais de US$ 150 o barril. Para os produtores de petróleo é interessante que não haja biocombustíveis. Exceção tem que ser dada à Petrobras que vem apoiando os biocombustíveis de forma bastante racional.
Olhar Virtual: O que pode ser feito para que uma estrutura agrária coexista sem prejuízos mútuos entre a plantação para fins energéticos e para fins alimentares?
No Brasil, temos mais de 90 milhões de hectares de áreas disponíveis para novos empreendimentos agrícolas. Aqui é perfeitamente possível integrar as duas coisas. O pinhão manso pode, sim, ser produzido em áreas degradadas que não servem para a produção de alimentos. As microalgas podem ser produzidas até no deserto. Mesmo a soja deve ser melhor discutida. Quando se produz soja para produzir óleo para biodiesel gera-se quatro vezes mais farelo de soja. Esse farelo é proteína para ração animal. Isso vira alimento de verdade, nos frangos, porcos etc. Portanto, já ocorre uma integração.
Olhar Virtual: A agência humanitária Oxfan, através do relatório Uma outra verdade inconveniente, criticou a taxação dos países ricos ao etanol brasileiro e o considerou como o biocombustível mais barato e menos prejudicial à segurança alimentar global. Você concorda com a afirmação?
Você quer dizer acabar com a taxação ao etanol brasileiro, certo? Concordo!
Olhar Virtual: De que forma a expansão das áreas de produção de álcool no Brasil podem afetar a economia alimentar? A inflação nos preços dos alimentos vivida atualmente no país possui alguma relação com as plantações de cana-de-açúcar voltadas para a produção de etanol?
Não existe essa relação no Brasil; a agricultura depende fortemente do preço do diesel. Isso sim é que está afetando os alimentos, bem como os fertilizantes derivados do petróleo.
Olhar Virtual: Quais os principais desafios para a produção de biocombustíveis no Brasil?
Fazer a escolha certa para cada região e ter o máximo de cuidado e zelo em não provocar nenhuma devastação.
Olhar Virtual: Alguns já falam na utilização de culturas geneticamente modificadas (GM) como alternativa a essa necessidade de aumento produtivo na área agrícola. Contudo, ainda não se conhece os efeitos dos GMs na saúde humana. Qual sua opinião sobre esse possível uso?
Essa não é minha área. Para os biocombustíveis tanto faz. Mas temos que tomar todo o cuidado para não fazer o uso daquilo que não conhecemos direito.