Edição 328 22 de fevereiro de 2011
Um estudo da Organização das Nações Unidas (ONU) calculou que um bilhão de pessoas sofre de fome crônica no mundo. Significa dizer que um sexto da população mundial não tem acesso pleno à comida e não dispõe de condições mínimas de sobrevivência. As Nações Unidas também estimam que, diariamente, cerca de 18 mil crianças morrem em conseqüência da subnutrição.
No Brasil, a situação reflete a gravidade do quadro mundial: 46,6% das famílias apresentam dificuldades para conseguir alimentos suficientes à sua alimentação. Para 13,8% desse total, essas dificuldades são freqüentes.
Como um país que produz mais de 130 milhões de toneladas de grãos sofre com a carência de alimentos? De acordo com muitos especialistas, a fome é produto de ações do próprio homem e não um fenômeno natural. Para debater o assunto, o Olhar Virtual conversou com Anna Maria de Castro, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS) da UFRJ. Confira a opinião da pesquisadora sobre o tema.
Olhar Virtual: Como a questão da soberania alimentar pode auxiliar o mundo a erradicar/diminuir o problema da fome? Como o alimento deve ser produzido e distribuído para garantir a soberania alimentar de todos os povos?
Anna Maria de Castro: O desejável, do ponto de vista da Soberania Alimentar, é que cada País pudesse ter sua produção agrícola voltada, prioritariamente, para a alimentação de sua própria população. Entretanto, este princípio que parece simples e fácil de ser compreendido encerra profundas dificuldades para ser cumprido e aceito nos dias de hoje.
Olhar Virtual: Já existem no mundo hoje políticas que resguardem efetivamente o direito à alimentação e à terra? Se sim, como e onde elas funcionam? Elas são ideais? Podem ser adaptadas ao mundo todo?
Anna Maria de Castro: Embora lentamente, o mundo tem evoluído no sentido de empreender medidas capazes de diminuir as agruras da fome. É certo, que o desejável, seria mais celeridade ações mundias e nacionais. Como afirmava, com total razão, o saudoso cientista social Herbert de Souza, nosso “Betinho”, quem tem fome tem pressa.
Olhar Virtual: Qual o papel da Reforma Agrária e do acesso aos meios de produção na edificação de uma sociedade sem fome?
Anna Maria de Castro: Uma consistente Reforma Agrária provocaria uma sensível melhoria nas condições de vida de toda a população brasileira. A começar pela fixação do homem no meio rural. Embora se admita que a vida na cidade seja atraente nem sempre ela propicia os meios de sobrevivência adequados. A produção agrícola familiar que hoje já é expressiva muito crescerá. Os conflitos diminuirão e a produção de alimentos para a população será mais eficaz, com certeza.
Olhar Virtual: Quais as influências de organizações como a OMC, o FMI e o BID no mercado mundial de alimentos?
Anna Maria de Castro: Estes Organismos são criações dos países desenvolvidos com vistas a exercer controle econômico e financeiro sobre os demais países. Deste modo, embora pontualmente possam ser úteis, no geral não oferecem o auxílio na direção e na quantidade desejadas.
Olhar Virtual: A soberania alimentar ainda é um tema pouco debatido. Que motivos poderiam explicar o silêncio em torno desse assunto? A quem interessa manter a produção de alimentos longe da população nativa do país?
Anna Maria de Castro: Sua afirmação é em parte verdadeira. Ainda não há um amplo debate sobre o assunto. A sociedade não se envolveu como um todo. As preocupações de Josué de Castro de que tratar da fome assim como tratar de sexo, constituem-se em romper com tabus, manifestadas no prefácio da Geografia da Fome talvez ainda estejam presentes entre nós.