Edição 259 21 de julho de 2009
As tentativas de promoção da inclusão digital tornaram-se recentemente tema para debates. A implantação do acesso gratuito à internet em banda larga sem fio (Wi-fi) em Ipanema e Leblon, no dia 26 de junho, ampliou o projeto “Orla Digital”. A iniciativa do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia (Coppe) é uma parceria com a Secretaria Estadual de Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro, com recursos da Fundação Carlos Chagas de Apoio à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).
Iniciado em 2008, com a instalação da rede de acesso Wi-fi na orla de Copacabana, o projeto conta com equipamentos com capacidade para mais de 40 conexões simultâneas por ponto de acesso. Um estande com 15 computadores foi montado nas praias de Ipanema e Leblon, onde durante 90 dias serão oferecidas oficinas de informática à população. A partir dessa experiência, a internet sem fio foi estendida a comunidades da Cidade de Deus, em Jacarepaguá, e Santa Marta, em Botafogo.
No entanto, a instalação da rede Wi-fi primeiramente em áreas da zona sul vem provocando críticas quanto a um possível viés elitista do programa. A escolha pela orla da zona sul representaria um privilégio a uma pequena parte da população? A população de baixa renda realmente está se beneficiando do acesso à internet sem fio? Um projeto como esse não deveria ser implantado antes em áreas menos favorecidas? O Olhar Virtual conversou com os professores Luis Felipe de Moraes, um dos coordenadores do projeto desenvolvido pela Coppe, e Fabio Ferrentini Sampaio, do Núcleo de Computação Eletrônica (NCE-UFRJ), para responder a essas e outras perguntas.
“É sabido que Copacabana possui uma das maiores populações flutuantes do Rio. Portanto, olhar este projeto pela ótica de que seria elitista constitui-se numa visão no mínimo míope, distorcida.”
Luis Felipe de Moraes
Professor do Programa de Engenharia de Sistemas e Computação da Coppe e um dos coordenadores do projeto
“Não acho que a implantação de um projeto como esse na zona sul possa ser considerado elitista. Primeiro, porque os projetos implantados visam possibilitar diversas aplicações, muitas delas de utilidade pública e em áreas diversas, tais como saúde, educação e segurança. Ou seja, os projetos são vistos como uma oportunidade de gerar e testar novas tecnologias, um verdadeiro laboratório a céu aberto. Segundo, porque um grande contingente de pessoas de baixa renda já tem sido beneficiado pelo acesso à rede e aos vários cursos oferecidos gratuitamente pelo Estado.
É sabido que Copacabana possui uma das maiores populações flutuantes do Rio, onde milhares de pessoas que ali trabalham deslocam-se diariamente de vários subúrbios da zona norte, da Baixada e outros locais distantes. Muitas dessas pessoas aproveitaram suas horas de folga durante o dia para atender aos cursos que foram oferecidos durante vários meses em locais com microcomputadores ligados à internet, instalados ao longo da orla. Portanto, olhar este projeto pela ótica de que seriam elitistas constitui-se numa visão no mínimo míope, distorcida.
Além do mais, há o aspecto do turismo, dos hotéis, dos quiosques, dos taxistas, de vários outros negócios que também se beneficiaram desde o primeiro momento em que a rede foi inaugurada; e continuam se beneficiando, criando inclusive novas formas de oferecer serviços e facilidades a pessoas interessadas.
A tendência é haver um acréscimo ainda maior de tudo isso, quando novas aplicações e projetos começarem a ser testados naqueles locais. Acho que a escolha da orla pelo governo deveu-se ao fato de se tratar de uma grande área pública de circulação, para onde convergem muitas pessoas diariamente e, mais ainda, em finais de semana, feriados e datas comemorativas, eventos públicos etc. Além disso, é uma área de grande afluência de turistas, o que também contribui para ajudar visitantes com relação a diversos fatores.
Em termos técnicos, as orlas, sendo mais desimpedidas de obstáculos, também facilitam o aspecto relacionado à propagação das ondas eletromagnéticas nas frequências utilizadas, o que seria mais complicado no meio dos prédios, ou seja, no interior dos bairros. Nada que não pudesse ser resolvido tecnicamente, mas daria mais trabalho e implicaria projetos mais complexos e mais elaborados.
Certamente, essa seria uma ferramenta importante para promover a inclusão digital se implementada em áreas menos favorecidas. Mas a implantação precisaria acontecer juntamente com planejamento e suporte, para se colocar também em prática aplicações de interesse. Iniciar um projeto como esse nessas regiões não faria tanta diferença em um primeiro momento.
O projeto de Copacabana, por exemplo, pode ser considerado um piloto. Deu certo. Mas também foram observadas muitas coisas que são necessárias e precisam ser pensadas com atenção em projetos posteriores. A partir da experiência do projeto de Copacabana, conseguimos fazer uma rede ainda melhor, com equipamentos mais robustos e capazes de propiciar qualidades de serviço muito melhores no uso da rede em Ipanema/Leblon.”
“A iniciativa é muito interessante, mas temos que ir além. Quer dizer, como é que eu posso, com essas redes sem fio, fazer com que pessoas com dificuldade de acesso por questões financeiras possam efetivamente tirar proveito disso?”
Fabio Ferrentini Sampaio
Co-responsável pela Pós-Graduação em Tecnologias da Informação Aplicadas à Educação no NCE
“Quando falamos em inclusão digital, acredito que o mais relevante é que ela não pode ser simplesmente algo como saber manipular mecanicamente uma tecnologia. Isso está tão difundido ou vai se difundir cada vez mais na sociedade que você não vai precisar disso. O essencial é o uso que eu faço dessa tecnologia. Como eu posso perceber o que essa tecnologia pode me dar?
Um exemplo que eu vi de perto foi o curso que nós oferecemos aqui no NCE, em 2002, para o pessoal de apoio da instituição, como marceneiros, pedreiros e carregadores. Depois da conclusão, um dos alunos, que era pintor, veio me procurar porque queria colocar uma página na internet para mostrar o seu trabalho e conseguir mais clientes. Ou seja, ele percebeu que essa tecnologia podia abrir novas perspectivas, no caso, econômicas. Soube perceber que aquela tecnologia podia dar algo além de entretenimento. Acredito que esse seja o entendimento que temos que ter ao falar de inclusão digital. Esta é a verdadeira razão em falar disso, algo que deveria realmente atravessar todas as camadas da sociedade.
É lógico que, em uma família de classe média, esse tipo de conhecimento vem naturalmente. Mas se você fala de uma comunidade de baixa renda, em que as pessoas provavelmente não têm o equipamento em casa, talvez faça sentido existirem espaços na comunidade, onde as crianças possam acessar a internet como ferramenta de trabalho. Hoje, isso está mudando um pouco por causa dos financiamentos que têm favorecido a compra dos equipamentos, mas a parte da internet ainda é muito cara.
É fácil fazer as pessoas entenderem que devem pagar pelos computadores, mas pagar pelo acesso é mais difícil. Como eu faço? Precisa-se olhar para isso no país: a questão de facilitar esse acesso, baratear, para que essas pessoas possam realmente se incluir. E tem também a questão dos conteúdos. Preparar as pessoas para tirar proveito disso.
Hoje a maioria dos conteúdos da web é desenvolvida pela classe média e alta; então o que eu poderia fazer para que pessoas de baixa renda também pudessem produzir conteúdo? Serem autores de conhecimento? Precisamos olhar para isso com cuidado. As escolas têm um papel importante porque podem disponibilizar os meios, as ferramentas, os computadores e saber fazer uso inteligente disso, o que pode motivar os alunos para que, fora da escola, consigam enxergar que ali eles têm uma ferramenta da qual podem tirar proveito em aspectos da sua vida, não só para resolver problemas da escola.
Quanto à instalação da rede Wi-fi de acesso gratuito na orla da zona sul, eu acho que tem que começar por algum caminho. O pior de tudo seria não ter nada disso. Na orla há a questão do turismo, que é um aspecto importante da cidade do Rio de Janeiro e acaba gerando renda para as pessoas que trabalham nessas áreas e moram em áreas menos favorecidas. A iniciativa é muito interessante, mas temos que ir além. Quer dizer, como é que eu posso, com essas redes sem fio, fazer com que pessoas com dificuldade de acesso por questões financeiras possam efetivamente tirar proveito disso? Eu acho que essa é a grande questão.
Quando eu falo do acesso na Cidade de Deus e Santa Marta, como é que eu posso ir além com esses moradores? Está chegando computador nesses lugares? Há lan houses? Cursos? As escolas estão usando? Essas são as perguntas que precisaríamos fazer. A iniciativa do governo de dar alguns cursinhos é ótima, mas deveria ter um caráter mais permanente que eu não sei se tem.
Acredito ainda que investir em banda larga de graça em áreas onde seu acesso se torna inviável, devido aos preços elevados, é uma medida importante para acabar com os ‘gatos’ de internet. Ninguém gosta de andar na ilegalidade, mas os custos são impraticáveis. Eu volto a dizer: os acessos aos equipamentos, à internet e ao ensino dessas tecnologias têm que caminhar juntos.”