Edição 186 04 de dezembro de 2007
Uma retrospectiva da economia e da política do estado do Rio de Janeiro permite analisar as oscilações do mercado de trabalho carioca e fluminense nas últimas décadas. O crescimento do trabalho informal e a exportação de mão-de-obra qualificada constituem o cenário da antiga capital da República, marcada pela lógica clientelista.
Os municípios vizinhos também sofreram conseqüências do processo de decadência e, hoje, tentam ascender. A falta de emprego, a carência de pessoas qualificadas para ocupar determinados cargos, a maior incidência de homicídios e da violência em geral podem ser apontados como reflexos de má administração.
Para refletir acerca do assunto, o Olhar Virtual conversou com Maria de Fátima Gomes, professora da Escola de Serviço Social e com Mauro Osório, professor de Economia da Faculdade de Direito e autor do livro Rio nacional, Rio local: mitos e visões da crise carioca e fluminense.
“O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) fez um estudo recentemente em que se observa que a carência de mão-de-obra não é um problema generalizado. Varia de acordo com as dinâmicas de cada região. Quem tem uma visão mais liberal da economia acredita que se houver investimento em educação e mão-de-obra qualificada, o mercado resolve o resto. Quando, na verdade, o que permite o dinamismo econômico é uma conjunção de fatores, passando pela questão da mão-de-obra, da infra-estrutura e do crédito.
Se houver excesso de mão-de-obra qualificada, mas ela não for acompanhada de outros fatores, essa força de trabalho tende a migrar e ficar subutilizada. O Brasil, que já atraiu muita mão-de-obra no início do século XX, a partir dos anos 80 passou a exportá-la.
Segundo pesquisa realizada pelo Relatório Anual de Informações Sociais (RAIS), na indústria de transformação, em 1985, o estado do Rio de Janeiro gerava cerca de 2,5 milhões de empregos com carteira assinada, perdendo apenas para São Paulo. A partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), em 2007, o estado do Rio estava na sétima posição no saldo de empregos formais gerados. Nesse sentido, é importante considerar a indústria um setor de peso, visto que uma parte da agricultura e de serviços está sendo produzida para este ramo da economia.
Até os anos 50, o Rio de Janeiro era a cidade-capital e isso conferia grande prestígio, atraía grandes empresas e universidades. É por isso que a Petrobras, a sede do BNDES e da Xerox e boa parte das Forças Armadas estão aqui. O dinamismo da cidade derivava, principalmente, do mercado consumidor carioca do pós-ciclo cafeeiro, da capitalidade e dos investimentos federais.
Nos anos 60 e 70, o Rio passou por um processo de decadência. Alguns economistas dizem que a partir de 1995 o estado começou a retomar sua economia. Acredito que hoje estamos recuperando-a. A saída da capital do Rio, a ausência de estratégias de recuperação e a continuidade administrativa de viés clientelista podem ser apontados como principais fatores responsáveis pela desestruturação. A partir dos anos 80, a economia estagnou e o estado entrou em uma crise fiscal.
Na ditadura, os militares caçaram seguidores da Frente Ampla, composta por Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e João Goulart, cedendo espaço e liderança para Chagas Freitas, homem da elite carioca, dono do jornal O Dia (na época com tiragem de 300 mil exemplares), presidente do Sindicato Nacional de Jornais e Revistas do Rio de Janeiro. A política carioca foi tamponada com a lógica clientelista, personalista. É a lógica da troca de favores, da terceirização e não do concurso público.
Com o advento da Terceira Revolução Tecnológica (que sobrepôs o conhecimento ao capital através da informação. É a chamada “Era do conhecimento”), as relações são mais porosas, exigem mais troca. Portanto, quanto mais organizações horizontais uma sociedade tem, mais relação de confiança se constrói. A lógica clientelista é ruim do ponto de vista social, político e econômico, uma vez que cria menos instituições organizadas e menos participação popular.
Os jovens também sofreram com a queda de oferta de empregos formais, principalmente nos últimos anos. A falta de perspectiva rebate na questão da violência. Além da questão social, o Rio de Janeiro sofre com falta de saneamento básico. Há mais domicílios não atendidos por água encanada no estado do que no Nordeste, dados do IBGE de 2004.
No Brasil, a pessoa só é considerada desempregada se estiver procurando emprego na última semana. Essa é a metodologia da Organização Internacional do Trabalho (OIT), para países desenvolvidos, principalmente no período de ouro do capitalismo – anos 30. No entanto, isso não engloba o menino que está vendendo bala no sinal, por exemplo.
Há uma série de investimentos previstos para o Rio de Janeiro, no setor petroquímico, na indústria siderúrgica, entre outros. O estado tem potencialidade na parte de entretenimento, cultura… Mas é preciso articular políticas e estratégias para obter um bom resultado. É preciso gerar investimentos na área de segurança pública e ambiental e fomentar debates regionais.”
“Os dados levantados no Brasil revelam que o mercado informal tem crescido a partir das transformações verificadas com a globalização. Esse processo implicou uma ampla abertura comercial e a liberalização dos mercados, verificando-se a livre circulação de capitais, de produtos e de força de trabalho.
O setor informal, no passado, teve a função social de absorver mão-de-obra excedente e atenuar a crise do mercado formal de trabalho. No momento atual, esse setor tem contribuído para ampliar a margem de lucro das empresas, através de recursos como a flexibilização e a terceirização de trabalhadores, ampliando seu papel no sentido de gerar de riquezas. Assim, o trabalho informal tende a se ampliar no contexto atual.
Nessa categoria se inserem desde vendedores ambulantes até profissionais liberais bem qualificados, ainda que articulados com o setor formal, mas colocados à margem. Os dados obtidos na pesquisa realizada no Rio de Janeiro permitem caracterizar o vendedor ambulante e suas atividades no momento atual.
A maioria inicia esse tipo de trabalho em caráter provisório e aos poucos assume essa atividade como definitiva. Desenvolvem uma atividade em relação estreita com o setor formal e apontam a flexibilidade do trabalho e o maior rendimento como vantagens da atividade, apesar de cumprirem uma jornada de trabalho maior que a do setor formal e não usufruírem dos mesmos benefícios.
Em geral, essa atividade é desenvolvida não apenas por pobres ou pessoas com pouca escolaridade, mas também por profissionais qualificados que estão desempregados. Há uma diversificação muito grande das atividades, nas formas de sua realização e nos rendimentos auferidos.
Apesar do crescimento relativo da renda no setor informal, percebe-se uma sensação de desproteção por parte daqueles que se beneficiaram das garantias previdenciárias do setor formal, isto é, dos que fizeram a transição do formal ao informal.”
Trabalho informal — a questão do comércio ambulante no Rio de Janeiro é parte de uma pesquisa comparativa internacional, iniciada em 2003, denominada Ambulantage entre Le local et le global, sob a coordenação do prof. Jérôme Monet, da Université Paris-8.
Em 2005, o Núcleo de Pesquisa e Extensão Favela e Cidadania da Escola de Serviço Social da UFRJ realizou um seminário internacional intitulado Comércio, cultura e políticas públicas em tempos de globalização, reunindo pesquisadores de diferentes países e de diversas áreas do conhecimento, dando origem à coletânea Cidade, transformações no mundo do trabalho e políticas públicas — a questão do comércio ambulante em tempos de globalização.