Edição 336 3 de maio de 2011
Ilustração: João Rezende |
Se um bueiro explode em algum país europeu ou nos Estados Unidos, suspeita-se imediatamente de um ataque terrorista. No Rio de Janeiro, as tampas de metal são arremessadas, espalham terror e também fazem vítimas. A responsabilidade pelos acidentes é conhecida e, mesmo assim, os episódios continuam a se repetir. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), desde 2004, foram 40 ocorrências em bueiros da Light. Do total de incidentes, 28 foram explosões. O resto divide-se entre incêndios e aparecimento de fumaça. O município tem apenas 2% da rede elétrica sob o solo, número pequeno se comparado a outras cidades de países desenvolvidos. Copacabana, o bairro mais afetado, transformou-se em campo minado.
Ao passear por um dos cartões-postais do Rio, um casal norte-americano foi atingido, em junho de 2010, por uma explosão de bueiro. O homem teve 30% do corpo queimado e ficou internado por quase um mês. A mulher teve queimaduras em 80% do corpo e teve alta da clínica somente após quatro meses. Em abril deste ano, um táxi também foi arremessado por uma tampa, quando passava em uma das principais avenidas de Copacabana.
As redes de distribuição subterrâneas, por onde passam fios e dutos, formam verdadeiras cidades no subsolo. O pesquisador sênior e coordenador do Grupo de Análise de Risco Tecnológico e Ambiental da Coppe/UFRJ, Moacyr Duarte, explica que, quando as redes recebem manutenção adequada, além de oferecer mais segurança do que a distribuição aérea, elas são também mais desejáveis. Tais instalações deixam a paisagem urbana mais bonita sem os emaranhados de fios. Porém, a falta de mapeamento e a desordem na ocupação subterrânea acabam por colocar a vida de todos em risco.
Olhar Virtual: Por que os bueiros explodem?
Moacyr Duarte: Quando um bueiro é lançado, na verdade, houve uma explosão na câmara subterrânea. Essa câmara é como um quartinho embaixo do chão. Lá podem ter transformadores de eletricidade, equipamentos de telefonia, de gás, cabos ópticos, elétricos e dutos. A explosão gera uma pressão suficiente para levantar e até arremessar a tampa de metal que fica na superfície do solo. No caso das recentes explosões da Light, elas podem ter sido motivadas por duas razões. Uma delas é a contaminação por substância inflamáveis como gás da CEG ou vazamento de combustível de um posto de gasolina. A segunda possibilidade é um curto-circuito em um equipamento. Os transformadores também podem sofrer sobrecargas elétricas, o que aumenta muito a temperatura deles. Nesses aparelhos, há muito óleo isolante que funciona como uma capa para os fios, porém esse material é inflamável e, quando entra em contato com o ar, pega fogo e causa explosão.
Olhar Virtual: Quais foram as causas das explosões do ano passado e deste ano aqui no Rio de Janeiro?
Moacyr Duarte: Não dá para saber, porque os laudos das investigações nunca vêm a público. Os acidentes acontecem, a Light pede desculpas, diz que vai tomar providências, o diretor de comunicação da empresa escreve artigos nos jornais. E o que acontece? Alguns dias se passam e os episódios se repetem.
Olhar Virtual: A Light diz que faz a manutenção de suas câmaras subterrâneas a cada três meses. Esse prazo é suficiente?
Moacyr Duarte: O que a empresa diz não tem sentido técnico. As câmaras subterrâneas não são todas montadas com os mesmos equipamentos. Então, para determinado equipamento esse prazo pode ser muito longo, enquanto para outro pode ser muito curto. Tem que apresentar o que está instalado em cada câmara e fazer uma manutenção preventiva de acordo com as necessidades particulares de cada aparelho. O presidente da Light foi infeliz ao dar essa declaração. As explicações deles são insuficientes. Depois eles vieram com estatísticas comparativas com outros países. Acidentes com distribuição subterrânea acontecem em todo o mundo, mas não é como aqui no Brasil. No exterior, as empresas são processadas, perdem a concessão e recebem multas. Aqui tudo se repete, mais pessoas se machucam, mais prejuízos.
Olhar Virtual: De quem é a responsabilidade por esses incidentes com tampas de bueiro no Rio?
Moacyr Duarte: A responsabilidade direta é da concessionária de energia elétrica. Porém, se houve contaminação, a culpa é compartilhada entre a Light e o outro órgão que pode ser a CEG ou um posto de gasolina ou uma empresa de telecomunicação. Mas não há laudos. A própria empresa faz a apuração do caso.
Olhar Virtual: O que o poder público deve fazer para que episódios como os ocorridos em Copacabana não se repitam?
Moacyr Duarte: Tem que ser feito um mapeamento da rede subterrânea. Não se sabe por onde passa fio, por onde passam dutos, não há um mapa do subsolo do Rio. Agora, só depois desses acidentes que começaram a fazer esse traçado. A responsabilidade não é só da prefeitura. Tem que haver uma cooperação entre as três esferas do poder. A prefeitura, porque é responsável pelo uso do solo por onde passam as redes subterrâneas. O governo estadual tem culpa, porque deu a concessão de distribuição de energia elétrica a Light e administração federal tem que fiscalizar o serviço através da agência reguladora, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).
Olhar Virtual: A Light disse que vai instalar um sistema de monitoramento nas câmaras de transformação com câmeras, rádios e sensores que transmitirão todos os dados para um centro de controle. Isso resolve o problema?
Moacyr Duarte: Isso explicita que ela não tem controle nenhum até agora. Quantas explosões foram necessárias para isso acontecer? Quantos acidentes? Quantas vítimas? Se podia ter feito isso, por que não fez? Mas teve que queimar turistas e ferir moradores. Seja qual for o sistema de segurança que ela esteja usando, ele não funciona. A empresa não pode ser reativa, tem que ser pró-ativa. A Light não faz mais que a obrigação dela. Ela faz declarações agora para tentar tranquilizar os cariocas. É uma vergonha.
Olhar Virtual: Há redes subterrâneas no Rio de Janeiro que são dos anos 1950. Além de ser antiga, há um compartilhamento entre empresas de energia, gás, esgoto, telefonia, metrô, águas pluviais etc. Esse uso comum representa algum risco maior?
Moacyr Duarte: Esse compartilhamento é comum. Mas é necessário que haja um mapeamento da infraestrutura subterrânea. A mesma ocupação desordenada que é feita do solo carioca acontece no subsolo. Não existe um telefone para o cidadão que quer fazer uma perfuração no solo ligar e consultar se passa algum fio ou duto. Não há canais de relacionamento com as concessionárias. Sem esse mapa, corre-se o risco de instalar rede de energia elétrica próxima à de gás, o que causa acidente.
Olhar Virtual: Os roubos de tampas e cabos contribuem para os acidentes?
Moacyr Duarte: Sim, nesse ponto a Light tem razão. Em plena luz do dia, roubaram três quilômetros de cabos na Avenida Rio Branco. Nessa questão existe um porém. Esse tipo de crime é praticado por pessoas que entendem do assunto, que têm conhecimento da rede. Deve haver uma integração entre concessionária e poder público. Quando se faz uma obra, a guarda municipal pode ser avisada para que faça uma ronda mais cuidadosa na região. Deve haver o combate tanto a quem rouba os fios, quanto ao receptor, que compra o material roubado.
Olhar Virtual: A rede de distribuição subterrânea é mais segura que a aérea?
Moacyr Duarte: Além de ser mais segura, ela é mais desejável urbanisticamente. Os fios deixam a cidade feia e ofuscam a beleza da arquitetura carioca. A fiação aérea nos postes causa acidentes com crianças que empinam pipa e com caminhões altos que arrebentam os fios, facilita o roubo de energia e outras desvantagens. Porém, não se pode aumentar a rede subterrânea sem controle, do jeito que está hoje. Mesmo que não se pretenda aumentar, é urgente que se regularize e se mapeiem as redes de modo a evitar mais acidentes.
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