Edição 359 16 de janeiro de 2011
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A coletânea África, Escritas Literárias: Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe reúne ensaios que foram originalmente apresentados no “III Encontro de Professores de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa”, organizado pela UFRJ, em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro e a Universidade Federal Fluminense (UFF), em novembro de 2007.
O livro contém ensaios que fazem uma análise de obras das literaturas africanas de língua portuguesa. Para compreender melhor a temática e os objetivos do livro, conversamos com uma das organizadoras da coletânea, Carmen Tindó, professora de Literaturas Africanas de Língua Portuguesa, do Departamento de Letras Vernáculas da Faculdade de Letras da UFRJ.
Olhar Virtual: Quais foram os objetivos desse encontro de professores de literaturas africanas e da publicação do livro de ensaios?
Carmen Tindó: Um dos principais objetivos da publicação do livro e do III Encontro foi, além de divulgar obras e escritores dos países africanos de língua portuguesa, aprofundar as discussões acerca dos estudos africanos no Brasil.
África, escritas literárias se impõe como uma obra que, além de expressar a vocação cada vez mais plural das letras africanas, se deseja instigadora de novas leituras e leitores, colaborando para um maior entendimento das culturas e literaturas dos países africanos de língua portuguesa.
Uma outra meta do III Encontro foi avaliar alguns dos resultados da implantação, no Brasil, da lei 10.639 (que tornou obrigatório, em 2003, o estudo da história e cultura africanas e afro-brasileiras no ensino fundamental, médio e universitário, em todo território brasileiro).
África, Escritas Literárias foi fruto desse terceiro encontro, reunindo os ensaios apresentados. O primeiro encontro ocorreu em 1991, na UFF, quando a área ainda era pouco conhecida. O tema deste evento foi “Repensando a africanidade”. Não havia regularidade nesses encontros; o segundo encontro, cujo tema foi “Balanços e Perspectivas”, só aconteceu 12 anos depois, em 2003, na USP. O IV Encontro foi realizado em 2010, em Minas Gerais, na cidade de Ouro Preto. Podemos já observar que os encontros, desde 2007, se tornaram periódicos, acontecendo de três em três anos. O V Encontro já está marcado para 2013 e terá como sede a USP.
O III Encontro também rendeu a ideia da criação da Associação Internacional de Estudos Literários e Culturais Africanos (AFROLIC), que foi regulamentada durante o IV Encontro, ocorrido em Ouro Preto, em 2010.
Olhar Virtual: Como foi o processo da organização do livro? Como os textos foram escolhidos?
Carmen Tindó: Os textos das comunicações e das mesas-redondas do evento encontram-se em um CD. Há também um livro publicado pela Fundação Biblioteca Nacional: Pensando África: Literatura, arte, cultura e ensino. Nesta obra, foram inseridas as conferências e os textos dos escritores africanos que estiveram presentes ao evento. Em África, Escritas Literárias, coletânea editada pela Editora da UFRJ, foram reunidos os ensaios apresentados nas mesas-redondas. Nessas plenárias, especialistas brasileiros e estrangeiros de alto nível participaram e foi importante divulgar os textos deles, na medida em que constituem um rico material de pesquisa para a área dos Estudos Africanos.
Olhar Virtual: Como foi feita a divisão do livro?
Carmen Tindó: Os ensaios foram agrupados pelos temas das mesas-redondas e também pelos assuntos das falas de cada professor. O primeiro bloco foi intitulado “Literatura, Mito, História e Poder” e tem, por exemplo, um ensaio da profa. Rita Chaves, que, analisando dois livros angolanos, discute as tendências das narrativas contemporâneas de Angola; o segundo bloco reúne os textos que abordam a tradição e a modernidade; o terceiro agrupa ensaios que exploram a questão feminina; o quarto bloco, sob o título “Comparatismo Literário e Ensino de Literatura”, englobou ensaios acerca dos estudos literários comparados e do ensino das Literaturas Africanas no Brasil, focalizando, em especial, aspectos da lei 10. 639/2003.
Olhar Virtual: Qual a relevância da integração entre a África e o Brasil, por intermédio do estudo de aspectos culturais africanos?
Carmen Tindó: Conforme pensa o escritor moçambicano Mia Couto, “a África não pode ser reduzida a uma entidade simples, fácil de entender e de caber nos compêndios de africanistas. Nosso continente é resultado de diversidades e mestiçagens”.
Nós temos uma dívida com a África, temos raízes vindas de diversas regiões desse imenso continente. Embora haja diferenças grandes entre nossa cultura e as das inúmeras etnias existentes na África, temos um passado que nos liga. O conhecimento da história, das artes, dos mitos, das literaturas africanas torna-se importante, pois nos enriquece culturalmente. Estudar a África, ou melhor, “as várias Áfricas”, ajuda a compreender melhor o Brasil. Muitos brasileiros, por vezes, ao se voltarem para a África, só pensam em aspectos das religiões afro-brasileiras: a umbanda, o candomblé, que não existem no continente africano. Essa visão é exótica e deve ser combatida, porque a África tem diversidades religiosas, culturais, históricas, econômicas, literárias. Em geral, olha-se para a África como se fosse um todo homogêneo, procurando semelhanças, mas é fundamental enxergar as grandes diferenças, observando que a África é multifacetada.
Olhar Virtual: Qual a importância da lei 10.639 e como a senhora encara a aplicação dela no Brasil?
Carmen Tindó: Considero essa lei bastante significativa, no sentido de corrigir as discriminações raciais em nosso país. Após sua implementação, houve uma maior visibilidade dos Estudos Africanos e das Literaturas Africanas no Brasil, nas Universidades e escolas. Há certos estados brasileiros que já conseguiram aplicar a lei, mas outros ainda o fazem com muitas limitações, em decorrência da falta de professores especializados. As Secretarias de Educação dos diversos estados e municípios brasileiros devem sistematizar programas e disciplinas referentes à lei, oferecendo cursos sobre África, de modo a ir capacitando os docentes que atuam no ensino fundamental e médio.
A UFRJ, desde 1996, vem contribuindo para a implementação dessa lei, uma vez que oferece um curso de especialização em Literaturas Africanas anualmente. Contudo, só tem condições de formar, por ano, uma turma, pois são apenas dois os docentes de Literaturas Africanas na Faculdade de Letras/UFRJ. Se fossem mais os professores de Africanas, poderia ser capacitado, a cada ano, um número bem maior de professores da rede estadual e municipal de ensino.
Livro: África, escritas literárias - Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe
Organizadores: Carmen Tindó Secco, Maria Teresa Salgado e Sílvio Renato Jorge
Editora: UFRJ (em parceria com a União dos Escritores Angolanos)
Páginas: 296
Formato: 16 x 23
Preço: R$ 38,00