Edição 291 13 de abril de 2010
Ilustração: Caio Monteiro |
Notícias de abusos sexuais na Igreja têm justificado críticas de vários países e intensificado as pressões de ativistas católicos para que Bento XVI renuncie. No dia 28 de março, um grupo britânico organizou protesto em Londres pedindo a saída de Bento XVI que, segundo manifestantes, “não conseguiu garantir que os sacerdotes que abusaram sexualmente de jovens fossem denunciados à polícia”. A polêmica se agravou quando o The New York Times publicou uma reportagem afirmando que em 1996 o então cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa, não teria respondido cartas de clérigos norte-americanos que acusavam um padre do Estado do Winsconsin de abusar sexualmente de cerca de 200 menores entre 1950 e 1972.
No entanto, Bento XVI conta com apoio para que continue. Vincent Nichols, arcebispo e líder da Igreja Católica da Inglaterra e do País de Gales, defendeu o Papa afirmando que não há razões para que ele renuncie. O Vaticano divulgou na última segunda-feira (12/4) pela internet as regras aplicadas pela Igreja em denúncias de abusos cometidos por membros do clero contra crianças, entre elas a obrigatoriedade de bispos denunciarem padres às autoridades civis.
Para discutir o assunto, o Olhar Virtual conversou com Eduardo Refkalefsky, professor da Escola de Comunicação (ECO-UFRJ), e Ivo Lesbaupin, professor da Escola de Serviço Social (ESS-UFRJ).
Ivo Lesbaupin
professor da Escola de Serviço Social da UFRJ
“A se basear pelos últimos 100 anos da Igreja, é improvável que o Papa renuncie. Olhando pela história da instituição, muito rígida e hierarquizada, acredito que haverá um apoio para que Bento XVI continue. As acusações contra o Papa não são evidentes. Ele propriamente não é acusado de pedofilia. O regime político interno da Igreja não é democrático e, por isso, não há hipótese de o Papa ser retirado, caso não esteja agradando a todos. Um presidente de um país pode sofrer impeachment, mas a Igreja não tem mecanismos para isso. Pelo modo de agir tradicional da instituição, Bento XVI não deixará o cargo.
O foco da questão está na preocupação da Igreja de que o assunto pedofilia seja evitado. A instituição foi pressionada e ,finalmente, o tema emergiu depois de muito tempo escondido. Há muitos anos, casos de pedofilia vêm sendo denunciados nos EUA, Irlanda e em outros países. Se a Igreja em vez de esconder, tratasse seriamente os casos de abusos sexuais, buscando esclarecimento, os problemas de pedofilia teriam sido inibidos há muito tempo. A instituição tinha conhecimento desses casos e não permitiu que viessem à tona, não os tratou com a transparência que se esperaria de uma entidade comprometida com os direitos humanos e com o bem-estar das pessoas. A Igreja quer manter sua imagem positiva independente do que esteja acontecendo.
A pedofilia não está necessariamente ligada ao celibato. Ocorrem casos de pedofilia na sociedade em geral, inclusive por parte de pessoas casadas. Mas, certamente, a obrigação do celibato facilita o surgimento desse tipo de problema: é uma válvula de escape para um desejo sexual reprimido.
Não há possibilidade de resolver o problema da pedofilia sem que a Igreja abra o jogo e não mais esconda os casos de abusos sexuais. A entidade também tem que superar os limites que estão bloqueando o seu desenvolvimento. A visão negativa de inferiorização da mulher é uma concepção retrógrada, um tema que tem de ser superado. Até hoje, homens casados não podem se tornar padres, o que muito lentamente está começando a ser debatido. Na área da moral sexual, a Igreja está extremamente atrasada. É um absurdo que, no momento atual, com a epidemia de AIDS, principalmente na África, a instituição continue a proibir o uso de preservativo. É um crime, ainda mais porque há governos que seguem a opinião da entidade. O aborto é outro tema a ser colocado em pauta. Na tradição teológica da Igreja, já se admitia o aborto em alguns casos específicos, como para evitar a morte da mãe ou em caso de estupro, mas o grupo conservador que domina a Igreja mantém uma posição rígida e se opõe totalmente à prática. A discussão desses temas não estará diretamente ligada à diminuição da pedofilia, mas uma abertura em relação à questão sexual ajudaria a evitar esse tipo de deturpação.”
Eduardo Refkalefsky
Professor-adjunto da Escola de Comunicação da UFRJ“Não creio que a renúncia do Papa ocorrerá. Não houve provas concretas, até agora, de que o Cardeal Ratzinger, hoje Bento XVI, tenha acobertado a pedofilia. No principal caso, o do padre pedófilo Peter Hullerman, a responsabilidade foi do Vigário Geral, Gerald Gruber. Ratzinger era arcebispo geral, não há provas de que ele tinha conhecimento da decisão. É o mesmo que um presidente se responsabilizar pelo que ocorre no terceiro escalão do governo.
É o mesmo que um presidente se responsabilizar pelo que ocorre no terceiro escalão de governo.
A atitude de Bento XVI foi outra, em um caso muito mais grave, do fundador da congregação Legionários de Cristo (LdC), o mexicano Marcial Marcel Degolla, que não só quebrou o celibato, mas também conviveu maritalmente com uma amante, teve filhos com ela e ainda os molestou sexualmente (os filhos). O Papa reabriu as investigações sobre os escândalos sexuais na LdC, mesmo após o falecimento de Marcial, mandou suspender a prescrição de 10 anos dada a envolvidos e criticou o voto de silêncio obrigatório aos noviços na Legionários — mesmo referente a autoridades eclesiásticas.
De qualquer forma, creio que a Igreja Católica precisa repensar alguns pontos de sua estrutura hierárquica. Por ser bastante verticalizada, com muitas cadeias de comando, acaba tendo dificuldade para lidar com crises que exigem respostas rápidas, unificadas e com conhecimento da opinião pública. Ou seja, a comunicação precisa ser melhorada. Isso não é exclusividade da Igreja, vale também para os exércitos de diversos países que estão se reestruturando para combater o terrorismo, e de empresas.
A questão sexual para a Igreja é doutrinária. Outras igrejas cristãs tradicionais, como a Anglicana, permitem não só o casamento como também o comportamento homossexual (inclusive de sacerdotes). Há realmente uma tendência mundial em favor da tolerância sexual. O celibato é criticado por um grande número de pessoas, assim como outros assuntos doutrinários, na Igreja Católica, como o divórcio. O fato de a Igreja não se modificar nesse aspecto pode ocasionar migração para outras igrejas, como a citada Anglicana, ou mesmo para religiões como o Candomblé, onde a tolerância é histórica.
Mas o Papa Bento XVI, assim como grande parte dos cardeais, preferem que a Igreja até diminua de tamanho, em número de fiéis, mas que estes sejam comprometidos doutrinariamente. Não consideram válidos os chamados ‘católicos do IBGE’, que se dizem católicos nos censos, mas têm crenças conflitantes com a doutrina católica e são ‘não praticantes’ (o que é uma contradição de termos, pois ‘somos o que fazemos’, não há, por exemplo, um ’médico não praticante’).”