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Edição 343      21 de junho de 2011


Olho no Olho

Maconha medicinal: burocracia e benefícios

 

Daniela Magioli e Júlia de Marins

 

Há pelo menos cinco mil anos a maconha (cannabis sativa) é utilizada como medicamento pela humanidade. Trazida para o Brasil pelos escravos, a partir do século XIX, a erva passou a ser utilizada contra a bronquite crônica e a asma em crianças. Hoje em dia, ela vem sendo utilizada para evitar náuseas e vômitos decorrentes da quimioterapia, aumentar o apetite em soropositivos e anoréxicos ou tentar diminuir os efeitos da esclerose múltipla.

Apesar de haver provas contundentes dos efeitos terapêuticos e medicinais da maconha, o uso para tais fins não é legalizado no Brasil. De acordo com os cientistas da área, o país precisa de menos burocracia nesse assunto.

Para melhor compreender a legislação brasileira e analisar o uso da cannabis sativa na medicina, o Olhar Virtual convidou Luciana Boiteux, professora da Faculdade de Direito e Coordenadora do Grupo de Pesquisas em Políticas de Drogas e Direitos Humanos da FD/UFRJ, e Nubia Verçosa Figueiredo, professora da Faculdade de Medicina da UFRJ e especialista em cirurgia e anestesiologia, para falarem sobre o tema.

Luciana Boiteux

 

De acordo com a legislação brasileira, o sistema de controle previsto na Lei n. 11.343/2006 define como “drogas” as substâncias ou produtos capazes de causar dependência, assim definidos em lista elaborada pelo Ministério da Saúde, seguindo as convenções internacionais. Apesar da proibição da Cannabis sativa, familiarizada como maconha, a pesquisa e o seu uso terapêutico podem ser autorizados por lei ou regulamento, com base no artigo 2o., parágrafo único, da Lei de Drogas. Um exemplo que deve ser destacado nesse sentido é o da morfina, medicamento amplamente utilizado em todo o mundo, potente analgésico (que controla e reduz a dor severa e intensa em pacientes com doenças graves, como o câncer) que é um derivado do ópio, uma droga ilícita, mas que tem o seu uso medicinal permitido pela lei. A legislação prevê essa possibilidade, ou seja, bastaria a autorização do Ministério da Saúde para legalizar o uso medicinal da maconha.

Atualmente, apesar da proibição das drogas ilícitas em geral, a política internacional avança para a descriminalização da posse e também para uma ampliação do uso medicinal de algumas substâncias ilícitas. Assim,podem ser citados Canadá e Holanda, além de alguns estados dos EUA (Alaska, California, Colorado, Havaí, Maine, Montana, Nevada, New Jersey, New Mexico, Oregon, Rhode Island, Vermont e Washington), como locais onde é expressamente autorizado o uso medicinal da cannabis. O programa mais conhecido hoje é o da Califórnia, onde o “Medical Marijuana Program” autoriza, mediante prescrição médica, usuários identificados por meio de um cartão de usuário que podem portar, plantar, transportar, comprar e usar cannabis, nos casos de artrite, câncer, dor crônica, HIV e esclerose múltipla. Os mecanismos de controle desse tipo de uso variam de acordo com o estado ou com o país, não tendo sido criado, até hoje, uma regulamentação uniforme.

É importante lembrar que o direito à saúde, previsto no art. 196 da CF/88 e também nos tratados internacionais de direitos humanos (art. 12 do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU, e no art. 10 do Protocolo de São Salvador da OEA), deve garantir a realização de pesquisas científicas que possam levar a resultados capazes de auxiliar novos usos terapêuticos de toda substância que tenha esse potencial. Aliás, a própria legislação internacional de drogas, especificamente a Convenção Única de Entorpecentes, de 1961, em seu preâmbulo, reconhece que o uso médico de drogas é indispensável para o alívio da dor e do sofrimento, e recomenda que medidas adequadas sejam tomadas para garantir sua disponibilidade para tais fins. Assim, uma pessoa que faz uso medicinal da cannabis não pode ser criminalizada, pois está exercendo um direito, e age movida por uma situação excepcional, que pode até caracterizar, na prática, uma exclusão do crime, ainda que até hoje tal hipótese não tenha sido expressamente autorizada. Não obstante, entendo que a regulamentação dos usos, tanto recreativo como medicinal da maconha é a medida mais adequada para lidar com a realidade social atual.


Nubia Verçosa Figueiredo

 

Os benefícios que existem relacionados ao assunto são referentes à pesquisa de medicamentos. A medicina brasileira está bastante avançada, porém quanto à utilização da Cannabis sativa, conhecida pelo nome de maconha, existem sérias restrições. Neste âmbito, creio que o Brasil não está perdendo muito pela não utilização da planta como elemento terapêutico. A indicação da substância seria feita, preferencialmente, para os pacientes sem possibilidade de cura, em cuidados paliativos, para analgesia, e naqueles que, após fazerem sessões de quimioterapia, têm vômitos. A maconha poderia ser utilizada também: para estimular o apetite dos pacientes em estado de desnutrição ou caquexia, devido ao câncer, ou naqueles com síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS); para diminuir a pressão intra-ocular; para relaxar os músculos e reduzir a espasticidade; para tratar dor neuropática e esclerose múltipla (doença neurológica); e como anticonvulsivante.

No entanto, no caso da analgesia, por exemplo, há no país alguns outros fármacos largamente utilizados para o tratamento, como os opióides (entre eles a morfina, a metadona, o fentanil transdérmico), os antieméticos (para diminuir o vômito como a metoclopramida plasil) e o ondansentron (zofran). Ainda assim, acredito que uma boa sugestão é que os estudos sejam intensificados com observações rigorosas sobre as vantagens e desvantagens ao uso do delta-9-tetrahidrocanabinol (THC) e sua aplicabilidade clínica.

Inúmeras pesquisas evidenciam que o uso terapêutico da maconha tem causado problemas para os pacientes como: sonolência, lentidão de raciocínio, agitação, surtos psicóticos, confusão mental, efeito depressor do sistema nervoso central, síndrome do pânico, aumento da ansiedade, diminuição da acuidade para tarefas psicomotoras, entre outros efeitos. Deve-se também levar em consideração o preconceito pela sua comercialização e uso ilegal. Todas as medicações já relacionadas acima são legalmente utilizadas, tanto no Brasil como em todo mundo, com resultados positivos, mesmo apresentando efeitos adversos.

Em minha opinião, penso que pesquisas e estudos baseados em evidências devem ser incentivados para comprovar a eficiência da maconha para alívio da dor nos pacientes de oncologia (casos de tumores). Mas, de maneira geral, acredito que a substância não deva ser liberada para uso medicinal, principalmente por se tratar de uma droga ilegal.

 

 

 

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