Edição 145 18 de janeiro de 2007
Atualmente, comunidades de baixa-renda da cidade do Rio de Janeiro estão sendo invadidas e dominadas por milícias – grupo de policiais que tomam conta desses locais de forma autoritária e arbitrária.
Segundo moradores, as milícias invadem, retiram o tráfico de drogas e se impõem de maneira semelhante, na base do terror, da cobrança ilícita de impostos e até da expulsão de moradores apenas pelo de fato de serem parentes ou, simplesmente, amigos de marginais. Para muitos a única vantagem nisso tudo é a proibição do tráfico.
Para discutir a questão, o Olhar Virtual convidou o Decano do departamento de Antropologia do Museu Nacional (MN/UFRJ), professor Gilberto Velho, e Pedro Paulo Bicalho, professor do Instituto de Psicologia e ex-tenente da Polícia Militar.
“Em primeiro lugar, é óbvio que sou contra qualquer utilização da força física fora da lei e do controle do estado. Por outro lado, é preciso deixar claro que o fenômeno das milícias apenas pôde ocorrer devido ao vazio deixado pelo poder público, com sua incompetência e falta de determinação em enfrentar os problemas vividos pela população em geral, particularmente as mais pobres. Quanto a esta (população pobre), é preciso saber até que ponto, de fato, ela rejeita as milícias. Há indícios de que exista certa variação nas diferentes comunidades como, por exemplo, a de Rio das Pedras, na Zona Oeste, onde se instaurou um sistema de auto-defesa, por iniciativa de seus moradores, que incluíam policiais e bombeiros, da ativa e aposentados. Assim, na origem, o fenômeno é diferente da ação das facções criminosas originais. Trata-se de um problema bem mais complexo do que parece.
A meu ver, a única maneira de enfrentar essa situação, é a implementação de ações efetivas não apenas de repressão, mas de políticas públicas que marquem a presença do Estado em seus diferentes níveis.
Concluindo, a ascensão das milícias se deve ao aumento da criminalidade descontrolada e a incapacidade do poder público em contê-las. As pessoas das comunidades, conjuntos habitacionais etc; além de serem pobres e desprovidas dos mais elementares recursos, se vêem à mercê dos bandidos, logo, acabam sucumbindo a esse tipo de decisão. É necessária uma mudança radical no relacionamento das autoridades com a sociedade civil.”
“Essa idéia de milícia parece nova, mas não é. Quando a polícia foi criada no Brasil, em 1809, teve como principal objetivo acabar com as milícias e passar toda a segurança do país para as mãos do Estado. Nesse momento é outorgado o poder de polícia, o que proporcionou à guarda ter o direito de trabalhar calcada em três conceitos: discricionariedade, coercibilidade e auto-executoriedade.
Analisando isso, percebe-se que este poder é algo muito sério, pois está diretamente ligado à ordem pública. E se pensarmos em vê-lo nas mãos de qualquer pessoa, torna-se mais sério ainda.
Não sou a favor das milícias da maneira como elas são. Acho que a grande questão não é sua existência, mas a lógica que está por trás de tudo isso. Cabe ao Estado pensar na segurança a partir de uma série de pressupostos, e não a qualquer pessoa. Se hoje é complicado acompanharmos a maneira como a polícia é treinada para exercer sua função, sendo a mesma uma força do Estado; imagina se nós pulverizarmos esta força, oferecendo-a a qualquer um. Isso complicaria muito mais.
Não concordo em dizer que a milícia é a solução para uma segurança inoperante. Acho muito cômoda tal postura. Porque que ao invés de aceitarmos isso passivamente, não procuramos reformular a nossa polícia, alicerçando-a a outros paradigmas, libertando-a da idéia de combater o inimigo – ou seja, combater àquele que atenta contra o Estado.”