Edição 261 04 de julho de 2009
Fotografar é um ofício que seduz a humanidade desde sua invenção. O aparelho capaz de imortalizar os instantes surpreendeu o mundo quando, em 1839, Louis Daguerre apresentou o chamado “daguerreótipo”, invento considerado o precursor das modernas máquinas fotográficas.
O primeiro local a ser fotografado por Daguerre foi o Boulevard du Temple de Paris, quando a avenida estava repleta de transeuntes e carruagens. Durante os dez minutos de exposição necessários para que a luz pudesse se fixar na chapa de metal que constituía a máquina, foi capturada a imagem de um homem, que, quieto, parecia limpar suas botas. Assim, há 170 anos, nasceu a primeira fotografia como registro da presença humana. A figura do homem anônimo entrou para a história.
Desde então, a evolução das modernas máquinas fotográficas modificou não apenas a concepção que se tem da arte, como também o próprio trabalho dos fotógrafos. Segundo Maurício Lissovski, professor da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO–UFRJ), em seu livro Máquina de esperar: origem e estética da fotografia moderna, o surgimento da fotografia espontânea alterou, até mesmo, a noção de tempo.
O autor argumenta que os modernos aparelhos fotográficos constituem “máquinas de esperar”, ou seja, são dispositivos capazes de fazer fluir o tempo, que se desdobra para além da duração da própria imagem. O Olhar Virtual conversou com o professor Lissovski a respeito do assunto:
Olhar Virtual: Como surgiu a ideia do livro? Qual sua principal proposta?
Maurício Lissovski: O livro é uma versão reduzida de minha tese de doutorado, concluída em 2002, na Escola de Comunicação da UFRJ. Toda a argumentação que desenvolvo no livro nasce de uma pergunta: “Para onde foi o tempo depois que a fotografia se tornou instantânea?” Eu sugiro que esse tempo vai para a “espera” e que uma história e uma estética da fotografia moderna poderiam ser pensadas no modo como os fotógrafos modernos esperam.
Olhar Virtual: Como o livro busca formular uma teoria estética da fotografia moderna? Quais as origens da fotografia moderna?
Maurício Lissovski: Vou relacionar a origem da fotografia moderna a esta experiência de fazer “refluir” o tempo para fora da imagem. A partir dessa premissa, o livro propõe uma teoria do instantâneo fotográfico moderno, dissociada da ideia da interrupção do movimento, que é a visão tradicional que se tem dele. Eu passo a considerar as formas da fotografia moderna – mais precisamente suas possibilidades de sentido – a partir dos traços do refluir do tempo que restam na imagem (que eu chamo de “aspectos”). Isto é, proponho que diferenças no modo como os fotógrafos “esperam” favorecem o advento de certos aspectos instantâneos em detrimento de outros.
Olhar Virtual: O que é a “máquina de esperar” e como se aplica a noção de “espera” na fotografia moderna?
Maurício Lissovski: A “máquina de esperar” é a máquina fotográfica pensada como uma máquina que produz defasagem entre o olho e o dedo. Isto é, produz um intervalo entre percepção (olhar) e ação (acionar o obturador). Este intervalo constitui os fotógrafos como sujeitos – “autores”.
A “máquina de esperar” opera por hesitação a partir de um mecanismo muito simples: o fotógrafo hesita entre “é agora” e “não é agora”, por um lado, e entre “espero mais” e “não espero mais”, por outro. Mas o que torna tudo isso mais complicado é que, se não é agora, então se espera mais; e se não se espera mais, então é agora. A máquina de esperar é na verdade um jogo, o jogo jogado pelos fotógrafos modernos.
Olhar Virtual: Como a imaterialidade das fotografias digitais está mudando a percepção do espectador?
Maurício Lissovski: Não acredito que estejam ocorrendo mudanças significativas na “percepção” quando pensamos estritamente nas imagens. Alguns autores recentemente têm sustentado que, como questão, a fotografia digital não existe, isto é, não há nada de específico nela que a distinga teoricamente da fotografia analógica. Por outro lado, estão ocorrendo mudanças importantes nos modos de circulação dessas imagens e na diluição do seu caráter material, de “coisa”.
Olhar Virtual: Quais as perspectivas para o futuro da fotografia?
Maurício Lissovski: É um pouco cedo para dizer qual o destino da fotografia, pois ainda estamos muito marcados pela experiência moderna da fotografia. Creio que ainda são olhos modernos que olham para as fotografias atuais, assim como com olhos modernos que olhamos as fotografias clássicas, do século XIX; e, por isso, muitas vezes não as compreendemos.