Edição 207 10 de junho de 2008
A demanda por mais segurança pública tornou-se um dos temas centrais na agenda pública das principais regiões metropolitanas do país a partir dos anos 90. Guardadas as significativas diferenças quanto às especificidades das situações de cada metrópole, o denominador comum desta problemática situa-se na percepção do fenômeno (in)segurança associado ao medo de ser vitima de algum tipo de violência. Esse temor é fundamentado no visível aumento das taxas da criminalidade violenta e alimentado pelo sentimento diário da ameaça de perda da liberdade, da integridade física e, por fim, da vida. Junto a tudo isso o cidadão desconfia daqueles que seriam os responsáveis pela sua proteção e pela garantia do exercício da sua liberdade e da convivência social.
Em tempos de febre de Big Brother, de vigilância absoluta e de voyeurismo, a discussão sobre a validade do uso de equipamentos eletrônicos nos presídios e no monitoramento de detentos em regime semi-aberto chega com força ao Rio de Janeiro, após ter passado por São Paulo e pelo Rio Grande do Sul.
Recentemente, a deputada Cidinha Campos (PDT/RJ), propôs um projeto (1017/07) que visa à utilização de mecanismos eletrônicos para o monitoramento dos presos em regime semi-aberto. Como base para sua proposta, Cidinha afirma que “saber ou não onde se encontra o preso em regime semi-aberto ou aberto não fere os Direitos Humanos”.
Com essa medida, espera-se mudar alarmantes estatísticas como as que mostram que, em 2007, 17% dos presos em regime semi-aberto fugiram. “Além de ser mais caro manter o preso no sistema do que monitorá-lo, acredito que (o sistema eletrônico) pode colaborar para a ressocialização, uma vez que incentivaria o maior número de presos no regime semi-aberto”, declarou Pedro Paulo (PSDB), deputado que apresentou recentemente um projeto semelhante ao de Cidinha.
Para discutir a questão das novas tecnologias nos presídios, o Olhar Virtual conversou com Joaquim Welley, professor de Ética e Legislação, da Escola de Comunicação (ECO/UFRJ), que falou da importância destas tecnologias dentro dos presídios, e também com a professora Miriam Krenzinger Guindani, da Escola de Serviço Social (ESS/UFRJ), que falou sobre o monitoramento dos presos em regime semi-aberto com câmeras e pulseiras eletrônicas.
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Frente à problemática da violência, representantes da elite política e gestores governamentais, através de intervenções simbólicas e proposições, de curto prazo e pequeno alcance, tentam incidir sobre os focos da criminalidade urbana que são mais freqüentemente alardeados e passam a construir "produtos soluções" que sejam capazes de negociar, minimizando os custos políticos e econômicos da geração da sua própria hegemonia. É dentro deste contexto que surge o polêmico debate sobre uso de meios eletrônicos como mecanismos de controle e vigilância das "classes perigosas".
Em primeiro lugar, considero que as pulseiras ou quaisquer outros objetos eletrônicos podem ou não ser úteis e aceitáveis, do ponto de vista dos princípios democráticos, constitucionais e dos direitos humanos, dependendo do contexto, da função, das formas de emprego e das implicações. Por exemplo, sou favorável aos dispositivos eletrônicos que controlem o uso e movimento das armas de fogo fabricadas no Brasil e utilizadas por todas as "forças de ordem". Esse tipo de controle, da violência (i)legítima estatal, evitaria o tráfico de armas e por conseqüência a redução da violência letal. Contudo, sabe-se que tal medida não seria vantajosa aos interesses do setor econômico que se beneficia da insegurança e das novas modalidades da criminalidade urbana para se manter no mercado da segurança privada. Portanto, devemos desconfiar de toda consideração que se fizer em termos abstratos e genéricos, ou isolando o objeto como se pudesse ser "a solução para segurança pública".
Registradas essas observações preliminares, vamos examinar o debate polêmico sobre o uso das pulseiras eletrônicas, no contexto brasileiro contemporâneo. O uso da pulseira não está previsto no código penal, portanto não pode ser definido como mecanismo de punição, mas sim como mecanismo de controle das penas (privativa de liberdade e sua medidas alternativas à prisão). Quando a pulseira surge como uma forma de controle do cumprimento de medida alternativa à pena de privação de liberdade, cujo sentido seja, por exemplo, a restrição do deslocamento físico do cidadão (como pode ocorrer em situações que envolvam violência doméstica ou de gênero contra a mulher), seu uso seria aceitável, desde que o condenado concordasse (imagino hipótese em que o juiz lhe apresente tal medida como opção à pena privativa de liberdade).
Se a pulseira fosse utilizada para controle dos que, cumprindo medidas em regime fechado de privação da liberdade (são três os regimes da pena privativa de liberdade: fechado, semi-aberto e aberto), tenham a oportunidade de sair da prisão, em horários e dias determinados, para trabalhar ou estudar, seu uso seria, também, aceitável.
Entretanto, seria inaceitável que ela fosse usada para controlar cumprimento de medidas em semi-aberto, aberto ou em liberdade condicional, porque, nesses casos tal medida é contraria ao princípios constitucionais e a LEP- Lei de Execuções Penais. Ou seja, na progressão dos regimes (semi-aberto e aberto) até o livramento condicional o essencial é que os indivíduos exercitem a experiência "limitada" da liberdade fruto de outros mecanismos de controle social, como programas de qualificação para o trabalho e acompanhamento técnico nas áreas da saúde, da educação e da assistência social.
Se o Estado não cumpre sua parte, acompanhando, investindo na preparação para "liberdade" através dessas experiências, é outra questão. A pulseira não pode ser solução para justificar a falência deste Estado.
Por fim, devo acrescentar o seguinte: não nos iludamos com as pulseiras eletrônicas, como se elas passassem a garantir cumprimento de penas, reduzindo a impunidade e provendo a segurança que o Estado não oferece à população por outros meios.
Imaginemos o sujeito que, estando em regime aberto ou liberdade condicional, sai de sua casa sem autorização judicial ou freqüenta um lugar proibido. Qual sistema de segurança atual, que não seja via política das "milícias", dos "blindados" e/ou da segurança privada, teria condições de resgatar este cidadão para os estabelecimentos prisionais em regime fechado? No contexto brasileiro, quando as instituições da justiça criminal e da segurança pública vivem crise tão aguda e estrutural, deslocarmos a atenção e o debate para essas "novas tecnologias" acabaria por lhe atribuir o papel antes de fetiche do que instrumento de controle.
O uso de câmeras e de outros sistemas eletrônicos de monitoramento dos presos, tanto em regime fechado como em regime semi-aberto, é válido. Analisando o uso de câmeras de monitoramento nos presídios, percebemos que elas trazem muitos benefícios para a vigilância dos detentos.
Estas câmeras, quando colocadas nos locais comuns do presídio, como pátios, refeitórios, banheiros e bibliotecas têm uma importante função de monitoramento da atividade dos detentos. Presos “perigosos”, como Fernandinho Beira-mar, por exemplo, não passariam instruções de dentro dos presídios caso estas câmeras estivessem funcionando. O uso de telefones celulares e outros objetos proibidos seria mais facilmente descoberto pelos agentes policiais. Casos em que presos aparecem mortos no banheiro ou em suas celas seriam mais facilmente desvendados.
Quanto à questão da privacidade e da intimidade dos detentos, acredito que a instalação de um forte sistema de monitoramento não agrediria a intimidade dos presos. Em celas onde acontecem as visitas íntimas e na parte individual dos banheiros estas câmeras não seriam instaladas. O presídio não é um local de diversão do detento e a polícia tem todo direito de saber o que os presos fazem no local.
Existe um problema, porém, quanto à lei em vigor que não permite a instalação destas câmeras. E, enquanto esta lei não for modificada, o Brasil não poderá se equiparar a alguns países desenvolvidos como o Canadá, os Estados Unidos, e grande parte das nações européias. Nesses países, o uso destes sistemas de vídeo já é corrente há muitos anos e tem se mostrado bastante eficaz no combate a motins, brigas e atividades ilegais dentro dos presídios.
Sou favorável à instalação desta maior ligação das novas tecnologias com o combate ao crime e à violência, mas tenho certeza que, antes que este modelo entre em vigor, os defensores dos Direitos Humanos se pronunciarão mais uma vez. E mais uma vez não se pronunciarão procurando o benefício da sociedade e, sim, procurando melhorar as condições de vida dos que vivem atrás das grades.